Alfred Jarry |
Qualquer marmelo é aos 52 anos um cemitério de projectos falhados. E não sou excepção. Um dos que mais me pesa foi o convite, não secundado por contrato ou consequência, do encenador Ricardo Pais para eu fazer uma adaptação do ciclo do Ubu, de Alfred Jarry.
Como sempre, levado pelo entusiasmo, adiantei-me e produzi uma série de monólogos e diálogos em verso num pastiche da linguagem de Jarry.
A oportunidade gorou-se por causa da saída prematura do encenador da direcção do Teatro D. Maria, e quando voltou ao espectáculo, 10 anos depois, a nossa ligação estava mais frouxa e ele “traiu-me”, convidando a Luísa Costa Gomes para fazer o trabalho (e fez muito bem, que ela é muito boa). E lá fiquei com mais umas “pontas” soltas. Aqui deixo 5:
i
Mad Ubu entra em cena, radiante, com um saco na mão.
Ubu esperava-a, ansioso
- Que tal? Foi bom?
- Foi um ápice.
- Um ápice é bom?
- Melhor que aipo.
- E do ouro, rasto?
- Tomei-o todo. Um
esbraseado místico. Aí
tens o saco com os 500
mil cruzados tomados
a Miguel Federovitch.
- Quem o mandou
ser furuncoloso?
- No tempo de Venscelau
era mais atilado, não era
traste de meter-se em corridas.
É assim com os matreiros:
põe-se-lhes os túbaros
a pregar aos tubarões!
Frodita de um corno!
- E aperaltado d’ideias seria,
pois que tu vens maviosa,
nessa voz de açafrão
capaz de estanhar
a placidez dos nevoeiros.
- Aproximei-me e perguntei-lhe
"O teu nome não é Ofélio?"
O zargunchado riu-se. Tinha
a cabeça da verga sextavada.
Pena o vacuum cerebral.
- Ficou um esterlicado axiomático?
- Assim que lhe encostei
o punção. Ficou-me a fronha
coberta de uma mioleira
aos grumos. Não distribuas
mais moedas pelo povo, a cavalo
selado não se empresta a prótese.
ii
- Ouviste na rádio? O Supermacho
emprenhou a bomba da bicicleta.
- Bicicleta? Qual bicicleta?
- A do catita azarado do Jarry.
- Não lhe chegava a roda dianteira?
Adúltero... O Supermacho...
- Desembucha, que saia asneira!
- Acha-lo bem apessoado?
- Aquilo é um romance de antecipação.
- Quê! Vai já para o porão!
(Ela, pondo-lhe a mão no sexo:)
- Bom, a morte faz parte da vida,
há que retocá-las antes do Verão!
(Ele retribuindo-lhe a mão no sexo:)
Bela raita me saíste.
- Eh, isto não é um livro aberto...
- Pois não, nem é a raita
murcha... Mérdia...(tira a mão
do sexo dela e leva à boca
um dedo sujo de sangue)
iii
MAD UBU (queixando-se de Ubu, cansado da guerra)
Sempre foi um desprevenido,
um pobre gâmeta sem ambição,
um mole onde os electrões já cochilam.
Pode empalar dez generais,
fica-se por dois brigadeiros e no fim
poupa na mostarda. Um país conquista-se
apagando o tracejado mais grosso
dos mapas, ou mudando o curso aos rios.
Uma vez afoguei Bruxelas em setenta
toneladas de moules . Olé! Mais difícil
conquistar um homem. Um homem só
se considera vencido quando é defecado.
Ubu está perdido, embrenha-se
na Patafísica e sonha com rátias
cor de agá aspirado. Diz que carne
incruada o faz enjoar como o alto mar,
hum, o necrosado está é sem calorias
na haste! O que me vale é Mannon,
a múmia de uma alvenaria recidiva
que me transporta às delícias de Horus.
iv
Ubu aproxima-se, apertando
algo invisível entre os dedos:
- Acabei de inventar a mais cruenta
máquina de tortura do mundo.
(Ela olhando-lhe para entre o polegar
e o indicador:) - Tão grande?
- Primeira injecta-se uma poção
que alarga os tecidos. Depois
a máquina infiltra duas pinças micros-
cópicas nos poros dos prisioneiros
e escancara-os, alarga-os.
- E isso serve para quê?
Para meter ratos dentro. Uma
ninhada por cada poro.
- Que doce alimento do espírito!
- Ou nos seios de uma prisioneira.
Uma caveira por poro.
- Por que não enfiar os filhos?
- Isso. Encravá-los no atalho
entre os poros e as moléculas.
E depois fechar a cadeado.
- Quantos poros cabem nuns seios
como os meus? - A população
da Polónia. (Ouve-se uma rajada
de vento) - Cuidado com as portas,
(abrindo os dedos, contrariado),
merdia...Tenho de inventar imediata-
mente uma máquina de desossar ventos. (Sai)
v
UBU
O que é o cujo povo? A abundância
dos seios e a amplidão das fezes.
Mas se é de fatalidade reproduzir-se,
faça-o seguindo os trâmites:
a cada família três filhos:
um para substituir o pai,
outro a mãe e o terceiro
para a mortalidade infantil.
E devem os filhos prescrever
o seguinte: uma cria nasce para ter
vontade própria durante nove meses,
enquanto fedentino força a mãe
às galés do leite, depois
deve ser amputado. Primeiro
extrai-se-lhe as cordas vocais
para nunca dizer merdia
ou carulho, quando é mandado
tiritar ao futebol, depois o membro
superior direito (se for dextro)
para que nunca desperte os fluidos
do corpo, e enfim o superior esquerdo,
porque uma mão livre pode ainda instigar
os orifícios do corpo à revolta.
Ala com as pernas, porque
se está diante de um futuro déspota.
O livre arbítrio, a modorra
dos primeiros nove meses,
deve chegar a um filho virtuoso.
Depois sacrifica-se em prol do pai
ou da mãe. E é com suma vantagem
que o torso de um filho virtuoso
à janela previne os ladrões.
Quando a Patafísica inventar o gene
do homem-torso será retirado o decreto
que determina que a cada filho deverá
amputar-se as perigosas lianas da vontade,
fonte de todo o extravio. Herodes
tentou o mesmo e tinha inteira razão,
a avaliar pelo cheiro a peixe
estragado que passou a vigorar
nas catacumbas romanas. Um filho
é sempre um futuro regicida
e é preferível um arroto
ecuménico a um trec-trec parricida.
Not : muito ubuescmente o prorm no me deix corriir certos entorses r´icos
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