terça-feira, 29 de março de 2011

MON AMI BILLY WILDER

wilder (moi) et son épouse, audrey

Sinto-me um bocado Antoine, L’antique, mas detesto entrar estremunhado na casa-de-banho e deparar com o papel higiénico feito em estilhas. Pois claro, foi mon chat, Sebastião, Votre Contemporain, o gato maltês que me adorna agora o lar. Entreteve-se a afiar as unhas no rolo.

Aflorou momentaneamente em mim uma crueldade reptiliana, que sustive ao lembrar-me dos hábitos de reputado poeta moçambicano que lê o futuro nas nódoas negras com que enxameia o corpo das mulheres, deu-me uma agonia e travei o instinto. Não quero ser como esse poeta lírico uma sensibilidade à la maison e outra na delicada palpitação das leitoras. Eu cá sou assim, duma só peça, antique.
Vou buscar outro rolo à despensa, esfrego-o no focinho felino e soletro, mansamente: «ouve lá, meu cabrãozinho, voltas a fazer aquela merda e dou-te uma pantufada que ficas astronauta em três tempos, estamos entendidos?». O miado algo estreme do felino pareceu-me traduzir uma compreensão clara do meu retorno ao comando da casa, de estar ciente que se não se comporta o levo para a escola e o esfrego nas equações de terceiro grau nos quadros da sala, equações, como se sabe espinhosíssimas. Comigo é assim, Antoine, L’antique.
Passo à sala e enfrento o tornado da passagem dos hunos - as minhas filhas entretiveram-se a fazer em farrapos o meu arquivo de artigos antigos, e desenharam óculos e bigodes a vermelho e amarelo no retratinho que encimava as minhas crónicas. Quem me manda chamar às ditas, Nada do outro Mundo? Círculos rombos e cubos tortos, a marcador, enfeitam-me as prosas. Assoma-me de novo aos cabelos eriçados aquela crueldade reptiliana, mas o flash súbito daquele reputado poeta moçambicano, etc., etc. Un homme antique.
No meio dum círculo verde descortino um nome que sempre me empolgou: Billy Wilder. Resolvo espreitar a que propósito chamei à liça um génio. Leio e rio como um danado. Isn’t bad. A crónica tem quatro anos e nela produzo uma variação sobre uma ideia para filme que o Wilder nunca realizou, e oferecia ao presidente Bush (- meu Deus, o que eu já fiz para ver se os americanos reparam em mim!) essa sinopse para um filme de propaganda aos seus célebres métodos para combater a Sida.
A ideia é tão engraçada que a vou transcrever com um ligeiro acrescento final, por causa desta minha nova e inescapável índole d’ homme antique.
Ano, 2020. Instalou-se no mundo uma Nova Guerra Fria que separa Povos Com Sida de Povos Sem Sida.
Num congresso de cientistas da saúde africanos, realizado em Kingshasa, destaca-se o trabalho de Ónus (moi), um académico moçambicano - um homem íntegro, antique, e que só tem por fraqueza gostar de uma pinguinha.
É a ele que os observadores americanos, enviados por Bush, escolhem para ser o inconsciente portador da fórmula secreta de uma “bomba” (cujo poder curativo mudará a face do continente), que será posteriormente resgatada por agentes boers (- os americanos, muito desiludidos com a ANC, não se arriscam a passar-lhes directamente a fórmula para não serem acusados de favoritismo na ONU).
Para tal, convidam-no para uma festa, embriagam-no, raptam-no e depois tatuam-lhe no pénis a fórmula. Que só pode ser lida em erecção.
O cientista acorda azamboado e de ressaca no hotel, a uma hora do seu embarque de regresso, e, com a pressa, não dá por nada.
Chega a casa, em Maputo, desfaz as malas e toma um duche, antegozando a noite maravilhosa que terá com Bárbara, a sua mulher. É aí que dá conta: tem algo tatuado no sexo. Ónus entra em pânico: não há desculpas que justifiquem aquela inscrição (que não consegue ler) e a sua estranha amnésia. Ainda por cima, acontecer-lhe a ele, fidelíssimo à mulher!
À noite, a culpa inibe-lhe a erecção. Como acontece pela primeira vez, entre eles, a mulher graceja e adormecem após uma boa galhofa. Ou antes, ela. Ele não, está à rasca. E ao longo da semana repete-se a nega. A esposa começa a desconfiar que ele tem outra. E o sentimento de culpa dele adensa-se.
Os outros países africanos começam a enviar-lhe mulheres cientistas de grande aparato físico, para o atraírem a uma cilada sexual.
A lasca do Zimbaué – uma enóloga - embriaga-o ao falar-lhe sobre uma videira transgénica que dá uvas com o tamanho de melões, sem o conseguir levar para o quarto.
A enviada etíope atrai-o ao quarto sob promessa de lhe mostrar um besouro em cuja carapaça a natureza desenhou o Rato Mickey. Mas um copo a mais de Mateus Rosé fá-lo sucumbir no sono, no sofá, antes dela regressar da casa-de-banho, nua e em oferenda.
A África do Sul envia uma Mata-Hari especialista no xeque-pastor e capaz de derreter um iceberg quando expõe o mamilo esquerdo, o menos abrasivo. Mas só de lhe pressentir os atributos, com a mudança de temperatura Ónus apanha uma gripe de caixão à cova.
A Mata-Hari não se desmancha, é paciente, tanto como a ingenuidade de Ónus que, passada a febre, se deixa enrolar pelo parlapié da colega cientista e sobe ao quarto dela, num intuito académico. Martini puxa Martini, e eis Ónus enfiado na cama dela, atarantado mas nu.
Contudo, sendo homem de uma obstinada fidelidade, a erecção não tem lugar.
A sul-africana não está com meias medidas e tira da mala um x-acto para decepar o membro murcho. Debruça-se sobre a cama, o olhar amortecido de Ónus nem se apercebe do brilho da lâmina...
É então que Bárbara, que o seguia sorrateira há uma semana, abre a porta num pontapé. Com dois golpes de Karaté (aprendidos no Marítimo) despacha a espia boer e amarra-a ao cadeirão.
Ónus, a quem a entrada de rompante da mulher pusera sóbrio, observa deliciado a limpeza com que a sua mulher o salva – sim, é sua, a mais felina das mulheres! E o entusiasmo proporciona-lhe a maior erecção da sua vida.
Ónus e Bárbara, lêem então, assarapantados, a fórmula que ele exibe, tatuada no pénis: Abstinência!
Mas como Ónus (moi) c’est un homme antique…


 

5 comentários:

  1. Hilariante. O teu blog é consultado cá em casa todos os dias.
    Beijinhos a todos!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Muito bom!!!
    Diga-me, e o maltês? Tornou-se obediente ou foi promovido à astronauta por suas pantufas? Ou morreu esfolado pelas equações de terceiro grau? rsrs

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