sexta-feira, 25 de março de 2011

OS PONTOS NEGROS QUE NOS MAPAS INDICAM OS CEMITÉRIOS

malick
Subia as escadas a matutar na urgência de despachar as provas do livro da Hilda Hilst, quando ouvi salmodiar.
Tinha quatro anos. Uma menina. Bonita e airosa como a mãe. Morava no 12º andar e encontrava-as na escada, borboletas arquejantes, lamentando sorridentes a eterna avaria do elevador. A menina era propensa às laringites e decidiram operá-la. Jaz agora na hirta rigidez da tumba. A operação degenerou em espíritomiríade e tornou-lhe avaros os dedos, prometidos a búzios e pianos. Negligência médica. Foi o mês passado. A mãe lembra agora uma formiga preta consumida por dois canhões nos olhos.
Tinha treze anos. Era tão gordo que na sua alma ouviam-se os batuques que afastam os hipopótamos. Mas era um bom menino, amigo dos seus amigos, e estivesse o céu crivado de estrelas ou de chuva não faltava aos seus deveres de guarda-redes.
Na véspera de começar a gabar-se “gosto de estar entre miúdas nices” (desconheço se tinha o afinco para isso), deslocou um pé. Coisa mais grave quando se não é mais leve que um cedro libanês. Vi-o três vezes a arrastar-se com o gesso para descer ou subir ao quarto andar, a mãe no comando da operação de desmantelamento & resgate, e desejei-lhe as melhoras.
O gesso foi mal colocado. Provocou uma ferida que gangrenou. Depois o sangue tomou antenas invisíveis e a locusta decapitou-o. Há quatro dias que se sucedem os cerimoniais, e até os degraus da escada se consternam sem saber que fazer sem todo aquele pólen que o miúdo carregava.
Deus, nestas paragens, tem mais mortos que dentes: é um verdadeiro padrão, em fundo.
Filha, fazes um gin ao pai?

2 comentários:

  1. Espantosa descrição do mundo a sul, mais a sul. Aí a morte mora mais perto.
    ~CC~

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  2. Ou corres a encomendar uma providência àquele bruxo macumbeiro, Cabrita, ou haja gin!

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