sábado, 4 de junho de 2011

DÁ-ME CEM GRAMAS DE CAMÕES MAL PASSADOS?

 A angina de peito dos templos
Pouquíssimos leitores têm lido o post que coloquei sobre o Pina, um número que me permite observar que só amigos e portugueses têm sido curiosos em relação às baboseiras que eu possa ter dito sobre o vencedor da última edição do Prémio Camões.
Os meus amigos brasileiros e moçambicanos têm campeado pela ausência. Por um motivo simples: ninguém conhece o Pina.
Há uma boa razão para isso: o Prémio Camões vale zero, ou como se diz no Porto, a terra do Pina, vale um caralho! O resto é a pimpinela escarlate das embaixadas.
Em 2001 eu já o tinha verificado, in loco!
Desloquei-me a S. Paulo para tentar arranjar um parceiro comercial para a minha editora, Íman Edições, e ao mesmo tempo armei-me em agente de três ou quatro escritores portugueses, recomendando-os vivamente: a Maria Velho da Costa, o Armando Silva Carvalho, o José Amaro Dionísio, e, entre os novos, o Gonçalo Tavares… Não ia incumbido, mas à primeira desembainhava a minha carteira de nomes. Entre outras, refiro aquelas editoras com quem mantive contactos mais particulares e de empatia: a Hedra, a Iluminuras, e a Escrituras. Sobretudo a Hedra e a Iluminuras eram dirigidas (são-no ainda, suponho) por gente gira, que ama os livros e a literatura. Ora, com todos acontecia o mesmo: a Maria Velho da Costa tinha acabado de ganhar o Prémio Camões, e então eu punha em cima da mesa o livro que escrevi com ela (Inferno, três guiões para cinema sobre o Camilo Castelo Branco, visto sobre os prismas do dinheiro, do amor e da escrita) e tentava vendê-la; não só lhes era absolutamente desconhecida, como ninguém sabia o que era o Prémio Camões. O eco das embaixadas e das instâncias da famigerada lusofonia não chegava aos ouvidos de quem lidava e trabalhava com os livros. E está tudo dito.
Em Portugal há algum eco do Prémio Camões – no Brasil o seu efeito é nulo. Em Moçambique também. Sai uma noticiazita do prémio e acabou – desta vez nem isso vi, pois ninguém conhece o Pina.
E não há edição local de qualquer livro ou antologia dos (anteriores) premiados, i.é, não se aproveita o Prémio para olear um circuito entre autores e mercados, o Prémio não serve para porra nenhuma.
Ou antes, na exaltação provinciana do costume, em cada um dos países, só há embandeiramento do arco quando cai num dos da terra.
A lusofonia é isto: um pátio enlameado por séculos de desqualificação mútua. E enquanto Portugal não entender que quem tem a grande indústria do livro é o Brasil e que o circuito da divulgação terá de abrir-se nessa direcção, o melhor é os escritores portugueses dedicarem-se ao tráfico de gambozinos, que parece ser mais lucrativo que o da coca.

 

3 comentários:

  1. Estou muito longe dessa realidade, mas ainda bem que há quem no-la divulgue e nos abra os olhos para mostrar o caminho... Gosto mesmo do seu blogue!

    (um) beijo de mulata

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  2. Perdão por não ter dedicado atenção ao seu post anterior, sobre o Pina e o prêmio Camões. Sempre passo por aqui, admito ter começado a ler e deixei o post a meio caminho. Mas confesso que suas reflexões neste post, o que ora comento, são surpreendentes. Sua concepção de lusofonia é um achado. E está correta a apreciação sobre a Iluminuras.

    Abraço.

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  3. Olá Cabrita,
    Para não variar, assino em baixo sem acrescentar nenhuma vírgula. Nunca melhor definido o actual cenário. Cabe mesmo perguntar se, no caso da “Lusofonia”, a língua reúne ou separa. É bem certo essa urgência de abertura dos escritores portugueses ao mercado brasileiro. Seria salutar que o percurso inverso também se desse. Mas o cenário actual é desolador. Num recente artigo do El País, que fala da obra do João Paulo Cuenca, citam uma frase do Valter Hugo Mãe a propósito de uma coleção de autores brasileiros que ele tentou introduzir em Portugal e que, claro, acabou sem glória: “Yo intente difundirlos y casi me arruiné”. A programação-lixo que Portugal importa da Globo teria uma palavra a dizer nesse debate, já que alimenta o preconceito do "gigante sem cultura", apto apenas para entreter. A abertura brasileira à cultura portuguesa também não é das mais animadoras, pelo contrário. A televisão brasileira, regra geral (i.é., aquela regra que fundamenta audiências) gosta de manter a imagem de um Portugal anos-sessenta. Mostrar mulheres que ainda utilizam o véu e o bigode insufla o país de um orgulho inconsciente (“vejam lá como está o nosso antigo opressor”). E claro, com cada um apresentando as misérias alheias, o diálogo de cegos prossegue e a literatura se ressente. Enfim, a (boa) literatura não cabe neste jogo de forças e, como bem dizes, de desqualificação mútua. Pelo menos para já. Um blogue como o teu, capaz de reflectir sobre Leminski, Manuel António Pina, Herberto Helder e João Paulo Borges Coelho numa mesma semana é uma pedra no charco, mas ainda coisa excepcional. E, de permeio, ainda escreves coisas magníficas, como a que se segue, partindo do Breyten Breytenbach. A malta e a galera agradecem.
    Abraço, Nazir

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