terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

UM ANJO NÃO É UM GAMBOzINO

lourdes sendas

Chama-se Art Project (o projecto da Google para uma visita digital aos museus de arte) e calcina quando se abre porque a qualidade das imagens expostas supera quaisquer espectativas. Quase que equivale a ver Deus pelas costas, afastando-se, radioso: fica-se de joelhos.
Estive com um amigo a experimentar o zoom em cada milímetro de Primavera de Boticelli, a desfrutar ao detalhe as borbulhas e mazelas do tempo na tinta e a avassaladora qualidade da pincelada do renascentista. É monstruoso.
E foi quando nos detivemos no olho da Vénus, ampliado até ocupar o ecrã do computador, sem perda de nitidez ou pormenor, que fui atravessado por um estremecimento.
Segunda uma tradição milenária, essénia, só duas criaturas podem ver os anjos: as crianças de colo e os burros.
Eis-me de lupa sobre o zoom das pupilas de milhentas crianças e burros, fartamente representados na pintura da Renascença, numa procura insana: hei-de topar o primeiro anjo.
A aposta agora situa-se num outro nível: será um querubim, um trono, uma dominação, um serafim - qual, dentre da ordem dos anjos, divisarei primeiro?
As crianças não foram à escola. Temos três computadores em casa, muni-as de lupa e obriguei-as à prospecção das retinas. Com circunspecção, solenidade, um por outro carolo de incitamento.
Um anjo não é um gambozino - e a fé é quem mais ordena. Ou não é assim?

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