segunda-feira, 7 de março de 2011

COLÓQUIOS COM A JADE 2

`a memoria de benedito nunes, com quem passei 
duas belissimas tardes em belem do para


Quantas vezes quis eu mungir a noite, filha,
perguntas-me quantas vezes quis eu mungir a noite?
Sentava-me no topo da árvore mais alta
com luvas de amianto para o caso de me emaranhar
nos filamentos incandescentes de alguma estrela,
- um balde aos pés.
Quantas vezes quis mungi-la,
forçando a vigília contra o peso das pálpebras
enquanto surpreendia no seu verso os combates errantes
de galos galácticos?
Os miados em glissando do gato Napoleão
subiam do sopé da árvore
sondando
no brilho que me petrificava os olhos
a pergunta: quando começa ele a gritar...  
una donna, una donna?
Quantas vezes não quis
mungir a noite
- e das mãos só saía nevoeiro?
A tua avó desculpava-me: aquela criança
vive de aguarelas,
porque eu era magro
como todo o navio que fica longe do mar,
tão magro que o vento me trespassava e ria
a bom rir dos meus ossos de tinta da china.
Hélas,
é intransmissível
mais de quinhentas vezes
subi eu, filhinha, à árvore mais alta
o banco atado às costas, o balde
preso a uma presilha das calças,
disposto a mungir a noite,
incluindo a cauda.
Chegava a alba num arrepio de grande felicidade
descia e ia dormir, com o balde vazio.
O banco é que nunca se resignou
ficou com aquele eterno ar de quem espreita no vácuo
e perscruta coaxos e sonhos
e ainda hoje é leitóolico.

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