domingo, 13 de fevereiro de 2011

O MUNDO BANHA-SE EM SANGUE/EDITH SODËRGRAN

Edith Sodërgran, finlandesa, nascida em S. Petersburgo (1892), e de língua sueca, é considerada como a mais importante poeta da Escandinávia e foi comparada com Rilke.
Morreu precocemente, com apenas 31 - de fome, privações e solidão.
«Poesia de loucos», disseram da sua poesia quando Edith estreou em livro. Bendita loucura.
Estas versões foram feitas a partir da tradução espanhola de Jesús Prado/ Visor, 1992, e só pretendem transmitir o transe que me tomou com a leitura do livro. Que consigam transmitir o entusiasmo é tudo a que almejo.



O MUNDO BANHA-SE EM SANGUE

O mundo banha-se em sangue porque Deus tinha de viver.
Para que a sua glória persistisse tinha de perecer tudo o mais.
Os homens não sabem como o eterno elanguesce,
que bebem os deuses para sustentar a sua força.
Deus quer uma nova criação. Quer reformar o mundo
                                        sob um signo mais claro.
Por isso cinge um cinturão de raios,
e exibe uma coroa de pontas flamejantes,
e envolve a terra em cegueira e noite.
Daí o seu olhar inclemente. E avançar apavorador
sobre aturdidos sentidos, como a vertigem que adoça
                      a boca do abismo.
Antes que os coros jubilosos irrompam em cantos de louvor
tudo se cala, como no bosque quando desponta o sol.


A DESPOSADA

O meu círculo é estrito e o anel dos meus pensamentos
cinge o meu dedo.
Algo incandesce no fundo de tudo quanto me é estranho,
como o ténue aroma no cálice de nenúfar.
No horto de meu pai deflagram milhares de maçãs,
redondas, desvendadas em si mesmas
como a minha tão indecisa vida:
conclusa, rotunda, túrgida, suave...singela.
Estrito é o meu círculo, e o anel dos meus pensamentos
cinge o meu dedo.


HÁ UMA VELA NA JANELA

Há uma vela na janela,
arde lentamente
- diz que alguém morreu ali.
Os abetos calam
talham uma senda que termina, brusca,
num cemitério envolto em bruma.
Um pássaro pia:
- Quem está ai?


ENXAME DE ESTRELAS

Estrelas ascendentes! Estrelas que se abraçam – noite bizantina!
As minhas mãos desvelam o rosto do tempo novo.
O tempo novo fita a terra: olhares fundentes.
Doce corre a loucura pelo coração humano.
Dourada loucura que abarca o umbral do homem com a paixão
                 de jovens videiras.
Os homens abrem as suas janelas a uma nova ânsia.
Os homens esquecem a terra para escutar a voz que canta no alto:
eis que as estrelas arrojam com mão audaz à terra o seu óbolo:
                  moedas tilintantes.
Uma estelar epidemia estende-se sobre a criação:
a nova enfermidade - a roda da fortuna.


QUE É A MINHA PÁTRIA...

Que é a minha pátria? Acaso, a longínqua Finlândia
pintalgada de estrelas? É-me igual.
Pedras baixas espojadas sobre margens planas.
Jazo no vosso granito gris como sobre uma evidência.
Tu, evidência, espargirás rosas e mais rosas sobre o meu caminho.
Eu sou a deidade que se aproxima com frente vitoriosa.
Sou a bendita vencedora do passado. 

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