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Conheço dois escritores da minha idade para quem o poeta Mário Beirão, companheiro de Teixeira de Pascoaes na revista Águia, seria o melhor poeta do século XX português.
Um deles, António Cândido Franco, escreveu-o mesmo, desassombradamente, num artigo.
A mim nunca me passou pelo estreito e durante décadas desconheci-o mesmo. Agora, nos ócios tropicais, resolvi revisitá-lo e requisitei na biblioteca o tomo da Imprensa Nacional que reúne toda a sua obra. Seiscentas p'aginas de tira-teimas.
Li o book três vezes peguei nos poucos versos que me prenderam e montei-os, reescrevendo-os noutra constelação. Este é o meu Mário Beirão: vinte haikus. A restante palha deixo para os académicos.
1
O Outono vem a caminho
Desmaia o céu pela terra
E vai reboando – onda a onda.
2
Minha alma ainda memora
Pauis à tarde. Cegonhas.
O fundo olhar que se abisma.
3
A sombra alonga os desertos
E os lírios, de transparentes,
Parece que se evaporam.
4
Aspiro o olor do mar que embriaga tudo
Já as enxárcias rangem, desemperram
E o vento ergue mais alto a sua tuba.
5
Um canto ascende, fúlgido, na altura
E a noite empalidece, empalidece mais:
Espiral do sol, cálix entreaberto!
6
Das janelas que ogivam o infinito
Dominei os horizontes, asa
De águia perdida onde estremecem astros.
7
Tudo o que eu fui acorda! É água viva!
É o silêncio da noite, a certas horas
Na árvore que deixou cair os pomos!
8
Olhar e já não ver o que nos cinge;
Dúlcido, o Azul, e Deus sorrindo
No ledo mar dos sonhos dalgum dia!
9
Sou o fantasma que em sonhos se demora
Falo e sou longe: mas na treva
Que eu sou a luz exulta!
10
Charnecas onde o vento
Esgarça as asas,
Rola do meu olhar.
11
O vento – voz desfeita
Desvairava, demorado
E a lenha ardia, amortalhada.
12
Chuva de estrelas as sementes
Desprendiam-se lá onde
A solidão medita deus.
13
Ígneo, esculpido em lava,
O grito. Passam corvos
Em linha temerária.
14
As asas que são o adeus
Do próprio voo. Os rios que entre
Escolhos seu mal esquecem.
15
Vens pelo ar
Numa voz que se perde
E o mar segreda.
16
Um céu mortuário
Lenho sagrado
Árvore, pelo vento desferida.
17
Um sino fosforesce no ar
Oh as telas da infância debuxadas
Por mãos de serafim.
18
Meu peito é arca
Em pedra de ara
Funda silvando no ar.
19
O vão dobar dos anos: de tudo
Quanto amei a nau do tempo
Solta agora os largos panos!
20
No côncavo do osso
A pulcra imagem
Num voo se suspende.
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