quinta-feira, 27 de setembro de 2012

A ILHA EM PESO/ VIRGILIO PIÑERA

                                                     Virgilio e Fidel: ainda havia ilusões

Andava há dez anos para fazer esta tradução do cubano Virgilio Piñera.
Acabei-a nos intervalos de uma crise de malária, com a asperidade e os picos desse estado semi-febril.

É um dos poemas mais “brutais” do século, escrito por um homem que desafiou todas as convenções.

“No bien tuve la edad exigida para que el pensamiento se traduzca en algo más que soltar la baba y agitar los bracitos, me enteré de tres cosas lo bastante sucias como para no poderme lavar jamás de las mismas. Aprendí que era pobre, que era homosexual y que me gustaba el arte”, explica-se ele.

Considerado o grande dramaturgo cubano do século XX, aderiu à revolução mas a pouco e pouco foi sendo “purificado” das fileiras, reduzido à marginalização, com a sua actividade de editor restringida e a sua sobrevivencia como tradutor sujeita à condição de ter de apresentar um mínimo de seis páginas traduzidas por dia (veja-se a perversidade!).

Enfim, doenças de qualquer estado totalitário.

No fim da sua vida, refere Abilio Estévez: “Se sentía anacrónico, y prueba de ello es que la mayoría de sus proyectos de la última etapa se refieren a hombres convertidos en fantasmas que deambulan por una ciudad de seres vivientes, sin que los demás adviertan su presencia”.

Esta e outras traduções de Piñera sairão proximamente na Abysmo.

 

A ILHA EM PESO 

A maldita circunstância da água por todos os lados
prega-me a esta mesa de café.
Se não pensasse que a água me rodeia como um tumor
teria podido dormir à rédea solta.
Enquanto os rapazes se livravam das suas roupas para nadar
morriam doze pessoas asfixiadas num contentor.
Quando na madrugada, a mendiga roça as águas,
no preciso momento em que se banha um dos seus mamilos,
acostumo-me ao fedor do porto e
resigno-me à mesma mulher que masturba,
noite após noite, o soldado de turno,
escamando-lhe o sonho de ser peixe.
Uma chávena de café não consegue afastar a minha ideia fixa:
noutro tempo eu vivia como nos começos Adão.

O que trouxe a metamorfose?
A eterna miséria que é o acto de recordar.
Se Tu pudesses formar de novo aquelas combinações
devolvendo-me o país sem a água, havia
de bebê-la de um trago para cuspi-la ao céu.
Mas vi a música a subir pelas pernas, a templar as ancas,
vi o saracoteio das negras com copázios de rum equilibrados nas cabeças.
Há que saltar da cama com a firme convicção
de que os dentes, ladinos, te cresceram,
de que o coração te saltará pela boca.

Ainda flutua nos recifes o uniforme do marinheiro afogado.
Há que saltarmos da cama para achar a veia magna
do mar e dessangrá-la.
Pus-me à pesca, cato esponjas, frenético,
esses seres milagrosos que podem desalojar até à última gota de água
e viver secamente.
Esta noite chorei ao ser-me apresentada uma velhota
que viveu cento e oito anos rodeada de água por todos os lados.

Ah, morder, não deixar de morder, de arranhar!
As últimas instruções estão dadas.
O perfume de ananás suspende o voo do pássaro.
Os onze mulatos disputavam o fruto,
os onze mui viris mulatos em riste que finaram à beira da praia.
Dei as últimas instruções:
todos nus, já! Depois despi-me.
 
Cheguei quando davam um copo de aguardente à virgem bárbara
e libavam o chão com rum e os pés pareciam lanças,
justamente quando um corpo na cama podia parecer impúdico,
justamente no momento em que descrer em Deus é um ver se te avias.
Os primeiros acordes e a antiguidade deste mundo:
hieraticamente uma negra e uma branca e o líquido ao saltar.
Para pôr-me triste depilo as axilas.
Só neste país, desabonado de animais selvagens.
Penso nos airosos cavalos dos conquistadores cobrindo as éguas,
penso no desconhecido som do areíto
desaparecido para toda a eternidade,
ah só haverá vantagem se me esforçar e conseguir elucidar
o primeiro contacto carnal neste país, e o primeiro morto.
Como se põem sérios, quando o tímbale abre a dança!
O europeu, sisudo, lia e relia as meditações cartesianas.
O baile e a ilha rodeada de água por todos os lados:
penas de flamingos, espinhas de pargo, ramos
de manjerição, sementes de abacate.
A nova solenidade desta ilha.
País meu, tão jovem, que não te apuras!

Quem pode rir sobre esta pedra funerária onde se sacrificam galos?
A uma voz, sincronizados, os doce nanigos cravam os punhais.
Como a graviola, pode um coração ser trespassado sem ter farejado crime
- no entanto o belo ar afasta-se dos palmares.
Uma mão no três pode atrair a sinistra cor dos caimitos
mais lustrosos que os cromados ao sol
- no entanto o belo ar afasta-se dos palmares.
Fundisses tu os dedos na polpa e voltarias a crer na música.
A minha mãe foi picada por um lacrau durante a gravidez.

Quem há-de rir sobre a pedra funerária onde se decapitam galos?
Quem pode voltar atrás quando as clavas chocam?
Quem desdenha afogar-se na indefinível labareda flamejante?
Ao sangue adolescente bebemo-lo em polidas chícaras.
Agora não passa um tigre, apenas a sua descrição.

As brancas dentaduras perfurando a noite,
e também os famélicos dentes dos chinas esperando o pequeno-almoço,
depois da doutrina cristã.
Todavia pode esta gente salvar-se do céu,
pois, num resumo, ao compasso das aleluias
sacodem as donzelas, destramente, os falos dos homens.
A impetuosa onda invade o extenso salão das genuflexões.
Ninguém pensa em implorar, em agradecer, louvar, ou testemunhar.
A santidade desincha numa gargalhada.
Sejam os caóticos símbolos do amor os primeiros objectos que palpe,
afortunadamente desconhecemos a voluptuosidade e a carícia francesa,
desconhecemos o perfeito gozador e a mulher polvo,
desconhecemos os espelhos estratégicos,
não sabemos levar a sifílis com a repousada elegância de um cisne,
desconhecemos quanto prontamente nos prestaremos
a praticar essas mortais elegâncias.

Os corpos no misterioso chuvisco tropical,
no chuvisco diurno, no chuvisco nocturno, sempre na morrinha,
os corpos abrindo os seus milhões de pálpebras,
os corpos dominados pela luz, desdobram-se
ante o assassinato da pele,
os corpos, que devoram vagalhões de luz e reviram como girassóis de fogo
por cima das aguas estáticas,
os corpos, na água, como carvões murchos que remam até ao mar.

É a confusão, é o terror, é a abundância,
é a virgindade que começa a perder-se.
As mangueiras apodrecidas no leito do rio ofuscam-me a razão,
e escalo à árvore mais alta para cair como um fruto.
Nada poderia deter este corpo destinado aos cascos dos cavalos,
turbadamente colhido entre a poesia e o sol.

Escolto bravamente o coração trespassado
cravo o estilete mais aguçado na nuca dos dormentes.
Eruptivo, o trópico - o seu jacto encharca-me a cabeça
que choca duramente contra a crosta da noite.
A piedade original das areias auríferas
afoga num estampido as éguas espanholas
e a tromba desordena as crinas mais oblíquas.

Posso lá ver com estes olhos inchados.
Quem sabe olhar, apreciar, pôr a nu um corpo?
É a famosa confusão de uma mão no verde,
os estranguladores errando pelos bordos do arco-íris.
Como povoar de galanços o curso solitário do amor?


Demoro-me um pouco em certas palavras tradicionais:
o aguaceiro, a sesta, o canavial, o tabaco,
não mais que o tempo dum aceno, pelo fio da onomatopeia,
sou um titã e passo sem ligar peva ao som da sua música,
passo e digo: a água, o meio-dia, o açúcar, o fumo.


Às tantas misturo-as:
o aguaceiro açoita o lombo dos cavalos
e faz arder a sesta na cauda de um potro,
o canavial ruminando com vagar os cavalos,
os cavalos enovelando-se sigilosamente
na tenebrosa emanação do tabaco,
o último gesto dos Siboneyes enquanto o fumo

se enrosca na forquilha, en passant,
como a carroça da morte,
o último aceno dos Siboneyes, e cavo

cavo esta terra para encontrar os ídolos e contar-me uma história.

Os povos e as suas histórias na boca de todo o povo.

De imediato, enfia-se na boca
de um dos narradores o galeão carregado de ouro,
enquanto o desdentado Cadmo se põe a tocar o bongó.
A velha tristeza de Cadmo e o seu perdido prestígio:
numa ilha tropical os últimos glóbulos vermelhos de um dragão
tingem com imperial dignidade o manto de uma decadência.


As histórias eternas ou a história de um dia, debaixo do sol,
as eternas histórias destas terras parideiras de bufões e periquitos,
as sempiternas ladainhas dos negros que foram
e dos brancos que não foram,
ou ao contrário, como vos pareça melhor,
as eternas histórias brancas, negras, amarelas, roxas, azuis
- cisca toda uma gama cromática por cima da minha cabeça em chamas-,
mais a eterna história do cínico sorriso do europeu
chegado para apertar as tetas da minha mãe.


Por cima disto tudo o plácido flamingo - absolutamente.

Proibido sair, proibido sair!
A vida trapaceada e por cima a nata de rataria.
Não há como sair:
o mais pequeno tubarão recusaria dar boleia a um corpo intacto.
Proibido sair:
descarregam-se as uvas à frente da crioula
que se abanica lânguida numa cadeira de balanço,
e o "proibido sair" termina espantosamente no gemebundo choque púbico.


Cada homem devora fragmentos da sua ilha,
devora os frutos, as pedras e o excremento que nutre,
cada homem morde o sítio deixado pela sua sombra,
e dá dentadas no vazio onde o sol se amodorra,
cada homem, abrindo a boca em cisterna, embalsa a água do mar,
para como o cavalo do barão de Munchausen
descarregá-la pateticamente pelo seu quarto traseiro,
cada homem, no rancoroso trabalho de recortar
as serrilhas da ilha mais bela do mundo,
trata de pôr a andar a besta arraçada de piteiras.


Mas a besta é preguiçosa como um belo macho
e teimosa como uma fêvera primitiva.
Verdade é que a besta atravessa diariamente os quatro momentos caóticos,
os quatro momentos em que se pode contemplá-la
- com a cabeça metida entre as suas patas - escrutando

no horizonte com o seu olho atroz,
os quatro momentos em que se abre o câncer:
madrugada, meio-dia, crepúsculo e noite.


As primeiras gotas de uma chuva áspera golpeiam as suas costas
até que a pele tome a ressonância de duas maracas pulsadas destramente.
Neste momento, como um lençol ou como um pavilhão de tréguas,
poderia despregar-se um agradável mistério,
mas a avalancha de verdes luxuriosos afoga os sons orvalhados,
e a monotonia entorpece o envolvente túnel de folhas.


O rasto luminoso de um sonho mal parido
e começa um carnaval com o canto do galo,
cobre a neblina com a sua fria gabardina o escândalo nos lençóis,
cada palma derrama-se insolente num verde jogo de águas,
perfura, com um triângulo incandescente, o peito

dos primeros aguadores - e a coluna
de água lança os seus vapores à cara do sol
dia após dia remendada pelo galo.

É a hora madrasta.
Os devoradores de neblina estiolam-se
na parte mais baixa do pântano
e um caimão passa-os em revista, docemente, a pau.
É a hora mais madrasta.
Os últimos fogachos de luz em Yara
enterram os cavalos na lama.
Há lá hora mais madrasta.
Cai como um aerólito a espaventosa galinha

e todo mundo toma o seu café.

E que pode o sol diante dum povo tão triste?
Enroscam-se as faenas do dia ao pescoço dos homens
enquanto o leite cai desalmadamente.
Que pode o sol num lugarejo tão triste?
Com um luxo mortal os segadores abrem grandes clareiras no monte,
salta barrocamente a tristíssima iguana em canudos de sangue,
à medida que os segadores, introduzindo cargas de claridade,

se vão ensombrecendo, até se assemelharem
ao matiz de um subterrâneo egípcio.
Quem pode esperar clemência nesta hora?


Confusamente, um povo evade-se da sua própria pele
indo-se deitar com a claridade,
a fulminante droga que pode iniciar um sonho mortal
nos belos olhos de homens e mulheres,
nos imensos e tenebrosos olhos destas gentes
pelos quais a pele entra em não sei em que estranhos ritos.


A pele, a esta hora, estende-se como um recife
e morde a sua própria limitação,
e guincha como uma louca, a pele é uma porca cevada
que freneticamente tapa a sua claridade com pencas de palmitos,
com a folhagem trazida distraidamente pelo vento,
a pele tapa-se furiosamente com periquitos e pitahayas,
absurdamente se tapa com umbrias folhas de tabaco
e com restos de lendas cavernosas,
e quando a pele não é senão uma bola escura,
a espantosa galinha põe um ovo branquíssimo.


Há que tapar! Há que tapar!
Mas a avançada da claridade corrói, invade
perversamente, obliquamente, perpendicularmente,
ergue-se a claridade como uma enorme ventosa que chupa a sombra
enquanto as mãos tendem lentamente para os olhos.


Eis ditos os segredos mais inconfessáveis:
a claridade move as línguas,
a claridade move os braços,
a claridade precipita-se sobre uma fruteira de goiabas,
a claridade transborda sobre os negros e os brancos,
e golpeia-se a si mesma,
vai de um a outro lado convulsivamente,

começa a estalar, a importunar-se, a rachar-se,
inicia aí a claridade o seu alumbramento mais insidioso:
quando a claridade começa a parir claridade.
Enjoo, pelas doze do meio-dia.


Pode um povo, inteiro, morrer de luz como morrer de peste.
Ao meio-dia, povoa-se o monte de redes invisíveis,
e, deitados, os homens lembram folhas à deriva nas águas metálicas.
Quem a esta hora saberia pronunciar o nome mais querido,
ou levantar uma mão para acariciar um seio?
Nesta hora do câncer um estrangeiro chegado de praias remotas
perguntaria inutilmente pelos projectos que temos
ou por quantos homens sucumbem de enfermidades tropicais na ilha.
Ninguém o escutaria: as palmas das mãos voltadas para cima,
os ouvidos obturados pelo tampão da sonolência,
os poros tapados pela cera de um tédio elegante
e pela mortal deglutição das glórias passadas.


Onde encontrar neste céu sem nuvens o trovão
cujo estampido rache, de acima abaixo, o tímpano dormente?
Que concha paleolítica despedaçaria com o seu bronco corno
o tímpano dos adormecidos?
Os homens-conchas, os homens-macacos, os homens-túneis?
Povo meu, tão jovem, e incapaz de ordenar!
Povo meu, divinamente retórico, tão falho para o relato!
Como a luz e a infância ainda não tens um rosto.


De imediato, põe-se em marcha o meio-dia,
põe-se em marcha dentro de si mesmo,
move-se o meio-dia estático, balanceia-se,
o meio-dia iça-se, flatulento,
as suas costuras ameaçam rebentar,
o meio-dia sem cultura, sem gravidade, sem tragédia,
o meio-dia que se urina até acima,
aspergindo no sentido inverso ao da grande mijadela

de Gargantua nas torres de Notre Dame,
e todas essas histórias lidas por um ilhéu que não sabe
o que seja um cosmos decidido.


Mas o meio-dia soluciona-se no crepúsculo, perfilando-se o mundo.
À luz do crepúsculo a folha de yagruma ordena o seu veludo,
a sua cor prateada, do avesso, é o primeiro espelho.
Onde se fixa a besta com o seu olho atroz.
Só neste transe se dilata a pupila, expande-se
até ao extremo da folha.
Então a besta esquadrinha com o seu olho as formas semeadas no seu dorso
e os homens arremessados contra o seu peito.
É uma hora única para observar a realidade nesta terra.


Não uma mulher e um homem frente a frente,
mas sim o contorno de uma mulher e de um homem frente a frente
- entram ingrávidos no amor,
com tal ímpeto que Newton foge envergonhado.


Uma guiné grita fazendo soar a ave-maria:
abrus precatorious, anona myristica, anona palustris.


Ergue-se uma litania vegetal nunca entrevista
defronte aos arcos floridos do amor:
Eugenia aromática, eugenia fragrans, eugenia plicatula.
O paraíso e o inferno estalam e só fica a terra:
Ficus religiosa, ficus nitida, ficus suffocans.


A terra produzindo pelos séculos dos séculos:
Panicum colonum, panicum sanguinale, panicum maximum.
A lembrança duma poesia natural, não codificada, vem-me aos lábios:
Árvore de poeta, árvore do amor, árvore do siso.


Uma poesia exclusivamente da boca, como a saliva:
Flor da febre, flor de cera, flor de Y.


Uma poesia microscópica:
Lágrimas de Job, lágrimas de Júpiter, lágrimas de amor.


Mas a noite fecha-se sobre a poesia e as formas esfumam-se.
Nesta ilha assim que a noite cai o olfacto é o primeiro navio:
todas as aletas de todos os narizes surram o ar
buscando sinais da flor invisível;
a noite põe-se a moer milhares de  pétalas,
a noite enfeixa-se em paralelas e meridianos de cor,
os corpos encontram-se no cheiro,
reconhecem-se nessa fragrância única que a nossa noite sabe provocar;
o cheiro governa o baile, se aperta contra o güiro,
tresanda pela boca dos instrumentos musicais,
ata-se ao pé dos bailadores,
a roda dos presentes devora aquele aroma às pazadas,
abrem-se as portas e os pares somem-se na noite.


A noite é uma manga, é um abacaxi, é um jasmim,
a noite é uma árvore frente a outra árvore, transida, imóvel,
a noite é um insulto perfumado nas trombas da besta;
uma noite esterilizada, uma noite sem almas pesarosas,
sem memória ou história, uma noite antilhana;
uma noite interrompida pelo europeu,
o inevitável personagem de passagem que deixa a sua poia ilustre,
ímpar, quinhentos anos, um suspiro no rodar da noite antilhana,
uma excrescência vencida pelos aromas da noite antilhana.


Não importa que seja uma procissão, uma conga,
um comparsa, um desfile.
A noite invade, rescende, e o fito é um: quem fode sempre alcança.
A fragrância sabe arrancar as máscaras da civilização,
sabe que o homem e a mulher se encontrarão sem falta no bananal.


Musa paradisíaca, ampara os amantes!

Não há que ganhar o céu para o gozar,
dois corpos no bananal valem tanto como o par primordial,
esse odioso casalito que serviu para marcar a separação.
Musa paradisíaca, ampara aos amantes!


Trocamos as potências celestiais pelas presenças terrestres,
- que a terra nos ampare, e ampare o desejo -,
felizmente não levamos o céu na massa do sangue,
só sentimos a sua realidade física
pela comunicação da chuva que golpeia as nossas cabeças.


Debaixo de chuva, pela fímbria cheirosa, por sob tudo o que é uma realidade,
faz-se um povo e desfaz-se deixando os testemunhos:
um velório, uma festarola, uma mão, um crime,
revirados, confundidos, fundidos na ressaca perpétua,
trocando leves saudações, instruindo os seus dentes, martelando os seus rins,
um povo dirige-se para o mar em socalcos de esterco,
sentindo como a água o rodeia por todos os lados,
mais abaixo, mais abaixo, e o mar belisca-lhe as costas;
eis um povo que permanece junto da sua besta na hora de partir,
e uiva no mar, devorando frutas, sacrificando animais,
sempre mais abaixo, até calcular o inteiro peso da sua ilha;
o peso de uma ilha no amor de um povo.      


(1943)


                                                                lezama lima e piñera

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

«COMO NO SABE DE AMOR, PIENSA QUE TODO ES BURLAR»


 
Leio no Público de hoje:
«Os homens castrados que serviram os reis da Coreia ao longo de séculos viveram, em média, 14 a 19 anos mais do que os seus congéneres não castrados, conclui um estudo publicado ontem na revista Current Biology.
(…) Uma maneira de abordar a questão tem sido justamente através dos efeitos a longo prazo da castração masculina. Um estudo realizado na década de 1990, por exemplo, mostrou que a castração permitira prolongar em 14 anos a vida de doentes internados num hospital psiquiátrico quando comparados com os doentes não castrados. (…) Resultados deste tipo poderão permitir perceber melhor o envelhecimento humano, dizem os autores. Mas entretanto, acrescentam em comunicado, os homens não devem esquecer que, "para ter uma vida longa e saudável, convém evitar o stress e aprender o que podem junto das mulheres."
E tremo porque já estou a adivinhar o que vai ser vendido como nova panaceia social.
E em troca de 15 anos quantos infelizes não aceitarão o repto?
 
Prometheus, de Ridley Scott. Há muito que não via nada tão mau. Tanto desperdício de talento, de meios… o autor desbarata uma reputação que o secundava. Não se pode fazer isto e Blade Runner – ou pode-se, mas é lastimável. E para quê voltar ao Alien e à sua concepção macarrónica sobre o que seja o outro e a sua natureza. Esta coisa de “o outro” ser uma espécie de condensação do mal é uma infeliz herança gnóstica (o mundo como artefacto avariado de um mau demiurgo), mal assimilada e maniqueisticamente transmitida. À chegada ao planeta, assim que os cientistas fazem o seu primeiro meeting para se inteirar devidamente sobre os objectivos da missão percebemos logo que são adolescentes retardados e intelectualmente imaturos. Depois levam pela medida grossa – pelo meio divaga-se sobre a alma dos robots, e até se esboça um arremedo de Rei Lear. Não há paciência!
 

As fotos do Kok desapareceram. Ou sabe-se onde estão mas não se conhece qualquer plano para as divulgar, o que dá no mesmo. Imprudente foi também a intimação da família para que a pessoa que as estava a escanar – em baixa resolução, só para identificação futura – apagasse os seus arquivos. Tudo notícias tristes.
Por outro lado chega de imagens: a Kodak matou o mundo. É preciso redescobrir o implícito das imagens, o que se debilitou com a duplificação do objecto e, sobretudo, na maior parte das vezes, com a amputação, na figura, da rede de relações que a sustentava e animava.
Os grandes fotógrafos mantém vivo esse fio secreto, esse vínculo – os de todos os dias liquidam-no. A chatice é que o Kok pertencia claramente aos primeiros.

 
O ouro, o ultramar, o cinábrio,
belas cores que ainda brilham nos velhos manuscritos,
para além de se ter perdido o sentido do que ilustravam.
Ouvir um som de repente
e compreender que nenhuma palavra
detém o fluxo.

 
A poesia pura persegue o cristal da língua – sem dar conta que o desenho do cristal muda com a parte de tempo que lhe toca.

 
A parte do tempo que me toca vazou-me a manhã numas cólicas e numa diarreia que o Ferreira Gullar soube magnificar em verso. Eu não, sinto-me contagiado pelos sofríveis demónios de Ridley Scott. E tomado pela infelicidade deste intervalo (até a merda me sai abúlica, chilra) vou ver se acabo a leitura de O Duplo, de Dostoievski, alucinada antecipação kafkiana.

 
Abrir um livro ao acaso e deparar com esta exactidão, de Lope de Vega: «como no sabe de amor, piensa que todo es burlar».

 

 

 

        

 

 

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

AS CINZAS DE MARIA CALLAS, NO BRASIL



Nunca sabemos o suficiente sobre a matéria humana, se é apenas inflamável ou se é possível que por vezes não se corrompa e possa permitir a confiança.
Estou ainda em choque. Vou à procura de um livro ao site da livraria Leitura do Brasil, e resolvo depois averiguar se têm exemplares do meu romance, A Maldição de Ondina, e descubro acidentalmente que afinal tenho outro livro de ficção publicado no Brasil desde 2007, As Cinzas de Maria Callas, sem que eu soubesse de tal.
Tive conhecimento do projecto dessa editora, Llume, de publicar uma coleção com novos narradores portugueses, e inclusive lembro-me de ter indicado a Maria João Cantinho e o Gonçalo M. Tavares, que supostamente fariam parte dessa colecção. Sei que a mesma estava dependente de um concurso qualquer, e inclusive cheguei a ver as capas.
Depois o silêncio. Nenhum contrato, nenhuma notícia, nenhum exemplar.
Descubro agora que foi publicado o livro. Lá está a capa, a ficha, onde se lê que por 175 páginas se pede 49 reais, contra os 30 que custa A Maldição de Ondina, com 250 páginas.
É extraordinário, para não dizer mais. Porque é que só me caiem duques?   

terça-feira, 18 de setembro de 2012

CANTEIROS DE BERNARDO SOARES

                                                                           rui pimentel


 
Coitado do Bernardo Soares, que intercala silêncios e intervalos, e para quem «o verso é uma coisa intermédia, uma passagem da música para a prosa». Fui-lhe ao trompete e de relance em poucas páginas pesquei estes versos. Inaparentes, está claro:  

 


Uma gargalhada de criança deserta

fez de canário na atmosfera limpa

 

Ora as costas deste homem dormem.

Todo ele que caminha adiante de mim

com passada igual à minha, dorme.

 

A treva encarvoou-se de silêncio

 

O vento assobiava no intervalo do vento

 

Quando o estio entra entristeço

 

e não há mais que o grande silêncio sem

patos bravos que cai sobre os lagos

 

a solidez negra das árvores

que acenam verdes em cima

 

um negrume surdo calou-se sobre o ambiente.

E súbito, como um grito, um formidável dia estilhaçou-se

 

Não há de que haver arredores

 


segunda-feira, 17 de setembro de 2012

PALAVRAS SOB AMEAÇA



Roger Caillois estabelece uma diferença entre o maravilhoso e o fantástico que me agrada. Diz ele que o maravilhoso exclui o mistério, pois sendo tudo possível nesse regime narrativo o enigma não tem aí lugar. Pelo contrário o fantástico ocorre quando algo que não se deveria passar eclode, contra a plausibilidade.
Por um motivo semelhante sou bastante insensível à animação, que me enfastia de morte. O facto daí tudo ser possível mata o drama e, em mim, qualquer interesse. De igual modo permaneço indiferente à onda de filmes inspirada na Marvel ou em heróis da BD. O Spirit, por exemplo, foi das maiores chumbadas que vi na vida; espantosamente gráfico o filme desperta-me o mais acentuado bocejo. Dura cinco segundos a morte em Spirit, depois o corpo cospe-lhe as balas e sara-lhe as cicatrizes, e apanho-me a pensar no Sporting-Marítimo ou como sou (é de sempre) tacanhamente realista: sem conflito, sem obstáculos, sem risco, medo ou superação, enigma ou mistério, sou incapaz de retirar qualquer gosto de um filme. Por muito aparatosos e fantásticos que ache alguns dos filmes do Batman, por exemplo, só os olhos desfrutam, o coração fica-me seco, incapaz de despertar um grama de emoção, à parte de qualquer identificação. Se um drama bem arquitectado, com três, quatro personagens, arranca-me lágrimas, diante do Capitão América choro o dinheiro gasto em tamanha patetice. Nem o Spiderman, o meu favorito na adolescência, me escapa a este sentimento de ser póstumo ao cinema que amei.

 
Voltinha para esmoer o jantar pelas ruas arborizadas de Sommerschield, em cujas vivendas o poder económico da cidade campeia. É a Restelo da terra. É um regalo ver como metade dos guardas destas vivendonas, fardados, sentadinhos à porta de casa do patrão, cochilam. São personagens do Vale Fértil dos Mandriões, do Cossery, obedientes à ocupação de passar pelas brasas, no seu posto, até que o sol desponte. Paradoxos da Indústria da Segurança: instala, com a ajuda “desinteressada” da comunicação social, a paranóia numa cidade que, pelo menos no seu centro urbano, é relativamente tranquila, se comparada com as médias africanas, e depois dá rédea solta a um exército de sonâmbulos. E quem não se sente mais confortável com um donzel  adormecido a guardá-lo, um homem treinado, com cassetete, pistola e algemas, que só dos pesadelos tem medo?
No meu prédio, na Coop, bairro contíguo à Sommerschield, havia dois elevadores. Mas um foi roubado por inteiro: o motor, a caixa, os cabos. Desmontado por ladrões e levado peça a peça à vista dos cinco guardas do prédio. Garbosos guerreiros a quem a tsé-tsé diminuiu? Tivessem os académicos imaginação, e já de há muito os antropólogos teriam recolhido os sonhos destes guardiões timoratos.
Imagino o percurso: primeiro pastor, habituado a refugiar-se do leão em casa de caniço com porta de madeira; depois a cheia atira-o para a cidade onde um primo distante se apieda e lhe arranja uma cunha na firma de segurança onde a namorada é secretária. Seguem-se então os rudimentos de treino militar. Em poucos dias fica preparado para a sua vida na cidade. É-lhe confiada uma vivenda, são-lhe apresentados os seus distintos donos, que nunca lhe aprenderão o nome e lhe concedem um banco ou uma cadeira e plástico, de forma a que não fique toda a noite de pé. Ele agradece. Tendo já toda a gente da casa regressado, coloca-se de costas para a faustosa vivenda de que esporadicamente só conhecerá a copa, e sente a noite quente embeber-lhe as omoplatas enquanto lentamente uma côdea de sono lhe tira a barriga de misérias. 
Feliz a cidade a quem se pode chamar A Coleccionadora de Sonhos.
 

Do delicioso livro de Alberto Manguel, No Bosque do Espelho, comprado em saldo, em Maputo, por três euros, saco este trecho: “A mitologia pobre do nosso tempo parece ter medo de ir além da superfície. Desconfiamos da profundidade, rimos da reflexão dilatória. Imagens de horror passam rapidamente pelas nossas telas, grandes ou pequenas, contudo não queremos que a sua velocidade seja diminuida por comentários: queremos ver os olhos de Gloucester arrancados, mas sem ter de assistir ao resto de Rei Lear. Uma noite, há algum tempo, estava vendo televisão no quarto de um hotel, zapeando de canal em canal. Talvez por um acaso, cada imagem que ficava na tela por alguns segundos mostrava alguém sendo morto ou espancado, um rosto contorcido de agonia, um carro ou um prédio explodindo. De repente, dei-me conta de que uma das cenas pelas quais eu passara tão rapidamente não pertencia a uma série de ficção, e sim ao noticiário sobre a Bósnia. Entre outras imagens que diluíam cumulativamente o horror da violência, eu vira, sem me emocionar, uma pessoa de verdade sendo atingida por uma bala de verdade.”

 
Maputo, a de longas avenidas, como os dedos dela.
O Expresso pára próximo do Mimmos e de imediato retine em mim o apetite de um bife em sangue e uma caneca gelada.
Sento-me na cervejaria e o cansaço borbulha, começa a varar o corpo, a subir pelas pernas. Bebo a caneca em dois tragos e peço outra.
Na mesa da frente uma ruiva magra como um galgo, sofre a fustigação de uma negra, de grande envergadura, que lhe quer mostrar como fala bem a língua dela – o inglês – e lhe despeja à fraca figura frases sobre frases, sem tomar o fôlego. A outra equilibra-se na conversa como pode, visivelmente cilindrada pelo ímpeto da outra.  Conheceram-se pela Net e é a primeira vez que se encontram. A moçambicana está decidida a tomar a ruiva como cunhada e martela-a com o extenso rol das qualidades dos irmãos. Numa pressão que encolhe a esgalgada na cadeira. Ao fim de meia-hora a negra faz-lhe um reparo:
- Mas estamos aqui há uma hora e ainda não sei nada de ti.
A outra balbucia qualquer coisa, timidamente, e a negra retoma a palavra:
- Deixa lá, o melhor é irmos para casa que temos de preparar o teu quarto. Vamos, para conheceres os meus irmãos. Mas primeiro deixa-me fazer uma oração pela nossa amizade.
- Uma oração... - pergunta a pobre, desconcertada.
- Uma oração. Nós somos muito religiosos. Não te importas?
- Não... – gagueja a ruiva.
- Óptimo... – mete as mãos em prece e abre a torneira – Oh Lord, agradeço-te por nos teres trazido esta irmã, por nos brindares com a sua amizade como o maná no deserto, e que, oh Lord, ela encontre no nosso lar o seu refúgio e a inspiração para superar as provações que a vida lhe dará, mas, Oh Lord, sê suave e benevolente com ela, e com o meu irmão Jacques que alimenta muitas esperanças nesta amizade, e Oh Lord, não tragas tormentas onde os caminhos são de flores para colher...  
E a oração prossegue infindável, por dez, quinze minutos, num entusiasmo que lhe foi avolumando o tom da voz. A ruiva está um feixe de vergonha, encarquilhada num silêncio crescente, tubular, à medida que a amiga percute os seus «oh Lord» nos tímpanos da cidade, e as supostas palavras de gratificação e benignidade se espalham como lava quente sobre os demais murmúrios da cervejaria, no pé ante pé com que se arredonda o ziguezaguear dos empregados.
Quando acaba, salta da cadeira no mesmo lance e arrasta a amiga consigo.
Uma das empregadas está siderada. Uma miúda dos seus vinte anos, com tudo intacto. Uns dedos compridos, como as avenidas de Maputo. Entreolhamo-nos e ela ri-se. Aproxima-se:
- Que bom, ainda haver pessoas assim.
- Bom, isso teríamos de saber mais qualquer coisinha... pode ser muito boa na oração e ser uma grande, grande pecadora...
- Não... o senhor brinca, vê-se que é uma cristã...
- E isso tem uma grande importância?
- Para mim, sim.
- Então qual é a sua igreja...
- A Igreja Universal.
- Ah, uma vez assisti a uma missa das vossas...
- Onde...
- No Cinema África, está a ver ao tempo...
- Então está cá há muito tempo.
- Não, estive cá há dez anos, e agora voltei... para ficar.
- Não me diga que agora vou ver sempre esta cara-linda...
- A cara-linda é comigo? – insisto, surpreso.
- Claro.
- Mas vocês julga que não sei o que é uma ruína?
- Cada idade tem a sua beleza...
Já sabe tudo sobre o comércio de Deus. Hei-de voltar.

 
«O simples é sempre alguma coisa que difere por natureza»: já não me lembro de onde saquei este aforismo, que agora pesquei de um caderno, mas continuo a gostar disto.

 

domingo, 16 de setembro de 2012

CANÇÃO PARA UM BIFE MEU AMIGO

                         a Jade, ainda estupefacta, a meditar nas letras de canções que o pai fez

Entreguei algumas letras para canções ao músico moçambicano Chico António - vamos ver o que dará esta nossa colaboração.


O CORAÇÃO PISA UMA MINA

Não te deixes desaparecer.
Sempre que te vejo
o coração pisa uma mina
e não há como esquecer
 
que fui seixo e relampejo 
e fio de sangue na tua sina
que os frutos me deixam
louco, depois de te ver.
                                                                    
Mão que abandonaste
esbraseia o mar num calafrio
lábios no teu guindaste
ganharam mau-feitio.
 
Não te deixes desaparecer,
o coração se pisa a mina
não há como esquecer.

 

CANÇÃO PARA UM BIFE MEU AMIGO
 
Nunca o sol me ladrou
desde que nasci.
Importas-te? O preto fica pra ti,
eu sou da cor que deus me dou,
 
E tu és da cor que deus te deu.
Não eu, mas a luz
que nos põe bonitos,
dois valdevinos em Vera Cruz.
 
Vem, vem ter comigo,
essa dor que trazes contigo,
é a sede que nos comeu.
Vem, vem ter comigo.
a trilha que agora sigo
veio da ferida que nos fendeu.
 
Mas digo e sei que mariola
não tem cor, quem pisa o pé
escolhe com  quem não bebe capilé,
e como família só tem a mola -
 
E mais: nunca o sol me ladrou
desde que nasci.
Importas-te? O preto fica pra ti,
eu sou da cor que deus me dou!
 
Não esperes, vem, vem comigo cantar
esta canção que uma gaivota
trouxe do mar
onde quem tchova
 
é o vento, o salpico e a lua
e o gosto de estar junto
em trabalho e na gazua
entre amigos, sem o assunto

que antes fez tanta treva. Este
é um atalho sem má erva
e que nos livra da maldita
que só tem memória para a chita

a que de tanto ressentir à pressa salta,
à toa. Antes o leão,
molengo, até um pouco à balda,
que vai no seu ritmo e em compaixão
 
mata. Pois cínicos não somos,
nem tu és, meu irmão. Cínico
é quem de mariola
já só pensa na mola. Por isso,
  
te digo, nunca o sol me ladrou
Desde que nasci.
Importas-te, o preto fica pra ti,
eu sou da cor que deus me dou
 
Vem é comigo apanhar sol
à Costa do Sol, beber uma beer
e olhar a luz que deus nos deu
e que nos faz iguais ser.
 
Vem, vem ter comigo,
essa dor que trazes contigo,
é a sede que nos comeu.
Vem, vem ter comigo.
a trilha que agora sigo
veio da ferida que nos fendeu.



Sinto-me um bocado idiota depois de ter revisto o filme sobre o Cole Porter, com Kevin Kline no papel do compositor, e de ter ficado estarrecido com a qualidade daquelas letras, absolutamente estonteantes. Mas enfim, foram as primeiras... há-de a coisa melhorar.