Está decidido. Se conseguir arranjar uma alternativa – e será o trabalho dos próximos 2 meses – não darei mais aulas. Por desmotivação absoluta. É algo que adoro fazer – e que a avaliar pela reacção dos alunos em várias disciplinas, escolas e cursos, não faço mal. Eu é que estou demasiado impaciente.
Quando se dá aulas na universidade, o sonho secreto é ver crescer um pequeno grupo de alunos, que o debate com eles potencie a vivacidade de um pensamento que se torna pensante, no avesso da maioria que age como um banco de corais a branquear por entre caudas de tubarão. Que as suas dúvidas e questões nos ajudem a melhorar, e nos aportem ao inesperado.
Um bom professor quer ser interpelado, desafiado, deixado a gaguejar numa clareira nova da floresta; surpreendido pelo rasto incandescente de novas aporias. E para isso necessita de ter alunos para quem o saber, uma fome de saber, é mais importante que a formalização do canudo.
Não me tem calhado. Nem leitores, nem jovens capazes de converterem uma curiosidade emergente numa paixão que sidera; nem quem ame a linguagem ou o conhecimento acima do estritamente suficiente para se distinguir dum frigorífico. Rigorosamente nada. Tanto azar cansa.
Para além disso, quando cheguei a Moçambique os alunos que apresentassem um trabalho picado da net conhecia uma penalização. Hoje 95% dos trabalhos são “copy/paste”, puro simulacro. Na maior parte dos casos, nem sequer aproveitaram para ler a informação que desviaram. Estudam por delegação.
É o novo estado das coisas: formam-se doutores por delegação. Se fossem cirurgiões confundiam o fígado com o pâncreas, e se engenheiros uma empena com o reumático do avô. E esta crosta de mentiras está instalada em nome dos Objectivos do Milénio.
A mim é que custa cada vez mais preparar aulas para alunos obscenamente desinteressados e que estão convencidos que quando precisam vão à net. Como se a cognição fosse uma dentadura postiça e a aprendizagem não exigisse que de antemão se aprenda a aprender, uma impregnação. Mas que fazer se já ouvi a Mamã Graça (como é aqui chamada a viúva de Samora Machel e actual esposa de Nelson Mandela) afirmar preto no branco que daqui a 50 anos África vai estar na crista do desenvolvimento mundial porque hoje todo o conhecimento se encontra na net, era só ir buscá-lo. E como relatar a minha dor ao ver um auditório de professores, reitores e alunos a bater palmas, ululantes, em capciosa decapitação? Como é que não entendem que há um fosso entre saber carregar num botão para activar a máquina de lavar roupa e saber desmontá-la e montá-la de novo?
Aterrei em Maputo com a vontade de ser útil. Mas que fazer se a minha utilidade é considerada supérflua e sobretudo se o saber não é considerado um tablado para a alegria? Tenho de ir pregar a alegria para outras freguesias. O santo António alegrava os náufragos, ressuscitava-os. Eu, se as minhas filhas me perguntarem, a que tipo de peixes pregas tu, não saberei responder. Só sei que são tristes e engravatados desde a alma, só sei que vivem por delegação, estudam por delegação, amam por delegação, que só se entregam a sonhos de penhora (o que eles se pelam pelo crédito bancário), ou à clorofila do Partido (um credito delegado), e que não amam nem a filosofia nem a natureza. Os carros sim, uma boa bomba, ó la lá.
Ainda por cima se ganha tão pouco! C’est fini, c’est Capri! Pelo menos nesta modalidade de alugar o conhecimento para gente sem um tostão de brilho no olhar. Propus no Camões e eles aceitaram um Curso Livre de Filosofia e Arte, dos gregos até a actualidade, para ser dado em vários módulos. Estou entusiasmadíssimo. Ali só se inscreverá quem de facto queira ser intoxicado.
Sinto-me como o Lino Ventura, que após anos de uma batalha judicial nos órgãos competentes, voltou a ter uma erecção.
inscrevo-me no curso (não é caro, pois não?, é que "se ganha tão pouco" ...
ResponderEliminarAntónio! Permita-me fazer das suas escrivinhações um "copy/past", para poder respirar de alívio... afinal não sou sozinho que sente que empreitada de ser professor universitário em Moçambique não é nada fácil. A Graçca Machel tem toda a razão, se a aposta é formar para as estatísticas hipotecaremos o desenvolvimento de um continente.Anda todo mundo tonto com os consecutivos saltos quânticos que as novas tecnologias nos impoêm diariamente.
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