sexta-feira, 25 de março de 2011

OS MELODIOSOS CISNES DE UBU/ uma homenagem à Patafísica

Alfred Jarry

Qualquer marmelo é aos 52 anos um cemitério de projectos falhados. E não sou excepção. Um dos que mais me pesa foi o convite, não secundado por contrato ou consequência, do encenador Ricardo Pais para eu fazer uma adaptação do ciclo do Ubu, de Alfred Jarry.
Como sempre, levado pelo entusiasmo, adiantei-me e produzi uma série de monólogos e diálogos em verso num pastiche da linguagem de Jarry. 
A oportunidade gorou-se por causa da saída prematura do encenador da direcção do Teatro D. Maria, e quando voltou ao espectáculo, 10 anos depois, a nossa ligação estava mais frouxa e ele “traiu-me”, convidando a Luísa Costa Gomes para fazer o trabalho (e fez muito bem, que ela é muito boa). E lá fiquei com mais umas “pontas” soltas. Aqui deixo 5:


i
Mad Ubu entra em cena, radiante, com um saco na mão.
Ubu esperava-a, ansioso


- Que tal? Foi bom?
- Foi um ápice.
- Um ápice é bom?
- Melhor que aipo.

- E do ouro, rasto?
- Tomei-o todo. Um
esbraseado místico. Aí
tens o saco com os 500

mil cruzados tomados
a Miguel Federovitch. 
- Quem o mandou
ser furuncoloso?

- No tempo de Venscelau
era mais atilado, não era
traste de meter-se em corridas.
É assim com os matreiros:

põe-se-lhes os túbaros
a pregar aos tubarões!
Frodita de um corno!
- E aperaltado d’ideias seria,

pois que tu vens maviosa,
nessa voz de açafrão
capaz de estanhar
a placidez dos nevoeiros.

- Aproximei-me e perguntei-lhe
"O teu nome não é Ofélio?"
O zargunchado riu-se. Tinha
a cabeça da verga sextavada.

Pena o vacuum cerebral.
- Ficou um esterlicado axiomático?
- Assim que lhe encostei
o punção. Ficou-me a fronha

coberta de uma mioleira
aos grumos. Não distribuas
mais moedas pelo povo, a cavalo
selado não se empresta a prótese.



ii

- Ouviste na rádio? O Supermacho
emprenhou a bomba da bicicleta.
- Bicicleta? Qual bicicleta?
- A do catita azarado do Jarry.

- Não lhe chegava a roda dianteira?
Adúltero... O Supermacho...
- Desembucha, que saia asneira!
- Acha-lo bem apessoado?

- Aquilo é um romance de antecipação.
- Quê! Vai já para o porão!
(Ela, pondo-lhe a mão no sexo:)
- Bom, a morte faz parte da vida,

há que retocá-las antes do Verão!
(Ele retribuindo-lhe a mão no sexo:)
Bela raita me saíste.
- Eh, isto não é um livro aberto...

- Pois não, nem é a raita
murcha... Mérdia...(tira a mão
 do sexo dela e leva à boca
 um dedo sujo de sangue)



iii

MAD UBU (queixando-se de Ubu, cansado da guerra)


Sempre foi um desprevenido,
um pobre gâmeta sem ambição,
um mole onde os electrões já cochilam.
Pode empalar dez generais,

fica-se por dois brigadeiros e no fim
poupa na mostarda. Um país conquista-se
apagando o tracejado mais grosso
dos mapas, ou mudando o curso aos rios.
Uma vez afoguei Bruxelas em setenta
toneladas de moules . Olé! Mais difícil
conquistar um homem. Um homem só
se considera vencido quando é defecado.

Ubu está perdido, embrenha-se
na Patafísica e sonha com rátias
cor de agá aspirado. Diz que carne
incruada o faz enjoar como o alto mar,

hum, o necrosado está é sem calorias
na haste! O que me vale é Mannon,
a múmia de uma alvenaria recidiva
que me transporta às delícias de Horus. 



iv

Ubu aproxima-se, apertando
algo invisível entre os dedos:
- Acabei de inventar a mais cruenta
máquina de tortura do mundo.

(Ela olhando-lhe para entre o polegar
 e o indicador:) - Tão grande?
- Primeira injecta-se uma poção
que alarga os tecidos. Depois

a máquina infiltra duas pinças micros-
cópicas nos poros dos prisioneiros
e escancara-os, alarga-os.
- E isso serve para quê?

Para meter ratos dentro. Uma
ninhada por cada poro.
- Que doce alimento do espírito!
- Ou nos seios de uma prisioneira.

Uma caveira por poro.
- Por que não enfiar os filhos?
- Isso. Encravá-los no atalho
entre os poros e as moléculas.

E depois fechar a cadeado.
- Quantos poros cabem nuns seios
como os meus? - A população
da Polónia. (Ouve-se uma rajada

 de vento) - Cuidado com as portas,
(abrindo os dedos, contrariado),
merdia...Tenho de inventar imediata-
mente uma máquina de desossar ventos. (Sai)



v

UBU
O que é o cujo povo? A abundância
dos seios e a amplidão das fezes.
Mas se é de fatalidade reproduzir-se,
faça-o seguindo os trâmites:

a cada família três filhos:
um para substituir o pai,
outro a mãe e o terceiro
para a mortalidade infantil.

E devem os filhos prescrever
o seguinte: uma cria nasce para ter
vontade própria durante nove meses,
enquanto fedentino força a mãe

às galés do leite, depois
deve ser amputado. Primeiro
extrai-se-lhe as cordas vocais
para nunca dizer merdia

ou carulho, quando é mandado
tiritar ao futebol, depois o membro
superior direito (se for dextro)
para que nunca desperte os fluidos

do corpo, e enfim o superior esquerdo,
porque uma mão livre pode ainda instigar
os orifícios do corpo à revolta.
Ala com as pernas, porque

se está diante de um futuro déspota.
O livre arbítrio, a modorra 
dos primeiros nove meses,
deve chegar a um filho virtuoso.

Depois sacrifica-se em prol do pai
ou da mãe. E é com suma vantagem
que o torso de um filho virtuoso
à janela previne os ladrões.

Quando a Patafísica inventar o gene
do homem-torso será retirado o decreto
que determina que a cada filho deverá
amputar-se as perigosas lianas da vontade,

fonte de todo o extravio. Herodes
tentou o mesmo e tinha inteira razão,
a avaliar pelo cheiro a peixe
estragado que passou a vigorar

nas catacumbas romanas. Um filho
é sempre um futuro regicida
e é preferível um arroto
ecuménico a um trec-trec parricida.


Not : muito ubuescmente o prorm no me deix corriir certos entorses  r´icos

Sem comentários:

Enviar um comentário