segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

CONVERSAS EM FAMÍLIA 2: CABRITA & FREITAS LDA

                                                                            Hockney

Escreveu Manuel de Freitas, na sua nota crítica a Respiro que não houve qualquer debate em torno da mudança de paradigmas quer no seio da poesia portuguesa como na flutuação da sua recepção.
Não é inteiramente verdade, houve várias tentativas de diálogo, de surdos para moucos. Simplesmente quem chega não quer ouvir e quem parte acha que já ouviu tudo.
Eu próprio escrevi vários textos – lembro um longo texto de polémica que editei no Expresso em contraponto a uma crítica de Pedro Mexia, lembro o meu editorial na revista Construções Portuárias, lembro um outro texto, que aqui reproduzo em baixo (ainda que aqui numa versão posterior, acrescentada), saída na revista Apeadeiro, etc. – que evidentemente não tiveram qualquer eco pela natural algazarra que se sobrepõe aos períodos de transição.
A dado momento, nos jornais, só havia críticos da Geração de Noventa e isso minou as condições de possibilidade de qualquer discussão e abafou o panorama com novas demonizações e protocolos, que só interessam à história social da poesia, mas não à poesia.
À história das gerações locomove-a um idêntico processo: um grupo de autores reorganiza a história – literária e não literária – para justificar a sua obra e, sobretudo, a visão do mundo a que ela responde.
Isto obedece ao fluxo natural das coisas, o que é preocupante é que depois se negue, que se tente encobrir o arsenal de cotoveladas e caneladas necessárias para o efeito pretendido: a posse do ceptro real, donde dimane posse e mando. É tristemente monárquica e «revisionista» a motivação mais profunda que leva comunidades, não numa direcção crítica mas numa direcção única.
Falaremos disto depois.
Aqui deixo apenas o texto para que se confirme o meu "profundo dualismo e maniqueísmo".
E boas-festas, vou de férias para terras sem net e regresso a 5, boas entradas para todos.  

                                                         Quixote no reino dos lagartos
Crítica e gerações, um dizer

 Num maravilhoso livro de entrevistas o idoso Marcel Conche, provavelmente o exegeta dos pré-socráticos em França, confessa, aos 80 anos, que o encontro intelectivo com uma jovem mulher aos 78 anos abriu brechas na sua vida de sage. Ela, pouco afeita às venerações académicas, chegara aos pré-socráticos por via do Oriente e procurava relações de parentesco entre os feixes conceptuais da filosofia clássica e os do sufismo e do hinduísmo, que conhecia de forma erudita. O abalo foi grande e Marcel Conche, que se pensava jubilado e à beira do elevador que lhe alçaria directamente a alma ao céu, descobre-se aos 80 anos com faltas de ar e a estudar o sufismo e o hinduísmo com o afinco dos vinte, para uma revisão implacável das pautas e do repertório adquiridos por décadas de estudo. 
Filosofia à procura de si mesmo, sem parapentes, que não teme lidar com as lacunas e dúvidas em que a despenham as aporias do impasse.  Pode a poesia ter menos honestidade? Pedir menos coragem?

 
Mas não há algo de enfatuado nesta exigência, no limite, “martirológica”? Se contemplarmos as coisas por um prisma analítico, sem dúvida. E convenhamos, o poeta também se entretém em malabarismos nasais e borra-se de medo. Bebe cafés e espera por quem lhe burle o desejo. E tantas vezes há mais saúde em encolher os ombros e em escarnecer, como Jacques-Marie Dupin: «Pauvre poète romantique! Il s’arrache, vivant, les nerfs du corps, pour en faire des cordes de lyre et les gratter de ses ongles. Porquoi faut-il que ce émouvant sacrifice na soit salué, de nos jours, que par des éclats de rire? Il y en a – e qui ne sont pas toujours des enfants – qui jouent au poète comme les enfants jouent au soldad. De vrais petits héros!»
Sabe bem rir da caricatura, dos rubores virginais. Contudo, a mesma inspirada verve, numa reserva tintada de auto-crítica, concede adiante:
«Sucèss commun que de cracher sur tout. Il n’est difficile de cracher, mais beaucoup plus, crachant fort, de viser juste».
E “viser just” é difícil para quem se enxerga como um produtor de contradições, permeado de indulgências, apesar da afectação, precisamente pela afectação. Afinal, dois espelhos face a face, rindo se si próprios, purgam o quê?
Não é certo que o marinheiro que sobe à gávea queira ver sempre terra.

 
No filme «O Barbeiro», dos irmãos Cohen, o único lenitivo do protagonista para a sua vidinha medíocre e passajada pela rotina é uma dose de Bourbon depois do jantar, em casa do vizinho, com quem partilha o laconismo e a escuta das escalas que a filha daquele repete no piano.
Ao fim de meses de Lizst ou Schubert emprestarem um tom melífluo ao cair da noite, convence-se de que a rapariga tem futuro como concertista e que pode virar a vida tornando-se agente dela. 
Lê no jornal que na metrópole mais próxima um reputado maestro recebe candidatos para ocupar uma vaga de pianista. Está tão seguro que não hesita, e metem-se a caminho. O maestro recebe-os e condu-la à sala da prova, enquanto o barbeiro espera no átrio. As notas fluem, trespassam a porta e enleiam-no em vagos sonhos: Brahms, Lizt, Beethoven – é de estalo o desempenho da sua protegida.
Meia hora depois a porta abre-se, o maestro leva-a ao acompanhante, e despede-se cordialmente, sem adiantar uma palavra sobre a execução da candidata. Já caminha na direcção de outra quando o barbeiro o interpela: «Não foi distinta e convincente a interpretação das obras? Houve algum erro?» Resposta do maestro: «Não, não, pelo contrário, a candidata não falhou uma nota, onde na pauta estava um dó sustenido o dedo premia o dó sustenido, onde estava anotado um ritornello o mesmo foi escrupulosamente cumprido; não houve uma desafinação, uma dissonância, uma nota fora de tempo... penso que a candidata dará uma óptima dactilógrafa». 
Não é diferente o que se passa com o zelo de alguma poesia: não acusa uma dissonância, uma imagem fora do baralho, da lógica processual em uso, fora do cânone; apela à “sinceridade” da emoção, e ensimesmada segue a pauta, sem recriar as dinâmicas que transmitam vida ao ritmo e à melodia.

 
É uma tendência que se tornou escola, como periodicamente acontece, confundindo a parte com o todo. E isso dá declarações ufanas. António Guerreiro, para dar um exemplo de alguém estimável, grafou num texto sobre o meu livro «Combate de Flautas»: «um livro ao arrepio das novas austeridades». Constatava? Constataria. Mas não seria lícito esclarecer ou interrogar-se sobre quem decretou «as novas austeridades»? E assim mansamente se instalam as ideias feitas: em havendo quem repita a um homem de olhos verdes que os tem castanhos este acabará por duvidar de si próprio. Contra isto prevenia Humpty Dumpy à Alice: «não me interessa o que digas, mas quem manda no que digas!».
Não há volta a dar: hoje rareiam os anjos nos olhos das vacas, resignadas a cataratas e achaques. Deserdados de toda a esperança, como aqueles que franqueavam as portas do Paraíso de Dante, os capitosos quadrúpedes foram dispensados da roleta angélica (- menos na Índia, onde tudo é ao contrário).

 
A crítica é como um fresco – a ocasião nem sempre permite o retoque. Em consequência seria sobre-humano o crítico que não contasse, entre tanto derrame, com um acervo de dislates, desfoques e desatenções. Por mim falo. Persistir no erro ou insistir no preconceito é que me parece grave.
Vou dar um exemplo das erróneas ilusões da época. Na última «Periférica» – uma revista de que sou fã – lavra-se uma crónica de Vítor Nogueira: «É de resto de um só fôlego que apetece ler “Praças e Quintais” (de Rui Pires Cabral), acompanhando algumas das imagens mais seguras e sinceras que nos traz a poesia portuguesa, longe da retórica, perto do coração (...)» (sublinhado meu).
O sublinhado, que dá título, é só por si um programa e define uma estética, na linha da “Nova Sentimentalidade” de Luis Garcia Montero, que foi uma das géneses da “Poesia da Experiência” – neologismo intratável, pois haverá poesia sem experiência? Apela-se a uma sinceridade estética que confirme a fiabilidade psicológica e a síntona veracidade vernacular? Más influências do cinema americano, que é «condutivista» e liso: i.é, o ideal para um estrato etário baixo. Isso: como se o século XX não tivesse existido e Wittgenstein não nos tivesse precavido contra as clamorosas perversões da linguagem.
A diante lê-se: «(...) partindo do real ( e é daí que tem partido muita da melhor poesia que se hoje se escreve em Portugal) (...)». Esqueça-se o enfático, recurso em que patinamos todos. Mas de que real falamos? Aferem-se perante a mesma, única, definitiva realidade – o poeta, o leitor, o crítico, o texto? E que tipo de realidade se acocora assim, aos pés do escriba? Lava-lhe os pés com os cabelos, como Maria Madelena? Que pretensão! Qual é o sujeito e o predicado nessa realidade? E que coração não arma as suas retóricas? Enfim, tudo em nome das picuinhices comuns – as possíveis, depois da degola de Deus e da nervoseira de décadas.
O artigo – à segunda leitura - tropeça na ingenuidade clemente duma “cantiga de amigo” mas perigosa porque quer arvorar generalidades.
Se chamei à liça este exemplo é para o conectar com a ideia de que a crítica se tem tornado autoral. Sempre o foi um pouco - impõe critérios, gostos, estabelece hierarquias, exclusões, dá vazão a um drama por vozes interpostas – mas nunca como hoje se confundiu tanto o papel do crítico com o do comissário.
Walter Benjamin quando ambicionava escrever um livro só com citações talvez não adivinhasse que estava a desenhar um novo tipo: o do crítico que delineia a sua ficção pelas vozes dos poetas que escolhe. Ah, o prazer, a ambição de ser ponto de Shakespeare no balanço da escrita! Criticus absconditus.

 
Bizarro é que com a perda das “dissonâncias” se assista também à rarefacção do humor, do jogo, do curto-circuito verbal, da alegria; apesar de entrosados na esfera lúdica com que a sociedade cuida liminar e implacavelmente dos seus interesses, os poetas, contraditoriamente, entregam-se a uma trivialização melancólica que inunda, como pez, as páginas dos livros.
Tem de ir-se aos filósofos, para se encontrar rasgos de humor: «A vista, disse Platão é o mais espiritual dos sentidos. A consequência desse misticismo é sempre a mesma: um voyeurismo generalizado». (Eugenio Trias)
Os poetas preferem a exaltação da impotência, a inanição do verbo e a inadvertida conversão do humor ao imperativo televisivo, que não prenuncia nada mais que uma nova condenação do corpo. O riso surge das entranhas e gera-se nas tensões criadas pelas relações com o sagrado, duas drogas que a euforização do virtual rejeitou.
O riso, quer em Nietzsche, como no Zen, sacode e harmoniza as contradições, ao mesmo tempo que troca as categorias lógicas e verbais. E o riso não nasce do absurdo da existência, como pensavam Camus e Cioran, ao invés o riso desmonta o absurdo das nossas tentativas de captar e capturar o real segundo esta ou aquela concepção. O riso presentifica algo totalmente distinto da armação das nossas expectativas – uma espécie de off no ponto de vista - e deste modo destrói, inverte, as categorias com as quais dividimos as nossas experiências em categorias excludentes.
Não devíamos esquecer que a palavra «alegria» vem do adjectivo latino «alacer, alacris, alacre, que quer dizer ligeiro, ágil, presto, vivo, activo, rápido: é um efeito não de debilidade mas da força.
Nem riso, nem intensidade, nem elegia. Caiu-se numa estética amorfa, na qual o nome está à cabeça dos bois - método herdado da “pop arte”, que iniciou o processo de estetização da vida quotidiana que hoje nos lixa (em 1965 Robert Rauschenberg, respondendo a uma marchande francesa que desejava ter um retrato pintado por ele envia-lhe um «telegrama-retrato»: This is a portrait of Iris Clert, if I say so. Onde está a arte neste caso? No enunciado, na sentença assertativa do pintor e do poeta: «isto é um quadro», «isto é um poema»... e não na materialidade da obra.). Estamos no poente da sentença de Lautreamont: «a arte ou será feita por todos ou não será», potenciada pelo conforto doméstico dos capitonés e servida por uma referencialidade rebarbativa - elevada a “tique”.

 
Duma geração para outra, passou-se dum patológico sacrifício dos apegos, onde o autor era uma hipótese não necessária, para um amaneiramento dos sentimentos. No afã de abrir janelas, de aliviar o mofo da casa, a poesia trivializou-se.
Esta abertura seria um sintoma de saúde, se quase invariavelmente as janelas não se abrissem para o saguão dos géneros e as receitas de catálogo. É o que fez o equívoco da “poesia de experiência” em Espanha.
De Espanha podem chegar-nos melhores casamentos do que aquilo que prometem as sereias da “poesia da experiência” – soprados essencialmente por três arautos: Luís António Villena, José Luís Garcia Martín e Luis García Montero (mais vivo como panfletário do que como poeta).
Um mérito se lhe reconhece: o incremento da leitura e a explosão de leitores de poesia. À custa de quê? De uma homogeneidade asfixiante, dum retorno à calha cartesiana e às “virtudes clássicas”, traduzido no resgate de um «eu» unitário, redondo e carente de fissuras, plasmado num narrador omnisciente que desdobra o quotidiano em ditados de uma transparência chã. Poemas que se calhar dariam eficazes letras de canções, e que são reflexo da subitaneidade comum à esfera da «pop/rock», trasladada para a totalidade dos bens culturais.
Se coroarmos isto com um dos dogmas da “poesia da experiência”, segundo o qual a poesia não ultrapassa a dimensão do passatempo (cf. Luis Garcia Montero), compreende-se porque muitas vezes deparamos entre os seus cultores com textos carecidos de tensões e acríticos em relação ao meio.
Depois, esta transparência sobrevive à conta de uma omissão (ou de um esquecimento?) de base: o de que todo o texto é à partida uma confluência, coexistindo nele as diversas entradas, saídas e níveis de leitura que o demónio da interpretação labora.
Doutras ilusões se nutre a “poesia da experiência”. Janero Talens – e leiam- se ainda os textos avisados de José Maria Parreño, Jorge Riechmann ou Miguel Casado -  desfaz em vários ensaios as ilusões desta “linhagem”, dando a estocada definitiva a essa pneumática locução confessional:
«O papel do poeta predicando a boa nova das suas experiências vitais ou da sua tristeza pos-cogitum – escreve – parece-me estranhamente patético. Como pode alguém orgulhar-se de acrescentar um pouco mais de ruído ao geral zumbido das moscas?»
Com certeza que caricaturamos a regra. Carlos Marzal, Felipe Benítez Reyes, ou mesmo Luís António Villena, são excelentes poetas, tal como em Portugal, nos anos 90, as coisas não são lineares. Trata-se de discutir a temperatura. Acomodatícia. E de lembrar que hoje o discurso poético já não pode ser ingénua ou directamente referencial, «correspondência automática de um signo com um objecto, com os seres da realidade externa à linguagem».
E podia ser doutro modo quando o século XX nos enxertou no sangue o fantasma da alteridade?




Intratáveis, como antes. De um visionarismo de laboratório (praticado nos anos 80) passou-se à glose da ruminação quotidiana.
Duas estéticas dirigidas de fora.
Dois erros de palmatória que viciaram as pautas perceptivas e nos fizeram perceber que o peso da morfologia na escolha da paisagem conceptual é quase uma fatalidade.
O que talvez confirme, contra aquilo que hoje se predica, que o poeta pode iludir-se com o “sentido comum” inerente à sua “mocidade”. Os “sentidos comuns”, “os pequenos grandes nadas” comuns, a própria noção da realidade mudam – aí está uma coisa que aos vinte anos não se acredita.
Mas pode-se crer-se noutra coisa quando, di-lo com graça Peter Sloterdijk, os estudantes hoje produzem exercícios dadaistas em workshops e terminam a licenciatura como surrealistas diplomados? Aos trinta anos ainda não se teve tempo para detectar que o próprio vocabulário sofre flutuações geracionais, imerso em eleições, rotinas, e significações epocais.

 

Durante anos pensei que era uma tragédia para a «Geração de Oitenta» não ter produzido o seu crítico – que a sua irregular e variada topologia não conhecesse a remansosa plaina de um cartógrafo. Entalados entre os de 70 e os de 90, como meteoritos à solta, num desbaratar de “feitios poéticos”.
Os seus elementos estavam demasiado ocupados a viver, a semear erros e plausibilidades, pouco disponíveis para se sentarem plácida e analiticamente em redor dum farol que lhes recortasse o rosto e as sombras. Para mais condenados à fatalidade de amadurecer tarde – havia um excesso do vivido, como é intrínseco às gerações que cresceram sob um clima revolucionário, para decantar. Não há aqui heroicidade nem lamentações, se um tipo nasce com três mamas só lhe resta constatar que não nasceu com quatro: a geração de 80 teve o “galo” de crescer à cunha entre o 25 de Abril e o «fim da História».
É a vários títulos uma geração de orfãos que teve de engendrar-se, errante e dispersa, sem porta-voz, locutor ou mestre. Que se foi “salvando” à medida que se puxava pelos cabelos das areias movediças, como o Barão de Munschausen.
Hoje penso que a ausência de uma tutela foi a sua sorte – acabou por viabilizar uma possibilidade inarredável: feito um percurso de náufragos solitários – cada um na busca insana das suas estelas e precursores – estes autores, agora, no pleno recurso das suas potencialidades expressivas, já não têm nada a perder e dispõem-se a negociar infinitamente menos. O que é uma situação claramente prometedora para o âmbito da criatividade.
Se calhar só três coisas uniam essas individualidades dispersas: uma “empatia pelo assombro”, entendida – no rasto de Ananda K. Coomaraswamy – como uma expansão da mente “pela admiração”; a sensação de serem testemunhas de uma subterrânea alteração de paradigmas – políticos, estéticos, literários, estilísticos - passava-se por exemplo da “casa do ser” de Heidegger para os “jogos de linguagem” de Wittgenstein, ou da influência francesa para a anglo-saxónica  - e, por último, a resoluta crença de que a poesia era mais que uma coisa inane, um passatempo de salão.
Herdeiros do “antigo” e vedores ainda titubeantes do “novo”.

 
Para mais, em termos existenciais, há uma inevitabilidade que separa a geração de 80 da geração de 90: para uma geração que se tornou adulta com o 25 de Abril o desejo era ainda o complemento da falta, para a nova geração, muito spinozamente, o desejo é potência. Inscreve-se aqui uma necessária deriva da metáfora para a metonímia.
Explicações que balizam o vivido e moldam janelas diferentes para a retórica e mecânica processual através da qual a literatura valida e transfigura o real.
Reconheça-se: houve usos e abusos dos dois lados.
Às vezes na poesia dos anos 80 as metáforas tomam-se por nomes sem substância, como os anjinhos das igrejas barrocas que só têm uma cabeça e duas asas, isentadas de corpo.
E a poesia dos anos 90, na esteira da “poesia da experiência”, prefere o “sentido comum” ao distinto, confunde simples com fácil, e cai repetidamente na ingenuidade de pensar que - talvez eufóricos pelo descobrimento de que o nome é o descobrimento de uma coisa -  “duas vezes o mesmo é o dobro de bom”.
Porém, e não se percebe que ninguém o diga, o que está em presença é isto: tornámos ao Crátilo e à sua milenária discussão com Platão.

 
E haverá vantagem no apego a uma geração? Numa era global, com um acesso mais directo à diversidade universal da poesia, não descortino vantagem na ideia de geração – para além da inicial dissipação partilhada, e das trocas naturais de copos, corpos e poemas.
A partir de determinado nível a pertença a uma geração torna-se ruído e é preferível desfrutar o mistério dum verso de Rumi (por exemplo, este: «a rosa é um jardim, onde se escondem as árvores»), a navegar na manseutude do reconhecimento, da autocomplacência e das traições (mútuas e) inconfessadas.
Ademais, de fora para dentro, há uma invariável tendência para auscultar nos elementos duma geração os elementos de força, supostamente os gonzos, adaptando as grelhas de leitura ao formato das bonecas russas, com a chatice de se eternizar o debate sobre quem cobre quem e as prepotências que isso desencamisa.
Mais vale confiar em quem sabe, por exemplo em Ferreira Gullar para quem a criação rumina no esplendor da solidão, naquele que deslê uma gramática na pegada das formigas.

 
Cada geração tem a sua galáxia de conceitos diante da qual abre a boca, numa obediência irremissível. Muitas vezes sem sopesar devidamente a sua verificabilidade. Para dar um exemplo de um ámen automaticamente atribuído a um teórico, em nome da sua reputação, e de como isso reduz o leque em vez de levar à multiplicação das hipóteses que cada conceito faz operar falemos da perda de «aura» em Walter Benjamin.
Ao anunciar a perda de aura numa era de reprodutibilidade técnica, Benjamin soube intuir as consequências práticas da modernidade mas enganou-se a detectar as origens dessa desvalorização.
Foi a “tradição de ruptura” da modernidade, e o seu deslize para o dogma de que o signo precede o sentido, quem colocou a “aura” no escorrega e não a mera reprodutibilidade técnica das imagens - esta é unicamente um avatar tecnológico de uma serialização da memória que teve o seu expoente nas catedrais medievais e nos livros de iluminuras, quando inclusive o mundo se lia como alfabeto da reiterada cosmologia cristã.
E depois Benjamim esqueceu-se, primo, que as reproduções são muito distintas aos olhos de cada receptor, secondo, que um número adictivo está nos antípodas de um número qualitativo. Provavelmente porque também ele foi uma vítima da ilusão de que tudo quanto existe – o que inclui a recepção estética – existe numa quantidade e por conseguinte pode ser medido. Mas só no pensamento Ocidental é que o número apenas conta ou expressa quantidades. Se estivesse na China, onde o número representa uma estrutura qualitativa, a associação entre número de cópias e perda de aura não se lhe havia sequer colocado. Pensemos nesta história contada por Marcel Granet: uma vez, durante o decurso de uma batalha, reuniram-se 11 generais para decidir se atacariam ou bateriam em retirada. Travaram uma longa discussão estratégica e votaram: 3 foram favoráveis ao ataque e 8 à retirada, pelo que decidiram atacar – porque três é o número da unanimidade.
Portanto, contra esta ilusão de uma intensidade divisível, um efeito lateral das teorias do matemático George Cantor que a persuasão do digital ampliou a níveis perigosos, gostava de contrapor a visão dos yorubas, que temiam um deus localizado algures no inconsciente e a quem atribuíam a capacidade demoníaca de contar. O maior desejo deles era não serem contados, escapar desse olho funesto da divindade que distribuía destinos finais.
Em relação à suposta morte do «sublime» deparamos com a mesma prematura e inconsistente adesão.
Se tivermos presente que a ideia do sublime em Kant pressupõe o reconhecimento da nossa superioridade moral face à potência da natureza e legitima que a violentemos, apetece imediatamente renunciar ao sublime. Urge mesmo desvalorizá-lo. E contudo Kant também nos dá uma chave paródica ao contar a história desse mercador, cuja noite de todos os azares – quando uma tempestade afundou num ápice toda a sua sublime riqueza – levou a um sofrimento tão grande que se lhe embranqueceu a peruca. Ou seja, o sublime não é estanque ao riso, à prosa do quotidiano, e há uma medida certa para a “solenidade” do ethos, sob risco do ridículo. Não vejo como esta sageza milenária possa acabar por decreto. Está é em jogo outra questão, que minuciaremos adiante. 
De resto, neste particular tinha inteira razão João Pedro Grabato Dias quando ao homenagear Camões em «Quibíricas» escrevia na dedicatória: cada um homenageia Camões “como pode”. Pois é, cada um homenageia a literatura como pode e não como quer: território em que são irrelevantes as discussões em torno da morte ou da vigência do sublime. Aliás, há quantos velórios morreu a arte?

 
 
Outro exemplo de «lugar-comum» que pela repetição ganha um estatuto de verosímil: a de que o período da experimentação da linguagem é mais um item na vala comum da poesia. Esquecendo que há autores em quem a experimentação faz parte da própria dicção, não encobrindo este procedimento quaisquer trejeito modernista. As poesias de Andrea Zanzotto, de Jenaro Talens, de Armando Silva Carvalho, de Manuel Gusmão ou de António Franco Alexandre não são grandes “apesar” da experimentação que acolhem na sua tessitura mas antes porque se verifica nelas uma simbiose orgânica entre o que exprimem e o que experimentam. E uma não passava sem a outra.



Sempre coabitaram poetas anti-discursivos com poetas narrativos e só as necessidades académicas separam as águas em canais de trânsito único. Nada obsta um poeta anti-discursivo e metafórico numa época de narratividade dominante: basta que os seus fundamentos constelem eficazmente na sua poesia. A vice-versa é também evidentemente verdadeira – e só o preconceito pode negá-lo.

 
À sombra do «sentido comum» não pode dividir-se o mundo exactamente em oposições irreconciliáveis, claro e escuro, obscuro e transparente, esquecendo a existência de um «terceiro incluído». Aliás ver o mundo ou a poesia a preto e branco suscita uma arreigada e paradoxal re-colagem a um dos dogmas que o modernismo herdou do positivismo: o do progresso das formas. Não se me afigura possível apelar à necessidade dum retorno à tradição, à referencialidade, ao discursivo – contra uma feição “hermética”, anti-discursiva – sem apelar ao indesculpável socorro do positivismo. O que rói a coisa pela base.
Esta época é simultaneamente a mais rica e a mais perigosa: acabaram-se os modelos e o homem ou cresce ou avilta-se. É um momento ímpar que não admite nem preconceitos nem álibis. Coragem, hoje cada um pode chegar sem intermediários aquilo que é. Tem um lado negro: um biltre pode chegar mais facilmente aquilo que é e os biltres são como os chineses, não param de nascer.

 
Admite-se que quando se fala de poesia se enuncia um espectro amplo de técnicas e disposições literárias. Que há um arsenal de tropos e ritmos já sancionados, codificados, à mão. E contudo que equívoco abarcar sob a mesma designação as flâmulas de David Mourão Ferreira, Herberto Helder e Adília Lopes, por exemplo. E não são diferenças de qualidade, de identidade ou de locução, mas de estados, de “reinos”, apesar da candura de quem apenas denota aí uma mera manifestação da diversidade da poesia. Parece-me que é disso que convém falar.
As sociedades hodiernas não gozam de um qualquer núcleo ou centro determinado que produza identidades fixas, verificou-se um deslocamento de centros. Mais: vivemos num caldo pós-cultural, embaraçados pelo facto desconcertante do inegável progresso tecnológico mostrar-se afinal incapaz de produzir uma “representação do mundo”.
O que era até aqui a cultura? O “aparato com que se organizavam respostas”. Ora, a indeterminação tornou-se a rede onde nos aconchegamos para a sesta. Não creio que para a literatura tenha sido diferente e se é hoje nítida uma morfologia clivosa na comunidade literária a isto se deve: estamos face a distintíssimas manifestações com uma aparente comum origem mas que visam meios, objectivos e “realidades” muito diversos. Convém falar disso.
E convém ao poeta deixar de comportar-se como um invisual que necessita da bengala hermenêutica de um cão-guia para atravessar a rua. Até porque se assiste à voga duma grande abstracção que obnubila a leitura das obras pela pauta própria, atraindo-as a uma “fast aesthetic” que trincha indiferenciadamente sem atender aos veios onde a carne se separa dos ossos.

 

Mas atalhemos pelo que se enuncia no primeiro parágrafo do texto antes de ser vítima do “sofisma do espinafre” - que consiste, como se sabe, em apresentar uma hipótese e depois esquecê-la completamente na sequência do raciocínio.
Para começar, creio que a língua da poesia não pode ser a habitual, assim como na guerra o homem não é o homem habitual. O poeta brasileiro Manuel de Barros di-lo esplendidamente num pequeno poema: «Passarinho desapareceu de cantar/ é um verso de Guimarães Rosa/ Passarinho deixou de cantar/ é uma informação...» (cito de memória).
Depois, quero lembrar dívidas. Devemos a Baudelaire e a Rimbaud – que o devem por sua vez a Blake, Shelley, a Novalis...- uma exigência imperiosa que alçou a poesia-divertimento a uma poesia-do-ser e a um meio de conhecimento tão convincente como as demandas metafísicas ou construtivista. Que quer isto dizer?
Demos um passo atrás para convocar os Rishis, poetas do Rig-Veda: estes possuíam o sentimento de cantarem os segredos do universo e intuíam a unidade suprema de tudo. Hoje o saber está atomizado e passou-se do realismo científico às ciências da irrealidade, no sentido em que a Realidade última se tornou inacessível. A ciência esbarra numa espécie de não-referente absoluto.
Sem referente identificável, apenas se captam as interacções – uma rede de interacções no vazio.
O que é fascinante é que esta rede de interacções dissolve as categorias e hierarquias tradicionais – entre homem e natureza, real e imaginário, sonho e vigília, alto e baixo, etc. – e promove o deslocamento incessante e as metáforas, na medida em que nesta realidade subitânea e esponjiforme, crivada de buracos, cabe à linguagem (poética) aludir àquilo que escapa às denominações correntes e alargar o âmbito dos possíveis.
É neste contexto que entendo John Ashbery quando sublinha que o trabalho do poema consiste em fazer deslizar o leitor e a leitura para «fora-de-toda-a imagem», criando um espaço de linguagem ela-mesmo periférica ao seu tema.
Proposta notável que ergue o poema contra a reificação, contra o conjunto de procedimentos rotineiros. Este “fora-de-toda-a-imagem” é um ver de outra maneira, um novo baptismo que resgasta o mundo da condição de signo que o emudeceu.
E esta deambulação, nesta alba do século XXI, inesperada e inexoravelmente aproxima-nos da estética taoísta. Lembremos que ao indivíduo a pintura chinesa, coreana ou japonesa, prefere figurar a paisagem e revelar, pela dinâmica do representado, o profundo modo de ser da natureza, a sua lei interna. Na verdade o que vive – tanto na pedra como no junco ou no homem: indiferenciação que choca o cristianismo – é o “ritmo vital”, ou “chi”, a energia vibratória que subsiste em tudo.
O artista captura a tensão própria e característica de cada coisa no momento de interacção em que as encontra. É uma captura “fora-de-toda-a-imagem” a que a sua gramática perceptiva o habilitara, é um novo baptismo que resgata os objectos do mundo da sua condição de signo emudecido.
Para a pintura taoísta, e idem para a poesia chinesa, é, posto isto, inerente uma “correspondência mágica” entre representação e natureza (basicamente, se o pintor tiver captado o “chi” do que retratou), o que se ilustra na seguinte história: o grande mestre Wu Tao-Tzu pintou uma vasta paisagem mural no palácio; o imperador estava fascinado. Então o pintor deu uma palmada na pintura e abriu-se uma caverna - o mestre entrou na sua pintura e nunca mais voltou a ser visto.
Entretanto, salvaguardemo-nos de antemão de qualquer lastro de “sobrenaturalidade”, pois este é um dos campos em que aquilo que parece não é. Há é uma inelutável vida concreta onde as coisas não se esclarecem por situação e oposição irredutíveis, como acontece no pensamento ocidental, mas de forma relacional e participada, numa fluidez transversal a vários níveis da realidade.
Quando conflui na transversalidade a poesia suplanta «os géneros», o savoir-faire, e erige-se como o resultado dum ascético processo de transformação interior que permite vislumbrar o imperceptível no visível, o sagrado no profano, a sobrenaturalidade na natureza: «o conhecimento poético é o conhecimento poético do terceiro secretamente incluído» (Basarab-Nicolescu).
Para mim, neste contexto, David Mourão-Ferreira ou Adília Lopes, ou Nuno Júdice são poetas que trabalham o ou no interior de «géneros», o que não invalida a qualidade que os assiste, enquanto Vicente Franz Cecim ou Herberto pertencem a uma outra linhagem que visa além dos géneros. Para nos reportarmos ao cinema, De Palma ou Sidney Pollack trabalham a partir dos géneros, enquanto Tarkovsky é de «outro reino» - diverso. E não creio que os possamos ler a partir da mesma grelha.

O que me espanta é que em 61 João Gaspar Simões não havia entendido isto e hoje volta a não entender-se.

Numa das suas vias fecundas o poema moderno começou por ser um lugar de contaminação entre poesia e prosa e deveio uma cartografia do «exterior», à sombra do qual poesia e sageza armam uma oportunidade onde as categorias associadas à convenção literária deixam de ser relevantes.
Pode haver poetas de aparente “navegação à cabotagem”, mais apegados à referencialidade vivencial (o que quer que isto queira dizer), à tradição (o que quer que isto queira abarcar) que atinjam o voo da gnoseologia? Claro: os que não submetem a poesia a sufrágio dos salões nem a inquinam num repertório, e usam os ritmos da tradição como plasticidade. Pere Gimferrer ou Brodsky são grande poetas nessa via, entre outras, nobre.

 
Max Weber teve o mérito de nos prevenir quanto à possibilidade da nossa civilização ser apenas um atributo da “burocratização a vir”.
Investida a que não está imune a linguagem.
A burocratização inunda a comunicação quando prescreve o sentido único, o gradual emudecimento das palavras, furtando a linguagem ao diálogo que a ventila. Quando lemos, num poeta que tantas vezes nos merece a estima, Nuno Júdice:
 
«Quando vou buscar o pão, de manhã,
sei pelo fumo se há pão ou não há;
e vou sempre, com fumo ou sem ele.
Sabe-se lá se algum pão ficou es-
quecido da fornada de ontem; ou
se o padeiro se lembrou – e mo guardou.
A padaria fica ali em baixo, à esquina,
e havia lá dantes uma menina
que todos cobiçavam – porque se ria.
Ainda hoje, ninguém sabe do que se ria
essa menina que morava na padaria;
ou se ao menos era séria – ou não seria?
E quando ponho o saco sobre o balcão
insisto sempre para que contem o pão.»
 
Sources/ Cahier nº10, 1992

constatamos que o poema surde de um campo fechado; é explícito que nele triunfou a práxis. O verso está morto assim que é lido. Não há salvaguarda: nem do poema, nem do poeta, nem do leitor. Podemos lê-lo já em luto, a reificação está concluída. O que não invalida vias fecundas na obra do poeta, que muitas se situa a outro nível, mas permite interrogar o que o levou a afrouxar a vigilância publicando esta “imitação de poema”. Talvez a ocasião e o seu desnorte de valores.
(Será preciso explicar que isto nada tem de “pessoal”, que bem entendido só desejo mostrar os riscos de um poeta se considerar içado, de uma vez por todas, pelas suas celebridade e influência, a um patamar acima da [auto-]crítica? Será preciso explicar que depois deste “descuido” de N.J. já gostei muito ou desgostei de outras coisas do autor, como será normal?)

Entre os dogons todas as palavras são classificadas e repartem-se em 2 séries de 24, sendo 24 o número chave do universo. Porquê? Porque existem 24 níveis de significação distinta “do lado” de Nommo, o representante do bem, e 24 “do lado” do seu irmão gémeo e antagonista, Renard, que semeou a desordem no universo. Quer isto dizer que qualquer formulação, entre os Dogons tem uma pluralidade de sentidos, leituras e contextos. E manifesta uma percepção da realidade polifónica. Mas isto é entre os primitivos. Os cosmopolitas e civilizados poetas portugueses despacham tudo num só tiro – é mais económico e não exige tradução simultânea.


E nesta desistência prepara-se o terreno para uma deslocação grave: a gradual obstrução do papel do receptor na poesia.
Ora, já Barthes, em S/Z, frisava que interpretar um texto não é dar-lhe um sentido mas sim, pelo contrário, apreciar nele, o plural de que está feito. O que Ted Hughes corrobora: “ A arte da escrita consiste exactamente em fazer com que a imaginação do leitor actue”.
Quando a linguagem adopta uma postura declarativa – ainda que acicatada pelo fingimento – as facetas do jogo são exclusivamente manuseadas pelo croupier. Como na batota, ou numa declaração de guerra, ninguém lerá o naipe ou o poema de outra forma – o intérprete foi removido.
Permita-se-me a ingenuidade, continuo a acreditar que a obra literária ilumina e relança a nossa interioridade (uma dobra em eterno recomeço, sempre que o contexto devém conteúdo), a nossa profundidade, e no-la faz consciente. Lendo conhecemo-mos, à luz do autor ou da obra; e conhecendo-nos podemos passar à acção ou correcção próprias.  Não vejo pois necessidade em ferir esta regra de ouro, bem caracterizada por Juan Carlos Fernández Serrato, no seu prefácio a uma antologia de Jenaro Talens: «(...) não há leitores, mas sim leituras. Não pode haver ‘comunicação directa’ inocente entre dois eus, pois o texto é o espaço que se constrói e desconstrói a cada leitura».

 
Os iroqueses acertaram na mouche quando diziam que os brancos tinham a língua dividida. Os brancos lusos, na planura dos anos 70, montados nas selas estruturalistas, ao separar as relações de força de ordem textual das relações de ordem biográfica, ou espiritual, ou sexual, ou económicas, ensandeciam alegremente.
Os poetas idem, pareciam ter interiorizado a pulsão heteronímica de Pessoa. Um bom poeta podia ser um melhor filho da puta como gestor de uma instituição pública, como advogado, ou professor. Uma coisa nada tinha a ver com outra. Podia-se ser um virtuoso como poeta e estar destituído de carácter como homem.
Compreende-se que a dado momento se tenha tornado necessário salvar a poesia do império dos signos, dar-lhe algum hálito, braguilha, um grão de voz, passajar de novo o colarinho com o peso dos referentes. Era preciso voltar às coisas simples: o corpo, a partilha, o desejo; os signos bolsavam os seus próprios emergentes. Empirismo, precisa-se! – um slogan plausível, à saída dos anos 70. Joaquim Manuel Magalhães foi muito útil nesse papel de bombeiro.
Hoje, é visível que se saía de uma paranóia para entrar noutra e morre-se da cura, de um “sentido comum” calibrado em ressonâncias empáticas, que arvora ditames com aspirações universais.
O informulado enigma é que o “sentido comum” se constrói, está à nossa frente, e afigura-se-me implausível querê-lo deslocá-lo para a nossa retaguarda, para uma suposta fonte. Este “sentido comum” labora um equívoco do mesmo grau que a instauração de “uma idade de ouro” entre os românticos.  E este passo em falso, que tende a querer passar por dominante entre os defensores da “nova austeridade”, nem teria mal se não me remetesse de imediato para a doutrina do poder monárquico como “política católica” quando era nuclear o conceito de “bem comum”. Ora a aprendizagem da História traz-me à lembrança que na corte de Luis XV era um privilégio exclusivo dos nobres o poder atravessar os quartos na diagonal.
Permitam-me que como filho de operário reaja.

 
E quanto ao “puro em arte”, ao “primado do referencial”, ao suposto atafulhamento da obra “representacionista” por símbolos ou metáforas, não tem mal ler-se Nelson Goodman ( “Modo de Fazer Mundos”, pág- 103-119, na edição portuguesa da Asa) e perceber que sobre estas questões prevalecem os males-entendido. Talvez haja, isso si, e disso não se fala, dimensões exotéricas e esotéricas da arte que condicionam o seu “fazer mundo”. Não se queira entretanto tolher o papel às funções e com um furor excludente abolir a interpretação, o outro, o leitor – esse hipócrita, nosso irmão. Uma pedra é uma pedra é uma pedra, jura-se hoje muito, na mais cândida ternura, como na estratégia voyeurista dos pornógrafos renascentistas,  mas a jura é retórica, não se experimenta a pedra no toutiço.



Sublinhe-se: as superfícies podem ser observadas mas a experiência da profundidade, o seu timbre, é pessoal e intransmissível, tem de ser colhida e interpretada por cada um.
Como é que se vai de um extremo a outro sem ter aprendido nada? A razão é simples: para a poesia não basta a aprendizagem, é preciso também a viagem.
Aconteceu na poesia o mesmo que nas artes plásticas dos anos noventa - os mais velhos convenceram os mais novos que a pintura estava acabada enquanto eles regressavam aos cavaletes; e entretanto os mais novos emaranharam-se no beco de um neo-conceptualismo tardio; ou seja, seguiram os passos das “escolas” que as tutelas lhes abriram, esquecendo a necessidade de uma viagem própria, interior e exterior, que momentaneamente os “enlouquecesse na língua”. Ficaram desempregados por dentro e por fora.
Agora, evidentemente, o problema do estilo não é puramente estético mas político pois todo o estilo é inseparável de uma prática.
E, neste âmbito, um dos mais lamentáveis parágrafos que lemos nos últimos anos foi o da tentativa de esgana à nascença de Gonçalo M. Tavares, por Joaquim Manuel Magalhães. O que pensamos ou não sobre o que escreve Gonçalo M. Tavares é outra coisa, refiro-me ao exercício da degola, em nome do que «deve ser», dum retorno ao redil.
Aliás tem caracterizado o peta de Uma Luz com um Toldo Vermelho um azedume a que não se reconhece sentido: quantos são os que não lhe beijam a mão? Quantos não tremem ao seu juízo? A mim lembra-me o Pai Eterno do Junqueiro, só que em escanhoado.
Gonçalo não precisa de guarda-costas (e não pode ter-se projectado tanto sendo tolo) e deixa mais desamparado o gesto inexplicável do grande poeta; que se calhar um dia se retractará, como o fez nesse bizarro artigo a propósito de outros que terá, em pretéritos congelados, incensado.
O bizarro é que esta intransigência é um traço bem moderno. Bruno Latour põe os pontos nos is: quando éramos todos modernos não se exibia traço de diplomacia, pois considerava-se que os outros (ou de modo lado, as outras culturas) viviam na confusão dos factos e dos valores e não separavam as suas representações do mundo subjectivo, mítico, do que o mundo, o único mundo capaz, o mundo unificado pela ciência, a tecnologia e a economia, permitiam conhecer. E por isso é normal que JMM, qual capitão Cook, bombardeie algumas ilhotas selvagens, o que, hélas, não acontece por ruindade mas por pedagogia.
Estranhos vícios modernos para quem bule pelo imperativo da tradição, ao ponto de sagrar Fui ao Pico e Piquei-me como o melhor livro de Vitorino Nemésio.
Nada disto importa, é um vago postigo do tempo.

 
 
Como se viu no poema de Nuno Júdice, é visível nos últimos quinze anos uma espécie de descompressão que levou a abrandar o nível da vigilância sobre a escrita, mas julgo que isso se tornou transversal às gerações e a poetas e críticos.
O ideal era pauta teórica e objecto estético voltarem ser tecidos passíveis de interagir, como instrumentos musicais de diferente timbre. Estamos longe dessa prática descoberta com o papiro de Dervêni – livro órfico contemporâneo de Platão – onde é sugerido de forma muito nítida que a escritura de Orfeu operava em delta: a sua palavra intensificava-se na exegese. Como em França o fez melhor que ninguém Blanchot, ou em Espanha José Bergamin, e cá se pressente em Silvina Rodrigues Lopes e em alguns textos de Joaquim Manuel Magalhães. Será isso possível nos jornais? Os «livros de correspondência» entre Abel Barros Baptista e os seus interlocutores dilectos, Gustavo Robim e Luísa Costa Gomes faz-me crer que sim.
É possível ter a ousadia de dialogar.
Por que não obrigar os jornais a aceitar que sobre o mesmo livro se devem pronunciar duas vozes, de distintas idades, gerações e tons?

 

Do ponto de vista das formas, o conflito entre o novo e o antigo perdeu o estribo da História mas tal não permite sustentar que o comboio não está em marcha: “o que é oportuno não é atacar indiscriminadamente a auto-reflexão da modernidade pelas costas mas procurar entender os seus pontos-cegos, as suas hipotecas e patologias”, lembra Peter Sloterdijk. Auto-reflexão: revisite- se!
Agora, o que nunca será desculpável é a euforia de Arnold Schoenberg ao proclamar a invenção da composição dodecafónica como a inovação que permitiria “assegurar o predomínio da música alemã nos próximos séculos”. Como se pode preterir o humano à nação? Schoenberg não se alegrou por haver alargado o âmbito da expressividade e o campo da liberdade humana – mas por ter dotado a Alemanha de mais uma arma. Igualmente nunca entenderei o sacrifício dos poetas à sua geração, à ânsia de poder, à mesquinhez dos bares e corredores onde se executam políticas e se jogam influências literárias, numa deleitável mundanidade.

 

A crítica, antes da dominação do mercado (que vive da lógica de reconhecimento e valoriza o “dentro-de-todas-as-imagens”), podia ser uma decisória marca de humildade. Ainda não se escrevia maioritariamente sobre os livros mas com os livros. O mercado e as suas valências trouxeram novos instrumentos de autonomia do crítico: a meta agora é produzir o cânone. Quem, na escolha derradeira, prefere encarnar Sancho Pança – mesmo que na versão de Rei dos Lagartos?
E a questão coloca-se: pode hoje a crítica ser uma moral – um antídoto apontado à venalidade que tende a instalar-se no seio da literatura? O que é a venalidade? O álibi da empatia como estratégia paroquial. Não a empatia mas a sua simulação tacitamente arvorada em legitimidade. Num país tão pequeno é difícil fugir ao genuíno impulso da empatia, mas forçá-la é pervertê-la.
Em princípio a crítica devia ser exercida por quem tem experiência de trabalho criativo e está apto a distinguir uma aporia dum engasgue, mas nem sempre é assim, pelo que convém hoje ao poeta que a poesia volte a ser uma “actividade” (energeia) que exceda os sistemas de representação ou os espasmo processual - o que exige ser menos dependente da bengala hermenêutica alheia e uma superação da basilar heteronomia do raciocínio.





Pelo meio lembra Rafael Argullol: «a atitude racionalista não resolve a questão da peculiar sensibilidade do poeta nem tão pouco a das circunstância em que a partir dessa sensibilidade aflora a possibilidade da criação. Não resolve o problema do “estado distinto” que é próprio do poeta ou, ao menos, no qual se some transitoriamente».

 
 
Apetece terminar com o excerto dum texto de Jean-Michel Maulpoix, editado na revista «Furor» (Géneve, Outubro 2000): « Face à ce déficit d’une écriture critique qui serait capable d’appréhender “l’extrême contemporain” et de le confronter à sa mémoire aussi bien qu’à son amnésie, je réaffirme la necessité du lyrisme critique, c’est à dire du geste réflexif inhérent à l’écriture même, telle qu’ elle invente, analyse et réfracte. La critique trouve refuge là où elle prende naissance: dans l’incessante relecture que fait l’écrivain de ce texte qu’il devient, dans cette surveillance où il tient ses abandons, ses impulsions ou ses impuissances.
J’entends aussi bien par “lyrisme critique” l’état auquel la poésie parvient, quand elle a pris conscience que l’heure n’est plus à la révolution de nouvelles formes, mais refuse à ceder à la tentation du bricolage posmoderne, pour se rendre suprêmement attentive aux éclats de sa voix e mesurer objectivement les forces qui la mobilisent ou l’étranglent.
Le dernier critique, tel pourrait être le poème, en ce soin qu’il continue de prendre de la langue: scène et souci, timbre e tenue, accident et contenance».

 

 

 

FÁBULA DA VELA E DO GUARDA-CHUVA

                                                              Rubens. Queres bacela?

A minha mulher abana-me o tronco e caio maduro da árvore da sesta.
- António, acorda, acorda… Fundiram-se as lâmpadas da cozinha. Como é que cozinho?
Miro-a do fundo mais gelatinoso dos meus olhos e vejo o seu típico ar de desconcerto, quando um camião lhe atropela o carrinho das compras.
- Manda comprar velas à tasca do beco… - sugiro estremunhado e viro-me para o outro lado.
- Já as mandei embora… elas (refere-se às empregadas) também têm Natal… - contrapõe.
Olho pela janela, escurece. Será que o tipo da tasca também tem Natal? Começo a ver a minha açorda de camarão (o meu pedido para acompanhar o bacalhau) por um canudo. Resolvo ir então ao mercado Mandela, na outra ponta do quarteirão, sondar os vendedores ambulantes.
Desço à rua no elevador ronceiro e nimbado por uma luz bruxuleante, que tosse, tosse.
Na rua caiu a noite, de sopetão. Tenho de habituar os olhos ao breu.
Dobro a esquina e vou de vendedor em vendedor, tens velas? Nada, niente. Estaco na banca de um vendedor de lanternas (maldigo-me, por que raio não trouxe dinheiro suficiente dinheiro comigo, e censuro-me, idiota) e de material eléctrico. Pelo sim pelo não, arranjo coragem para perguntar:
- E para o vovô, tens velas?
- Eu não, lá… - e faz com a mão o gesto de quem dobra a esquina sul do mercado – espera… vem comigo…
Conduz-me naquele labirinto descendente de penumbras e de mercadorias foscas e damos a curva, até que me aponta as costas de um vendedor:
- Ele tem velas…
Agradeço-lhe.
-Tem velas?
- Tem… - responde-me. E indica-mas com um dedo.
Um saco com seis velas compridas, espiroladas sobre si.
- Quanto é?
- Dez meticais cada.
- Ah… - replico -, como são seis, é cinquenta, a sexta é bacela*…
- Não posso, boss…
- Não podes? Jura…
- Juro pela minha mãe…
- Pela tua mãe… Mas tu és capaz de jurar em vão! – provoco.
- Juro por Deus! – arremata ele.
- Deus? Deus é um bocado aldrabão.
- Deus não mente, boss.
- Não mente? Então se ele vai ao teu ouvido e diz, Gosto muito de ti, e depois vai ao ouvido do presidente e diz, Gosto muito de ti… A um de vocês está a mentir…
- Deus não mente, boss! – ele não cede.
- Mente, vai aos ouvidos dos pobres e diz-lhes, Tu és Job e estás na provação mas eu sou o teu Deus… e mente… sabes porquê?
- Porquê? – pergunta o desconcertado vendedor de velas.
- Porque tu não te chamas Job. Como te chamas tu?
- Manhiça…
- Vês, para que quer Deus convencer-te que és Job?
- Job já tenho, boss… - responde-me ele, num sorriso matreiro.
- Tens razão, ficamos nos cinquenta?
- Nos sessenta, porque já vi que o boss é mais justo que Deus…
Fico sem resposta, pago-lhe as velas, e palmilho a subida, entre sombras, a cismar como Deus é o tipo mais velhaco que conheço, um velhaco cheio de humor e com um enorme guarda-chuva.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

CONVERSAS EM FAMÍLA 1/CABRITA & FREITAS LDA

            Diane Arbus: o olhar equidistante do tempo sobre nós, moi e monsieur Freitas

Há cinco anos escrevi três curtos ensaios dedicados à poesia e aos seus meandros. Como estava “fora de circuito” deixei-os na gaveta. O ano passado o Diogo Vaz Pinto da Língua Morta escreveu-me a perguntar se eu teria alguma coisa esboçada sobre esses temas e eu desencantei o Respiro, que ele publicou numa edição de 80 exemplares, em Novembro de 2011.
Aí dou azo ao que, entre amigos, eu chamo a “minha metafísica da cebola” (estão a ver o respeitinho que exalo na direcção de alguns olfactos refractários ao vegetarianismo!). Já lá chegaremos.
 
Telefone. Atendo. Ouço do outro lado: «Hoje soube que há pinguins em Maputo!» Corte abrupto da chamada, Grande Plano do meu rosto abismado.
Adiante. Voltemos atrás.

A revisão do texto, paciente, generosa, dedicada, devo-a ao Diogo e à Inês Dias.
Quase um ano depois, há um mês, saiu uma crítica do Manuel de Freitas ao meu curto ensaio no 2º número da revista Cão Celeste. Desconhecia-a de todo. A dez mil quilómetros o mapa astral é muito diferente e, juro pelo cão, como diria o Sócrates, que de nada soube.
Ninguém me avisou, nem amigos, nem o editor, o que achei triste, porque isso me pareceu um conspícuo luto antecipado diante de uma vera emanação teleológica. Há orlas para tudo, mas não para os meus amigos, pesarosos, que nem me estenderam o óbolo. 

De repente alguém me pergunta se eu podia facultar-lhe o Respiro, pois ficara com curiosidade devido, dizia, à crítica “precipitada e chico-esperta” do Manuel de Freitas, onde ele me “atacaria” parvamente – era a expressão usada no mail.
Fico então com a lebre atrás da orelha. Uma lebre é muito maior que qualquer pulga, mesmo de cão celeste, é até estranho como pode uma lebre esconder-se trás de uma pala tão pequena mas é verdade, a roedora não deixa o seu crédito por mãos alheias, e fica ali a cuscar, a surrar.

Peço que me enviem o PDF do texto mas como, estou a acabar algo com alguma urgência, deixo o texto do MF a marinar durante uma semana. Entretanto, a minha mulher, que é esperta como um alho e não alinha com os delírios e paranoias dos poetas, leu-o. Perguntei: - Choveu chamboco?* Ela retorque: - Ele discute ideias, não te “ataca”. - Melhor, digo-lhe eu, assim poderemos conversar.
Li ontem o texto, que se chama Quem tem Medo da Realidade?
Acho que a verdade se situa no meio, entre o que foi manifestado pela minha mulher e esse meu conhecido, pois há um ligeiro travo a má-fé (vê-se que o Manuel de Freitas abordou o texto previamente irritado), há argumentos na crítica que não passam de falácias e outros que são montados de um modo engenhoso e “batoteiro” (servindo-se inclusive de citações que desloca do seu contexto), e sobretudo, o que me desiludiu, de forma a que o argumento-chave do ensaio seja “ocultado” para se discutir aquilo que nele é acessório.
Nenhum leitor fica com a menor ideia do que falo em Respiro a partir da crítica do Manuel de Freitas.
Isto deixou-me aquém das espectativas, esperava dele outro nível. Não se pedia uma paráfrase, mas sim, visto que me criticava, que pelo menos o leitor pudesse perceber, através das informações dadas, aquilo que se critica e o fundamento da discórdia.

Isso não acontece, o leitor tem de confiar cegamente no juízo do Manuel que, altaneiro, régio, trunca e sentencia. Manuel fala do seu palanque para o seu público, àqueles que previamente já estão convencidos e já se prestam a confundir uma caixa de fósforos com um incêndio. Ou seja, é um texto auto-deslumbrado (defeito de que me acusa) e absolutamente confiado na perspectiva de que bastará o não-dito (daí a debilidade dos argumentos), um pequeno ademane seu, recriminatório, para tudo entrar nos eixos.
A crítica arranca mal com o Manuel a conceder-me a benesse de poder escrever na primeira pessoa. Admite que é um direito, apesar de tudo. Para, depois da devida citação, me acusar de «um certo auto-deslumbramento (estilístico, inclusive)». Ora, como não se precisa o que seja um auto-deslumbramento estilístico suponho que seja algo do tipo que encontramos aqui, neste poema dele:
«BUHSMILLS

Afinal, vou ter de recordar
outra crítica alheia ao lixo
dos jornais. Já quase saíra
do bar quando voltou atrás
e disse: “Você escreve mal,
mas é lindo”. Percebi
que não se referia ao meu corpo;
bebera certamente o bastante
para expulsar do coração
o desejo sequer de qualquer rosto.
(...)»

É extraordinário que seja o MF a começar uma crítica a acusar-me de auto- deslumbramento, como se ele fosse o lídimo representante de um princípio de impessoalidade. Será um prestigitador de mesa, convencido de que por artes hipnóticas já nos teremos esquecido totalmente do que ele escreveu e como o fez durante quinze anos, num “auto-centramento” “total”? Neste poema denota-se inclusive uma visão estática, ptolomaica, narcísica do sujeito, ainda que “mascarada” de ironia. Porquê ptolomaica? Repare-se como nele o trânsito do sujeito lírico para o empírico lhe confere sempre vantagem: a miúda mesmo quando não gosta dos poemas ou do ele escreve acha-o lindo. Apesar de turvada pela bebida, o que lhe impede a nitidez retiniana para o assombro físico, isso não lhe retira a capacidade para perceber como ele, irradiante, bate a inteligência em castelo, sendo merecedor de ser um eterno foco de atracção. Smart.
Não estou a ser sacana. Não tenho nada contra narcisos e auto-deslumbrados e dou-me já como o sócio número dois desse clube. Afinal, o Vitor Hugo não era um louco que pensava ser Victor Hugo, como gracejava Cocteau? Também eu, como o Freitas, não creio que possa escrever e reflectir a partir de outro cais para além do meu, da pele em que habito, da época que me coube viver. O problema está somente no que fazemos com isso e teremos de ser mais sérios se usamos os outros como imagens-ecrã.
Ora, faltou ao Manuel de Freitas acrescentar que eu começo por falar na primeira pessoa para depois me descentrar pela transindividualidade, um dos conceitos-chaves do ensaio. O que altera tudo.
Eu tomo como lema esta frase de Deleuze que já me serviu de epígrafe para um livro: «Escrever não é contar as lembranças, as viagens, os amores, os lutos, sonhos e fantasmas. Ninguém escreve com as suas neuroses. (...) A literatura só se afirma se descobre sob as aparentes pessoas a potência de um impessoal». Ainda que esta descolagem se engendre a partir do concreto, do quotidiano, do real.
E seria desonesto se dissesse que o Manuel de Freitas não tem um cento de belos poemas em que realiza esta mesma operação, o que o torna um excelente poeta. E por isso atrás meti em comas “auto-centramento” “total”.
Porém, foi menos correcto o Manuel ao dar de mim só um dos lados da moeda, quando no outro (imensamente maior, esta é uma moeda que se assemelha àqueles insectos cuja fêmea é três vezes maior que o macho) se processava a circulação para um desligamento dos meus (auto-) deslumbres.
É um argumento que, principalmente vindo dele, não cola, não lhe é natural. A não ser que tenha sido o primeiro recurso, à chico-esperto como acusava o meu conhecido.
Quanto ao primeiro argumento estamos conversados.

 Telefone. Atendo. Ouço do outro lado: «Tenho um rabo de elefante para vender…». Escuso-me: «Desculpe, para este natal já fechei o orçamento…».
Não entendo a seguir, esta passagem no texto: «(…) um quase asfixiante recurso a vários e heterodoxos apoios teóricos, que vão de Octavio Paz a Horia Badescu ou Valère Novarina». Porquê heterodoxos? Em relação a quem? E fossem heterodoxos – que tem? Não seria mais pertinente dilucidar se, afinal, se coadunam ou não com o que eu pretenderia arguir? E que terá hoje, em 2012, Paz de heterodoxo? Ken Wilber, um dos filósofos de que mais me socorro, nem é referido. Deve ser já um heterodoxo dos heterodoxos. MF a acusar-me de tiques heréticos? É estranho. Não será precisamente todo o realismo uma heterodoxia? Acaso o texto se sustentava em autores com que nunca se confrontou, tendo-o enervado isso?

Atalhemos pelo segundo argumento, um dos dois principais da sua crítica, que me deixou boquiaberto: o do meu «dualismo redutor».
A ideia tal como está montada na crítica até parece provar a minha suposta dualidade. Se não tivesse omitido certas coisas essenciais que diluem absolutamente o reparo. O que acho preocupante é que Freitas as tenha omitido. Com que intenção?
Eu creio que o MF simplesmente não compreendeu. É até um direito, não querer compreender. Não creio que ele tenha truncado argumentos maldosamente, montado qualquer artimanha no intuito de levar a água ao seu moinho. Não, o Manuel é boa gente! Simplesmente, se ao nascituro se quer explicar que existe um mundo lá fora do útero ele tende a não acreditar e escouceia como um danado. E ele tem todo o direito a não acreditar, que importância é que isso tem? Nenhuma, nem para ele, nem para nós.
Continuando. Umas páginas antes do exemplo que Freitas estampa para me chamar «dualista redutor», já lá iremos, eu contraponho à lógica bipolar do «terceiro excluído», a lógica quântica do «terceiro secretamente incluído». E explico:
«Nesta nova consciência diluem-se os pólos, desaparecem as dualidades.
Para quê insistir na exclusividade do Ártico ou do Antártico se do espaço se verificam regiões mais aprazíveis, de pura mestiçagem intelectual?
Metáfora ou metonímia? Preocupações de quem visa a divisão para reinar, pois afinal, como o manifesto e o latente nos sonhos, metáfora e metonímia não passam de taipais e janelas ansiosas por encaixar-se, de hemisférios que buscam a complementaridade do seu siamês. Como se verifica na poesia de Joseph Brodsky, por exemplo, onde tudo conflui.
O essencial, sublinha Camus, e nós concordamos, é não absolutizar nenhum nível de realidade.
Daí que, no essencial, seja irrelevante o debate (?) que teve lugar no seio da poesia portuguesa na última década.
O retorno a um predomínio da referencialidade resolveu impasses mas, acertadas as miras, não podemos abandonar a complexidade, não podemos confinar-nos a margens mais estreitas que as de Brecht que, como se sabe, eram permeáveis ao transbordo. A polarização é um engodo para incautos, pois em fases alternadas oscilamos entre um e outro campo, num transbordo mútuo.»
Repare-se primeiro no que sublinhei.
Do que falo aqui? Da coacção que durante dez anos, sob a batuta de Joaquim Manuel Magalhães e epígonos, inibiu o uso da metáfora e quis conduzir a poesia ao beco de “uma nova austeridade” para usar uma definição de António Guerreiro. Quanto à licitude do que aqui digo, discutiremos nos próximos postais.

Vamos primeiro tentar definir um dos argumentos basilares que Respiro tenta edificar (que pompa!):
«No livro do paraense João de Jesus Paes Loureiro sobre o imaginário da Amazónia, relata-se: “Há um mito Kaiapó que tipifica muito bem a ideia relacional entre dois mundos – o visível e o imaginal – que, na cultura amazónica em geral, estão imbricados numa convivência quotidiana e explicativa do mundo. Trata-se de um mito que revela uma concepção do universo.
Nele, o mundo é apresentado como se fosse composto de várias camadas que se superpõem, sendo que aquele no qual habitam os kaiapós teria sido descoberto por um caçador habitante  de  uma  camada  superior,  ao  cavar um  buraco  seguindo  um  tatu.  Os antepassados desceram então para esse puka (camada) descoberto através do buraco, utilizando um cordão de algodão. Nem todos tiveram coragem para descer; as fogueiras dos que ficaram na primeira camada superior são hoje visíveis como as estrelas no céu”. (   )
Na esfera ontológica também creio existir um mundo às camadas – os holóns [ diz Koestler que todo o organismo, toda a colectividade, a própria armadura psíquica estruturam-se  em  hólons.  Estes  são  entidades  com  cabeça  de Janus: pode ser vista como um todo em si mesma e simultaneamente, como uma parte de um todo maior] –  o que se repercute em relações diferentes com a  linguagem e o simbólico. Quando ocorre uma passagem de uma para outra camada ocorre uma conversão semiótica.
Este mecanismo de reversão detecta-se também no interior da linguagem e contamina os seus  procedimentos  processuais,  deixando  a  sua  lógica  de operar segundo um esquema linear, gramatical, que se duplica na representação  de um espaço - tempo  sucessivo,  para actuar segundo  intersecções, vizinhanças, constelações, fractalidades.
Julgamos localizar-se aqui a origem das disparidades que retalham o tecido da poesia   contemporânea: Herberto Helder, Ramos Rosa, Vicente Franz Cecim, Fiama  Hasse  Paes  Brandão,  Robert  Duncan,  Juan  Eduardo Cirlot, Pere Gimferrer, Ted Hughes, Antonio Gamoneda, Valerio Magrelli, Edmond  Jabés,  ou  Luís  Carlos  Patraquim,  não  navegam  na  mesma  balsa de António Pires Cabral, Vasco Graça Moura, Paolo Ruffilli, Felipe Benítez Reyes, Philip Larkin Juan Luis Panero, Manuel de Freitas ou Nelson Saúte (poetas de quem gosto e que admiro, não é disso de que se trata). Separa-os muito mais que uma mera diferença de estilos ou de estratégias de escrita – trata-se de uma topografia alterada por diferenças nos teodolitos.
Refira-se, de antemão, que não buscamos hierarquias de mérito, cavaleiros do graal, proxenetas do sublime. Não é nossa intenção dar suspensórios novos ao mito do génio romântico. Afinal, cada hólon é uma parte de uma entidade acima, um degrau para a humildade. Evocamos apenas o direito de declarar que somos condicionados por distintas gramáticas da percepção e pela sua concomitante, intrínseca, tradução.
Por outro lado, o cego nunca enfiará a agulha na linha e não se me afigura suportável durante muito tempo a suficiência com que atemos ao conforto de não ver, como se ao zero apenas se pudesse suceder o coágulo. 
A um nível (horizontal) habita-se no “género” e usamos a linguagem, estamos ainda no domínio da representação; noutro (vertical mas para dentro) habita-se (não em poeta) o susto da linguagem que nos torna partícipes na “realidade”, numa dinâmica processual que impele para lá da representação. É uma coisa que se “sofre”, e que não se pede ou de que se faça pose.
E cada um de nós passa por uma sucessão de diferentes níveis de consciência e de realidade concomitantes, itinerário que por vezes nos faz desembocar  em  portos  e  horizontes  muito  diferentes  do  que  almejávamos quando pegámos no leme.
Mas também isso justificará que hajam expressões que pertençam ao imaginal e outras ao imaginário, questão fulcral a desenvolver noutro ensaio. O que Gabriela Llansol ilumina, categórica, em Um Falcão no Punho: “Não há literatura. Quando se escreve só importa saber em que real se entra e se há técnica adequada para abrir caminho a outros”

Temo que, sem a leitura das outras 30 páginas, este naco de «auto-deslumbramento» não seja muito inteligível. Tentemos um resumo:
a) existem factores extra-literários (ah, outra heresia), mecanismos de propensão que nos modelizam, induzem, a percepção, a que com humor, chamo os teodolitos (- um instrumento óptico de medida utilizado na topografia, na geodésia e na agrimensura para realizar medidas de ângulos verticais e horizontais, usado em redes de triangulação);
b) esses teodolitos configuram a bacia hermenêutica em cujo perímetro nos movemos, e (na esteira de Ken Wilber) a este horizonte eu chamo holón;
c) na “travessia” de cada holón posicionamo-nos face ao “filme da realidade”, que nos aparece ora como uma metáfora a decifrar ora, de uma forma mais transparente e confiável, como emanação onde se instaura um discurso descritivo e referencial.
d) estes dois modos de ler e de interpretar a realidade não têm uma  coexistência pacífica e do seu conflito pode, paradoxalmente, resultar uma síntese;  
e) Esta síntese emerge do ponto da salamandra.
e) Chamo ponto da salamandra (é inestimável o contributo de MF à minha metafísica da cebola pois a sua tergiversação estratégica obriga-me a criar conceitos) ao momento em que as contradições se fundem e engendram um terceiro estado, de síntese.
Este esclarece-se se nos recordarmos de Heraclito. Para Heraclito, explica-nos Aristóteles, o oposto ou inimigo é útil, e das coisas diferentes nasce a mais bela harmonia; tudo se produz segundo a discórdia. O que torna operativa a imagem da salamandra: revivifica-se o que parecia pasto destinado a ser pasto das chamas, e o lagarto que se auto-engendra pelo fogo é singularmente novo porque as categorias com que sonda o real já são distintas.
No ponto da salamandra, por via dessa reconfiguração das nossas categorias, mudamos de holón, e alçamo-nos a um novo mapa conceptual que integra as anteriores oposições, que são agora complementaridades.
E assoma aí o sentimento de abrangência, de vinculação, que se tem quando se vê pela primeira vez o vale do alto da montanha. Aí há que voltar ao vale. Neste, irão despontar novas oposições…
O que equivale à resposta daquele monge budista a quem foi perguntado o que era a budeidade: «primeiro vemos o rio como rio, a montanha como montanha, a árvores como árvores, depois passamos a ver essas entidades como metáforas, como ilusões; enfim, voltamos a ver a árvore nas árvores, a montanha como montanha, o rio como rio». Porém, quando o monge volta ver a árvore como árvore não a vê exactamente como antes mas com um carácter de presença muitíssimo mais acentuado.
No meu pobre entendimento, nós flutuamos aflitivamente sobre a enxurrada deste devir permanente que é o nosso contacto com o real, o que se entroniza no modo literário e lhe dá as condições de possibilidade.
Tudo isto me parece, convenhamos, velho como as tradições, apenas retiro a literatura do campo exclusivo dos estudos literários para a ancorar no mesmo patamar em que a coloca Llansol.
Duas coisas decorrem daqui: 
A superação das polarizações sela uma reconfiguração ética que nos faz aceitar a complementaridade das derivas e os quesitos identitários, discursivos, estilísticos, que estes supõem.
O que me leva a encarar as gerações como meros granéis líquidos e secos – e esta é uma das coisas que me separa de MF, o que será explicitado no próximo postal – e a visar uma postura transgeracional.
Claro que isto só pode chatear a quem tanto pugnou pela identidade da sua geração. É legítimo o incómodo de Manuel, talvez menos a sua batota.
Podia ainda o Freitas, diante de tais hólons e salamandras e delírios anexos, evocar Heraclito e lembrar-me “os burros prefeririam a palha ao ouro…”, seria uma opinião que não me ofenderia, eu não tenho a ânsia de proselitismo que às vezes o parece moldar e não me passa pela cabeça exigir a ninguém que queira acreditar em cebolas.
Daí a chamar-me dualista é um mau passo, que já me parece abusivo, sobretudo pela forma como faz.

Vejamos contudo a frase de que Freitas se socorre:
«(…) há, no que toca ao modo como se relacionam com a linguagem, duas linhagens de poetas. Para uma família de poetas a linguagem é um instrumento auxiliar para criar objectos verbais  que se manifestam em declarações espirituais,   psicológicas ou políticas. Este tipo de poetas serve-se das palavras para expressar ou digladiar os seus conflitos e visões.
Existe por outro lado uma outra  prática  da  poesia  onde  a  linguagem  é em si mesma, um problema, um conflito já existente, uma dobra:»
e continuo adiante:
«Neste tipo de poesia o poder  da  palavra  germina  a  partir  do  seu  próprio fulcro, não traduz outra coisa; o poeta não se serve das palavras para traduzir uma “realidade” pré-existente, antes intui, como diz  Octávio  Paz,  o  autor  da hipótese em presença, que elas são o referente e são tão reais como as árvores, as  casas,  os  aviões  e  as  paixões. As palavras aqui não são signos que representam mas o concreto das coisas tal e qual de uma “outra” realidade.
Um poeta desta linhagem, Valère Novarina, chega ao extremo de afiançar que a palavra nos  é  mais  interior  que  todos  os  órgãos  internos.  E relata: o Bucha e o Estica estão sentados num banco de um jardim, de costas para um arbusto. Um carteirista introduz a mão por  entre  a  ramagem  e  tenta  tirar  a carteira  do  bolso  interior  do  casaco  do  Estica. Só que este, entretido  com  as suas  mãos  num  devaneio  patético,  toma  a  mão  do  ladrão  por  uma  das  suas, com todas as implicações que se enredam numa multiplicação das mãos. A genialidade do gag advém do dilema de que é tomado o Estica na escolha obrigatória de uma das mãos – visto que aparentemente tem três e só se lembra de ter tido duas. Qual das duas são as suas e qual é a que terá de dispensar, é a sua primeira interrogação, mas depois vem-lhe outra dúvida mais fecunda: e porque não ter três mãos?
E começa a olhar para a terceira mão com delícia, como algo que sempre lhe pertenceu naturalmente, ao ponto de ter tirado uma lima do bolso do casaco para lhe arranjar as unhas, para essa mão ficar como as outras.
E está a limar a unha quando o Bucha lhe bate na mão que se entrega a essa tarefa e o faz entender – porque o Gordo também não acha estranho que o Estica de repente tenha três mãos    que  o  mais  rico  dessa  mão  nova é  ser  diferente  das  outras.  E o Estica fica todo contente por poder ter uma terceira mão tão diferente.»

Portanto, eu armo o argumento a partir da hipótese de Paz para o levar àquilo que me interessa focar: «a terceira mão». E enfaticamente refiro que aceitar «a terceira mão» em nós corresponde a aceitar o estranho, condição a que chamo uma Graça (um termo dúbio e talvez infeliz, sobretudo para quem como eu se dá como não-cristão mas aqui fui influenciado por Simone Weil, uma senhora que me merece todo o respeito).     
Aliás todo o ensaio se organiza em torno do três, e o MF até me poderia alcunhar como o Trindade Cabrita - como não sei se ele tem humor, eu ajudo-o.

Contudo, importa frisar:
a)      A dualidade inicial do argumento converge para a «terceira mão», um rompimento com a lógica dual, um exterior ao dito;
b)      Quem lê o ensaio na totalidade e não fatiado, consoante nos convém, percebe que quando aqui se fala das duas linhagens de poetas falo do conflito interior a cada poeta, o que é explícito na seguinte passagem a que já aludi: «A polarização é um engodo para incautos, pois em fases alternadas oscilamos entre um e outro campo, num transbordo mútuo.

Por isso, quando MF contrapõe:
«Poderíamos começar por dizer que dois dos mais importantes livros de poesia recentemente publicados em Portugal (A Faca não Corta do Fogo, de Herberto Helder, e Raspar o Fundo da Gaveta e Enfunar uma Gávea, de António Barahona) são a prova perfeita de que um poeta consegue fundir na sua escrita – e num mesmo livro - essas duas linhagens supostamente antagónicas», apenas corrobora esta minha passagem: «Metáfora ou metonímia? Preocupações de quem visa a divisão para reinar, pois afinal, como o manifesto e o latente nos sonhos, metáfora e metonímia não passam de taipais e janelas ansiosas por encaixar-se, de hemisférios que buscam a complementaridade do seu siamês. Como se verifica na poesia de Joseph Brodsky, por exemplo, onde tudo conflui.»
O que, aliás, será melhor articulado no texto sobre Crítica e Gerações que é anterior a Respiro e que será o próximo postal desta série de Conversas em Família.
Portanto, nesta altura, a pergunta que se impõe é: se o Manuel de Freitas concorda comigo por que quererá demonstrar que de mim discorda?
Qual é o fito?
Bom, entreter-me-ei a fazer uma espécie de postais inspirados na crítica de MF, nos quais discutirei o que seja realismo, o problema das gerações, se existem ou não vozes poéticas que emergiram em blogues, preconceitos e categorias literárias, tudo coisas que nos façam não ter medo da realidade.

Telefone. Atendo. Dizem-me do outro lado: «o sr. está-me a dever duzentos meticais, desde que cá veio ao bar…». Terei de ir resolver isto. Até logo, Manuel.

* «chambocar» é o acto de bater com o cassetete nas nádegas, muito em voga nas esquadras moçambicanas