segunda-feira, 7 de março de 2011

CRÓNICAS DO REINO: LOUVOR E MISÉRIA

A Catarina: Furtada por um amigo

O meu sonho como jornalista era escrever uma reportagem em alexandrinos. Nunca tive um editor, um «chefe de redacção» como se dizia no “meu” tempo, que me deixasse. São falhos de imaginação estes sargentões, pois chegam aos cargos por contarem anedotas ao director e cumprirem à risca as restrições para o sector. Mas neste ócio do meu semi-desemprego, no trabalho e no computas (abandonou-me o ingrato, pirou-se para o Zimbabué com uma espanhola, sem ao menos se interrogar que pode fazer em terras de Mugabe uma galega) entrego-me a estes lavores, mesmo sem lima e paciência para a rima.
Afinal era pior do que eu imaginava (nunca se ousa imaginar que possa ser tão mau) a festarola da Sociedade Portuguesa de Autores, foi uma farsa a roçar o iníquo – estando este para aí virado, dá ‘inda filharada. Que Deus lhe perdoe - eu que não sou católico tão pouco.
E aqui me explico:

O PRÉMIO DA SPA: ANTES ABSTÉMIO

O Pascal, sem artifícios, esclarecia bem a coisa:
para crer, defendia o bicho, é preciso tomar
primeiro a água benta. Litro a litro,
antes de se partir a loiça.

Na minha vida nunca houve outro rumo,
atiro-me de cabeça, só depois vou à missa,
em impondo-se o natural
que a tal prumo verticaliza.

Primeiro toco na chicha, depois,
diferidamente, amo. Pois por medo
de muito apego fujo sempre prá Suiça.
Que, neste particular, nunca cedo,

nem tardo. São feitios. Por sorte o Pascal
dá o aval à marosca - ele nunca
foi de crises de auto-estima. E o remorso
que aprende a surfar nunca enrosca.

Domingo antepassado, a matéria-prima
que usa como cabide o meu corpinho
e que nele tantas vezes se sublima,
- moi, je - mira, coño, mi figura y mi focinho

- lo único cabrón del mundo que no es
José Mourinho -, papou de boa-fé
todo o espectáculo dos Prémio
Autores SPA/RTP, enquanto abstémio

me vingava aos haustos no capilé
e a mente me mantinha em órbita,
a pensar nos efeitos  da água benta
nos vencedores: a ínclita inveja de Cabrita.

Sonhei com a póstera aquisição (há anos
que a almejo) duma prótese dentária suplente,
seguiu-se uma visita decente ao Japão,
um salto a Delos, com saída de Barcelona

(depois das Ramblas e de marcação à zona
nas livrarias), e regresso por Tananarive,
antes de amansado pelo peso das compras,
regressar a estas locas au long de la rive,

barbaramente emagrecido, etc., etc.,
por causa das provações da viagem,
pobre vagem de todo exaurida, etc., etc.
É o que dá ser capaz de salivar, etc.,etc.,

por delegação. Ó vã cobiça…
quando a fé se acalenta e postiça
extravia o passo à água benta!
Você não viu o espectáculo?

Era assim, de gente fina!
O melhor peixe raimoso ulu-
lava aperaltado na plateia,
margaridas, margarinas, cantorias,

um por outro número
de sapateado (sou sincero,
eu já confundo moreia c’o Fred
Astaire… à falta de sapateira)

… e afinal os prémios não
passavam de licenças para boémio,
meias solas para gémeos
em caso de pas de deux.

Eu nem sabia que ainda se dava
prémios simbólicos, dada a galga,
e posto o estrambólico preço dos limões
e do personal training dos campeões.

Mas, concedo: que iguala o frémito
d’ir à tv ser visto plo meu primo
Manuel Faustino, alma gentil
e mui versada no Manuelino?

Ninguém acha isto espantoso?  
Hoje o almoço, no prato, foi raso.
Cadê ele, indagaram com aleivoso sentido
as catraias. Em lamparinas emprazo

o motim - Qual quê, s’o prato está cheio!
Cheio de quê, pai? De douto prestígio.
Há dois anos que lapido um romance.
Vai na quarta versão. O editor, relance

do Brasil, nem lhe vê vestígio,
há um ano que adio a entrega.
Agora sei porquê. E se a bodega
ganha o Prémio Autores SPA/RTP?

Como justificar ao agregado qu’o prestígio
que por ora lhes enche o prato, em perdurando,
se torna menos saboroso que os maus humores
e a sopa de caldo de verde, ó meus amores,

que à segunda sempre pinga?
Os júris devem ter trabalhado de borla,
daí que o Prémio de Artes Plásticas
tenha transbordado da borda

e caído na malga do gráfico – ex-
celente, é verdade, but… que seráfica
exposição foi aquela sobre a República?
E suponho que a apresentadora, a futrica

Catarina, que um dia me foi furtada,
tenha trabalhado por alpista e cachet
simbólico, ou, que, ao menos, dada a alhada,
oferecerá o seu cachet à Casa do Artista.

A razão é moral e pertinaz: justifica-se
que ao fim de dois anos e meio
a trabalhar no romance que num piroteio
vai papar o próximo Prémio Autores SPA/RTP se

veja a apresentadora em três horitas
a ganhar o que nunca m´afiançarão os direitos?  
Esta gente vive em que mundo?
Como paga o presunto e as lentilhas?

O vice-presidente da instituição discursa
sobre os Direitos de Autor e a seguir humilha
os melhores do ano com chuchas?
Este faustoso espectáculo da SPA cursa

de facto, na Europa, um trilho único,
e talvez porque na dita não há dores de corno
respeitam-se os autores, não se lhes dá bailarico
nem deles fazem adorno.


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