ana cristina rodero |
Fui sempre barbaramente ingénuo. Tão atado de todo que nunca me confessei. Hoje sei que fiz bem, que à mínima menção dos meus pecadilhos (eu tinha uma imaginação prodigiosa para a mentira) uma mão esguia me procuraria o reduto, o zip, como se diz em Moçambique, e me descascaria o pepino. O pior é que eu ia gostar. E por isso nunca me confessei, aterrado pela ideia de gostar tanto de ser praticado como de mentir. Fui sempre assim com tudo, à mínima suspeita que ia gostar de alguma coisa, declinava.
Também falhei o meu destino como especialista de cavalo com arções. Eu era craque mesmo e corria o risco de uma medalha olímpica. Baldei-me.
Igual para tropa. Via farda e salivava. Por um triz não sou brigadeiro. O triz que me fez objector. Mas ainda hoje estou arrependido.
Também me cortei a fazer filmes, depois de ter tirado a especialidade de montagem, porque percebi que ia gostar de trabalhar 18 horas por dia, aturando metros de fita com minúsculos peixes-lúcio e duas mata-hari, e que em pouco tempo me iria esforçar por trabalhar 19 horas, e que o Paulo Branco tinha artes para me agarrar à moviola 20 horas dia.
Até na sexualidade me esquivei. Até onde vai a minha reminiscência, tendo sabido pelo Tirésias que a mulher tem nove vezes mais prazer que o homem na cama, fiz sempre o possível para reencarnar em homem, só para não sucumbir a uma voluptuosidade impossível de rejeitar.
Em recompensa, fui, não poucos anos, Paul Valéry.
Mas agora posso finalmente confessar-me sem receio. Finalmente. Ando tão precisado:
O aplicativo para iPhone chama-se "Confession: A Roman Catholic App" e, alegadamente, teria sido desenvolvido com a colaboração de representantes da Igreja dos Estados Unidos. Custa 1,59 euros e pretende ajudar o utilizador a fazer um exame de consciência. Inclui os mandamentos, uma lista de pecados, a data da última confissão e sete preces diferentes.
Amén.
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