segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

EGIPTO (atchim) DE EGITO

Uma coisa assim comove. Por isso não tenciono ir ao Egipto, tenho medo de me enternecer. Vi-os na foz do Nilo Azul, no lago Tana, a rilhar o doente enquanto enviesadamente seguiam as balsas de papiro dos ilhéus que iam à cidade adquirir carvão, açúcar, fósforos. As balsas de papiro só aguentam 48 horas antes de ficarem moles. É um ver se te avias! Há dois mil anos que é assim: ternura e cuidado, um dreno aliviando do tórax os gases da alma.
A última vez que fui ao Egipto foi num belo romance de Cossery, sobre uma família de mandriões que dorme na bissectriz das pirâmides.
Agora Khamenei, o líder supremo iraniano, fez votos para que o Egipto se torne uma república islâmica. Bom, talvez mais uma inquisição monárquica, semelhante à que no Afeganistão implodiu os grandes Budas em Bamiya.
Neste caso, aplainam as pirâmides. Detritos idólatras. Para que precisa um país do turismo se tem Deus?
Percebo agora como foi profética a revisão ortográfica da língua portuguesa – nem tu, ó Vieira, te lembrarias desta! – ao retirar o p de Egipto. Eles passa-lhes ao lado a fonética, mas profecia é com eles! Em Egipto sentia-se uma erupção a meio, quando a língua batia no verso dos incisivos, algo que estriava o horizonte. Será Gizé no deserto, cochichava atrás da orelha a voz aguda. Egito é como um farolito que alguém afogou no tanque de um hotel rasca em Alexandria. Um farolito de peito liso. Nada que entusiasmasse Cavafy.
Fica-me a dúvida, os galgos afegãos constarão da ementa de alguma casa de pasto em Xangai?

1 comentário:

  1. No teu melhor, António! Cavafy só podia saborear o p (e não é salvo seja). O mais extraordinário é o Egito ser o país dos... egípcios. Ainda podes, portanto, sentir a tal "erupção a meio"...

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