quarta-feira, 23 de março de 2011

TAYLOR & SÓCRATES: O DESENCONTRO

Morreu Elizabeth Taylor. Eis o que em mim silenciou a demissão de José Sócrates. Aliás Sócrates, sabê-lo-emos numa próxima biografia, era o nome do ginete que encheu de correrias a infância de Elizabeth, dado pelo seu pai marchand de arte, nesse último momento em que a actriz foi feliz, antes de se meter nas fitas.
Não sei o que o demissionário primeiro-ministro português pensava de Cleópatra. Eu sempre tive uns ciúmes danados de Richard Burton, e só desviei dali a cisma quando Elizabeth se perdeu de amores por um camionista, nos idos de oitenta, e eu movi o holofote para a hipótese de consolar a velhice de Ava Gardner – se me aparece um camionista como rival na cama eu abdico imediatamente, há que ter consciência que face a certos limites físicos nem o ioga nos ajuda.
Não sei, repito, o que o ex-primeiro ministro português, cuja queda fez cair o Euro – o que mais me impressionou neste preâmbulo da opereta nacional -, pensava de Elizabeth Taylor; o que eu tenho a certeza é que a sua actuação como primeiro-ministro foi sempre a de alguém que se julgava a protagonizar Quem tem Medo de Virgínia Wolf? Essa foi a sua desgraça, e a nossa.
Sócrates descobriu em si uma heteronomia que o levou muitas vezes a privilegiar o seu lado de actor sobre a seriedade exigida pela matéria específica do que circunstancialmente estava em jogo e era nítido que ia aos debates parlamentares para se ouvir.
A desgraça de Sócrates nasce das suas evidentes qualidades políticas – é por exemplo espantoso como após o desgaste de 6 anos de governação chegou aos debates das últimas eleições legislativas e papou todos os debates televisivos sem excepção.
O Francisco Louçã, que embrulha hoje toda a esquerda com os seus esgares e os seus arremedos de economia, e que se julgava eleito para tribuno do século, nunca lhe perdoará ter perdido o debate. E Pedro Passos Coelhos, recém-eleito como o galito-mor da oposição de direita precisa de um combate que o confirme. Ele não tem nada a perder. Se as coisas lhe correrem bem será o novo homem providencial, se lhe correrem mal acusará o sistema instalado. E Paulo Portas, arguto como Deneuve nas suas representações, sabe que é a oportunidade de chegar ao poder num novo acordo com o PSD.
O que é risível nesta pífia opereta da política portuguesa é que todos têm razão. Como naquela história que muitas vezes se atribui ao Talmude: um doutor de leis procurava, na presença dos seus discípulos, fazer justiça entre dois queixosos. Exposto o caso do primeiro, decidiu o juiz dar-lhe razão, até ter reflectido longamente. Mas quando o segundo terminou a defesa da sua causa, o juiz, depois de nova e longa reflexão, deu-lhe também razão. Os discípulos espantaram-se ao ver o seu mestre dar razão às duas versões contraditórios dos mesmos factos, ao que o juiz respondeu, depois de ter voltado a reflectir: «Com efeito, também vós tendes razão.»
A oposição tem razão, a economia não pode crescer unicamente com medidas de austeridade que só penalizam os menos favorecidos, e Sócrates tem razão, os juros da ajuda externa ao país só não subirão dramaticamente se houver confiança dos mercados, e isso exige estabilidade e medidas duras. E quando é assim, e com o país absolutamente atolado na crise, era preciso abandonar as paixões e ensaiar um meio-termo, um consenso.
E é patético que, para conseguir garantir as reformas que Portugal se comprometeu a adoptar na última cimeira da CEE, Passos Coelho apresente como medida alternativa a subida do IVA em todos os produtos.
Por isso apesar de todos terem a sua parcela de razão tem mais razão o Luís Carlos Patraquim que me mandou durante a tarde um MSN em que dizia, preto no branco: «Portugal suicidário, viva Camilo e Manuel Laranjeira!»
No que todos não têm razão é em não admitirem que não têm a menor ideia, a menor visão, demitindo-se todos com o primeiro-ministro. Ou um primeiro-ministro não é, afinal, aquilo que a gente o deixou ser?
Esta gente indigente que têm liderado a política portuguesa ainda não percebeu que Portugal só tem quatro trunfos no gizar do futuro, dois ases, o turismo e a cultura, e dois valetes, a sua relação com África (mas não com a exclusiva e pérfida Angola) e a aposta na ciência. Destes últimos poços de petróleo, só o último tem sido explorado, e o primeiro, a espaços e sem a articulação devida e obrigatória com a cultura. E, enquanto este sector não ganhar primazia, Portugal só terá produtos que os outros fazem mais rápido e com menor custo – sapatos, por exemplo. O único petróleo estruturador seria a cultura, uma indústria séria da cultura, sector que tem sido continuamente fustigado e onde o país se tem portado como um perdulário. 
Eu percebo-os, o drama profundo, ou antes o único desígnio desta classe política é que ambicionava, cada um à vez, ter sido um dos maridos de Elizabeth Taylor – bom, menos Paulo Portas, que desejava ter sido Michael Jackson.
Libertou-me felizmente dessa hipnose a presença do camionista – isso desfez-me o feitiço. E a Ava, a minha condessa descalça, é uma rapariga com outra consciência crítica.
Daqui de Maputo, do porto de Maputo, mandei expedir oito toneladas de pêsames. Só que a minha língua não é bifurcada como a dos políticos: os meus pêsames vão inteirinhos para Richard Burton, o único dos ex-maridos que me merece respeito.  

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