segunda-feira, 6 de junho de 2011

BANDEIRINHAS, HINOS E PRECEITOS



Ontem, depois das eleições terem demonstrado que quem ganhou foi a abstenção, tivemos o discurso de vitória do candidato do PSD, Pedro Passos Coelho, e aconteceu aí algo que me pareceu sinistro.
Gritou-se, Portugal, Portugal, seguiu-se uma espécie de congelamento temporal e de repente, de forma uníssona, como se tivesse sido ensaiado, toda a gente desatou a cantar o Hino nacional com a forma mui respeitosa com que um peão admira de esguelha o Rei no tabuleiro de xadrez e, antes mesmo de pensar no que há a fazer, já estica o peito para a condecoração.
Não me lembro de nas últimas décadas ter assistido a uma bacoquice assim. Para mais indevida, a vitória era do PSD, um partido, e não era ainda um acontecimento de Estado. Apropriaram-se do Hino, como se houvesse uma simbiose entre a Nação e o Partido.
Toda esta retórica antiga, pesada, anacrónica, me assusta porque me remonta à Mocidade Portuguesa e aos rituais que felizmente não cumpri. Tinha acabado de escrever que me deixava apreensivo o hieratismo de Passos Coelho mas não esperava sentir que se regressava aos tempos antigos.
Preocupa-me o país essencialmente porque me preocupam as pessoas, em primeiro lugar, depois o futuro dos meus filhos em segundo lugar, e em terceiro o futuro da língua – se, afinal, voltamos aos procedimentos que, pelo uso intensivo e abusivo dos símbolos, ancilosam a articulação desejável entre linguagem e pensamento.
Cantar o Hino nacional, num festejo partidário, equivale a antecipar uma unanimidade antes de ser merecida, e esta arrogância é arrepiante. Esta arrogância é a de quem se sente capaz de fazer tudo para manter o país na ordem, a consciência no redil.
Para além disso, a promessa de cortar a eito nos Ministérios, reduzindo-os a 10, para cortar nas despesas do Estado, parece-me resultar de uma lógica redutora que julga ter no x-acto a sua panaceia milagrosa.
Esperemos para ver: se nesses dez Ministérios, um for dedicado à Ciência - à sua educação, divulgação e investigação - e outro à Cultura, então sim, teremos uma visão de futuro. Se a Ciência e a Cultura não tiverem direito a Ministério, é de temer os anos que aí vêm e isso será sinal de que a demagogia e a propaganda vão avançar noutras direcções mais perigosas.
Sou o primeiro a esperar ansiosamente que o Passos Coelho me surpreenda positivamente.
Uma última pergunta: o Louçã, como o Sócrates, não devia apresentar a sua demissão, ou continuaremos a aturar os seus esgares até à extinção final do BE?

5 comentários:

  1. Frase da noite do Louçã no anúncio dos resultados do BE: "Uma esquerda que não desiste, não quebra, nem verga". Mas que perdeu, digo eu...

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  2. Essa do hino também me ficou atravessada...
    Sinistro sim e ainda por cima embrulhado em bandeiras nacionais, isto já começa a ser demasiado habitual por aqui. Não dramatizo... mas é pelo menos de mau gosto. Tu estás longe, António, mas é isso mesmo...

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  3. O Sócrates ia inaugurar escolas com crucifixos na parede da sala de aulas e os padres a benzer e os meninos a cantar... de Magalhães na mão, tipo o livro vermelho do Mao, em louvor de Sócrates, o adorado Líder...
    Cada um faz as suas encenações. O que me parece é que andamos demasiado presos às imagens e não conseguimos ver para além delas; iludidos por discursos congelados do estilo de regresso ao passado, etc. É tempo de clarear.
    Abraço,
    Carlos

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  4. A confusão entre Estado e Partido é crónica nos partidos de poder em Portugal (e sê-lo-á igualmente noutros recantos do mundo meio-civilizado). Se o rapaz for poupadinho e não tiver demasiadas ideias de fazer obra para ter o nome de uma rua ou uma estátua na Praça das Flores, já não é mau.

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