quinta-feira, 10 de março de 2011

CARTA DO CARDEAL CEREJEIRA A MANUEL BANDEIRA

que tristeza cardeal, nem uma avenida?

Leitor amigo fez-me chegar às mãos uma carta do saudoso Cardeal Cerejeira, o grande pilar da Igreja Católica no Salazarismo, para o poeta brasileiro Manuel Bandeira, o «Sô Dentuças!», como era carinhosamente apelidado pelo surrealista português Alexandre O´Neill.
Porque a missiva me parece de interesse histórico, aqui a transcrevo:
salazar e cerejeira e a pedra sabao dos figurantes
«Prezado poeta Manuel Bandeira, ouso dirigir-lhe estas palavras porque admiro o seu talante e a paciência de ourives com que afeiçoa o soneto! Mas trouxe-me um frade amigo, com mãos trémulas, um escrito seu - perdoar-me-á se não lhe chamo um poema - que lido me compungiu coração, cabeça, e estômago, enrubescendo-me as faces. É redacção fútil e marota, e reza assim:

“Depois de lhe beijar meticulosamente
O cu, que é uma pimenta, a boceta, que é um doce
O moço exibe à moça a bagagem que trouxe:
Colhões e membro, um membro enorme e turgescente.

Ela toma-o na boca e morde-o. Incontinênti,
Não pode ele conter-se, e, de um jacto, esporrou-se.
Não desarmou porém. Antes, mais rijo, alteou-se
E fodeu-a. Ela geme, ela peida, ela sente

Que vai morrer: - "Eu morro! Ai, não queres que eu morra?!"
Grita para o rapaz que, aceso como um diabo,
Arde em cio e tesão na amorosa gangorra

E titilando-a nos mamilos e no rabo
(Que depois irá ter sua ração de porra),
Lhe enfia cona adentro o mangalho até ao cabo.”

Grande artifíce, não era necessário! O seu dom não necessita destes inconfessáveis desvios de mocidade! Nunca será demais imitar o de-coro de Herr Schmidt, o chanceler da Prússia que em 1830 interditou a morte por enforcamento ao verificar que os condenados eram, no passamento, acometidos de erecção!
O decoro será sempre pouco! No colégio que dirijo, após meses de colóquio, abandonámos o ensino da gramática depois de havermos lido num códice do Vaticano que António Vignali e o seu discípulo António Rocco, no século XVII, apoiados em Aristóteles e Averrois, demonstraram que o ensino da gramática conduz a práticas sodomitas - luxúria, como sabe, ímpia.
Por isso, muito me penaliza que o excelso autor de Madrigal:

«A luz do sol bate na lua...
Bate na lua, cai no mar...
Do mar ascende à face tua,
Vem reluzir em teu olhar...»

desfrute agora das vacantes luzes do Inferno. Estamos sempre a tempo de nos arrependermos, ó vate!
Eu sei que muitos outros de nomeada seguiram esse passo malsão; a impudícia desprendida em tantos versos de Jorge de Sena, com termos crus e calhordas que o poético - n'est ce pas? - não consente; ou até o Nemésio que cede ao «amor natural» e facilita versos dignos de Aretino, o pornógrafo! Mas ao menos não os publica, só os publicita em privado. Agora, o Bandeira? Se temas tão nobres, tão sublimes, florescem ainda no naperon da rima!
Quando o Manuel quis ser moderno e até se atreveu a declarar que o porquinho-da-índia fora a sua primeira namorada, era um dito do espírito, perdoável. Ou quando verseja a hemoptise e os suores frios do tuberculoso, a fantasia ainda nos deixa ouvir um tango argentino. Mas confundir o amor e a flatulência, ó vate!
O senhor não imagina o meu apreço por si e o que me custa anunciar que o pároco Perpétuo da biblioteca proibiu a leitura dos seus livros aos noviços. A poesia caiu na vulgaridade, disse-me ele, nobre é isto, e passou-me «The fight» de Norman Mailer, sobre o pedregoso combate entre Cassious Clay - aquele rapaz que se extraviou na Mafoma e agora tem por graça Ali - e Foreman, no Zaire. Mas Clay no ringue, ainda que confundido em Allah, tem realmente a graciosidade de Jacob contra o anjo.
Tomar-me-ia o Manuel – perdoe-me a intimidade – por um cara “bota-de-elástico” como o povo aqui chama aos mui conservadores, e sem um olho, sequer pisco, nas coisas mundanas? O boxe foi o meu pecado de juventude, e, prometa que não publicita a confidência, também Louis Armstrong, em quem encarnou a voz de Lázaro.  
Mas falava-lhe do livro do repórter americano. Em 70 páginas viris, um autorizado Foreman (- sabia que é um pastor protestante?) tenta enfiar um jab (enfiar, que Deus me perdoe, como é licenciosa a linguagem!) no rosto suado de Clay. Capítulos e capítulos de peito contra peito, de músculo escorrente no músculo, de penetra e finta e insiste, dois homens fundidos sofregamente, o antebraço contra o pescoço, a pele de um na luva do outro, a sorver-lhe o cansaço; Foreman impulsivo e a placidez de Clay, que parece recitar o Livro de Job no ouvido do pastor, num celibato. Dois homens num corpo a corpo, leal, que lutam por penetrar (arre, é insinuosa a linguagem, ó vate!) nas defesas do outro, sem nunca se saber se neles é maior o talante ou a virtude. Aqui sim, conteúdo e forma inconsúteis.
E não me tome o Manuel por um dos tantos que confundem sexualidade e pornografia – consegui ler um capítulo de Freud, antes de o recomendar à latrina -, eu sou pela abolição de ambas!
Neste nosso colóquio permita que avance com uma errata para substituir as palavras mais licenciosas do soneto: onde está «cu» deve ler-se o vazadouro; onde está «boceta» deve ler-se cunnum; onde está «colhões e membro» deve ler-se o candelabro; onde está «esporrou-se» deve ler-se esguichou a lágrima de Cristo; onde está «fxxxxx…» (não era necessário) deve ler-se leu-lhe os salmos (, o que se afigura incompatível com o acto flatulento que se segue)…
O vate saberá enriquecer com pepitas estas minhas humildes sugestões.
E tudo farei para impedir o pároco Perpétuo de falar com o Ministro nosso amigo, como é sua intenção, para proibir a venda dos seus livros nas livrarias Bertrand e Portugália. De alguma liberdade teremos de gozar, se não Salomão não nos teria entregue os seus Salmos.
Seu admirador,
Cardeal Cerejeira»
manuel bandeira, o vate
    

2 comentários:

  1. E o que o faz atribuir este escrito - manifestamente apócrifo - ao cardeal Cerejeira?

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  2. Meu caro Funes
    O facto do Cardeal Cerejeira nao a ter desmentido, nem Borges, que daria logo pela marosca

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