sábado, 12 de março de 2011

DA AMIZADE: O JOÃO PAULO COTRIM

quem mais teria a ousadia de ficar bem de laranja?
Ele era um aprendiz de magro e eu um aprendiz de gordo, em andando lado a lado abaulávamos o passeio que ficava ao nível do asfalto e a nossa sombra era mais escura do que um cemitério à meia-noite.
Íamos sempre ao mesmo restaurante O Sinal Verde, na Calçada dos Combro, onde nos habilitávamos a arrombar meia garrafeira (ou pelo menos era essa a ideia bárbara) de bom tintol e acabávamos invariavelmente derrotados pelo gorjeio do Buchemild. Um dia pusemo-nos em desacordo sobre a ópera romântica e não digo o que aconteceu, íamos derrubando a estátua do Camões, no largo homónimo. Não me lembro de discussão mais tola nem de testemunha mais zarolha.
Pelo meio ensarilhávamos a poesia do mundo, com grandes admirações e maiores desdéns, e escrevemos um folhetim policial para ao Diário de Notícias, durante dezasseis semanas, O Branco das Sombras Chinesas, no mais absoluto exercício de cadavre-exquis: eu nunca soube o que ele ia escrever e vice-versa. Nos nossos almoços ríamos como uns safados, com a sintonia perfeita da zebra na passagem de peões.
Um dia estivemos, mesmo mesmo mesmo prestes a vender uma telenovela para um canal de televisão. Ficámos pelo Prestes João. Hoje estaríamos loucos e provavelmente fulminados. O destino foi sábio.
Homem dos mil-projectos, espero que ele um dia faça um intervalo nos guiões para banda- desenhada e spamcartoons, onde é um mestre, e escreva o romance que já lhe caligrafa os pulmões.
Daqui a umas horas o João Paulo Cotrim faz anos. Tenho saudades dele. Como é que ele é? Tem o espírito da Isadora Duncan enxertado num peixe-lua.
É melhor ficar por aqui senão ainda escrevo uma cantiga de amigo.

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