quarta-feira, 29 de junho de 2011

PRESS RELEASE


CONVERSA DE ANTÓNIO CABRITA COM O SEU GATO
SOBRE O CURSO DE FILOSOFIA E ARTE
NO INSTITUTO CAMÕES, DE TANTOS A TANTOS
(INFORME-SE HOMEM, A CURIOSIDADE É O PRIMEIRO PRATO!)

Refila o Sebastião:
- Não sei se gosto do nome que me deste… Sebastião.
- Sebastião era o nome dum jovem rei português que perdeu uma batalha tendo com isso levado a que Portugal perdesse a independência durante 60 anos. Mas como o seu corpo nunca apareceu pensava-se que esse rei voltaria para libertar Portugal num dia de nevoeiro. Ora, como a ti, meu gatão, também ninguém te ouve chegar, parece que chegas sempre envolto em nevoeiro.
- Então porque não me deste o nome de Bruma? Sempre era mais inventivo.
- Tens toda a razão, é esta mania da antropomorfização, chegou-me com os gregos. Os gregos davam a tudo as características do homem, até aos deuses…
 - Só me falta dizeres que eles inventaram os seus próprios deuses?
- Ah, já sabias?
- Não posso, é verdade isso?
- Para muitos estudiosos sim, os deuses gregos eram projecções das qualidades ideais dos homens, formas de interpelação de cada um de nós com o melhor de si representado numa figura, mas os africanos também fizeram isso…
- Aldra…
- Estás-me a chamar aldrabão? O animismo africano é uma forma de antropomorfização, vê como nas histórias tradicionais africanas o coelho, o leão e o elefante falam e reflectem os problemas dos homens…
- Eu não tenho nada a ver com gregos.
- Estás enganado. Muitas das histórias orais de Cabo Delgado são iguais às fábulas de Fedro. Ora, os macondes não lêem grego. Nem os gregos a língua dos macondes. Ou essas histórias chegaram aqui por contágio, ou os homens em qualquer lugar, face aos mesmos problemas, oferecem respostas semelhantes com uma variação mínima. Na verdade temos todos os mesmos números de ossos. E por isso cada ateniense é um maconde potencial e vice-versa.
- Mas porquê um curso de filosofia?
- Se, contra qualquer bom senso, eu me ponho a atravessar a estrada num momento de grande fluxo de trânsito é porque decidi primeiro que a vida não vale a pena sem o risco, e resolvi enfrentar o destino, o que os antigos chamavam Fatum. É um jogo, onde enfrento o inevitável. Sem saber estou a encenar o começo da Tragédia. Em todas os nossos gestos do quotidiano, em todas as nossas acções existe uma escolha onde damos um significado à nossa narrativa, e nisso, sem o sabermos estamos a questionar o que está para a trás, as causas, e a abrir um novo espaço de virtualidades no futuro. Isso é filosofia…
- Balelas, se quero atravessar a estrada nessas condições é apenas porque estou com pressa.
- Ora enganas-te. Não existe a pressa, existe apenas a adequação do ritmo ao acontecimento, e isso chama-se o Kairos, como na parábola da figueira no Novo Testamento. A figueira não amadureceu a tempo e quando Cristo passou por ela não havia figos e por isso ela perdeu aí o encontro com o numinoso, que era como os antigos chamavam ao Sagrado, e perdeu a sua Salvação. Se tu atravessas a estrada com demasiada pressa, sem te ajeitares ao ritmo do fluxo podes ser atropelado, mesmo que vás com pressa tens de coordenar com a ocasião… esta sincronia é também uma chave filosófica, só que tu não sabias.
- Hum. É isso que vais ensinar?
- Transmitir, ou antes: insinuar. Ensinar não é possível. Não é possível transmitir a experiência do sarampo pelo telefone. É preciso estar infectado com o sarampo para compreender. Mas enfim, tenta-se…
- E porquê a arte?
- A arte é o que faz a um gato parecer um tigre na sombra.
- Queres tu dizer que sou um tigre?
- Eu acho que és um tigre que sonha que é um gato.
- Já me estás a confundir.
- É bom estares confuso, é dessa nuvem que saem as luzes.
- Eu cá quero ver tudo claro.
- Erro, ver claro vêem os cegos, os outros aprendem a discernir… É aí que tudo começa.
- É caro o teu curso, no Camões?
- É quase ao preço da chuva, é um Curso Livre. Esse quase que se paga é o que dá dignidade à chuva. Mas é barato, para poder ir quem quer ser infectado.
- E qual vai ser o prato?
- Cem gramas de Pitágoras, duzentas de Platão, uma pitada de Aristóteles e para a sobremesa Plotino com banana frita. E tem imagens e filmes à mistura.
- E africanos, não falas de africanos?
- No quinto módulo, aí é só África. Do Egipto até ao Achille Mbembe.
- Hum, não sei se vou.
- É pena, vai ter gatas.
- Gatas?
- Onde há filosofia há o Eros, o elo da atracção mútua. É o que o Platão ensina no «Banquete».
- Hum, isso não te dá fome?
- Vamos lá então ao nosso pequeno-almoço. E dou-te um brinde para ruminares com a torrada, é do Heraclito: «aquele que não espera pelo inesperado, não o verá chegar».

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