de Hokusai, para ser lida ao som de Vox Balanae, de George Crumb |
para o Rui Lopes Graça e o João Lucas
1
Incrustada em deus
como a bainha da sombra no meu passo
ou a canoa
na água que a deflagra.
O espelho deserta da tua face,
palpa
no declive d’água
a agoniada extensão da luz.
Rema, o teu braço é o veio
movente do teu corpo -
a porta
de que só deus tem a chave.
Livra-te de que ele a abra!
Rema!
2
Que tumulto me atou
veia a veia
ao bordejar do Índico?
Suspenso pelos ganchos da transparência
que me vincam na carne
os amiúdes passos em falso,
remo.
Há quem cante, que alívio
saber que há quem
resgate da cinza
o cisne.
Rema! Rema!
Segue a luz que s´enrola
para dentro: talvez a onda
volte à nascente,
pelo âmago da corrente,
aí onde o ouro
desemboca do fundo.
3
Há flautas na água?
Claro que há flautas na água!
E ouvem-se as gaivotas,
mungidas
pela lembrança dos roseirais.
Mas quem selou o sonho,
um lugar
que anilhou nos pés
a onda perfurada de visões?
É ainda ele, no tanto que perdeu?
Não percas o ritmo!
Dança,
sentado no banco,
deixa que as tuas pernas paralelas pulsem
e convirjam no esquecimento
da onda:
vê e apressa-te,
o que sobe desce,
no oco da flauta já ressoa a timbila,
dança com o teu remo veloz!
Isso, contagia a luz!
4
Incinera-se dentro de ti
a onda,
é já um toro de madeira
exposto ao ígneo vendaval
da memória.
Rema,
antes que se esvaia,
o teu ponto de ancoragem:
só no seu desenho
se esvanece
a férrea moldura do presente:
do modo febril que a árvore
perscruta na mínima fímbria
de ar
sinal da ave,
ausente.
rema e rema, dança e rema.
Isso, contagia a lua!
Alucinante!
ResponderEliminarIncinerar por dentro é um achado poético e tanto.
Adorei :)
Essa grande onda tragou-me... ao som de Vox Balanae, de George Crumb, contagia a alma!
ResponderEliminarBelíssimo! Bjs
contagiar a luz. Palavras ousadas que caem como água sobre pedra, ramificando-se em gotas. mais do que palavras, movimento. belo poema.
ResponderEliminar