terça-feira, 21 de junho de 2011

INTERVALO FLUIDO: COMO NADARÃO AS RAPOSAS?

matta, 1973
Já estão do outro lado do mundo, os bons amigos que fiz nas últimas três semanas, o coreógrafo Rui Lopes Graça e o pianista e compositor João Lucas. Passámos uns dias de intervalo fluido, com um fiozinho de álcool e de budismo à mistura e de muita partilha de gostos e risos. Fico mais pobre, fico mais rico.
Fizeram um espectáculo notável e honestíssimo com a Companhia Nacional de Canto e Dança, Gold, que eu fui acompanhado em ensaios, conversas, por dentro das expectativas e tensões habituais a um processo destes, e foi gratificante ver o espectáculo crescer de dia para dia e ter a oportunidade de assistir a como é que o camelo passa pelo buraco da agulha. É sempre um salto quântico o que leva um espectáculo de uma véspera desastrosa a um limiar da alegria.
Mas sobretudo gostei deles. Tínhamos algumas sedimentações em comum, e até amigos, ainda que em fases diferentes da vida pois eles são cinco anos mais novos que eu, e para o que diferíamos reservávamos a escuta e a atenção paciente.
Inclusive tiveram a delicadeza de ir assistir ao primeiro concerto da Luna e do seu violino-cor-de-violino, generosidade que muito me tocou.
No essencial, aos 50 anos, quando pensamos que já se torna difícil fazer novas amizades, foi extraordinário a vida regatear e demonstrar-me que não só isso é uma balela como também que há bons motivos para continuar a admirar algumas pessoas.
Eu deixar de ser capaz de admiração seria como se me tirassem o pipo – estão a ver um tipo aí esgazeado pelos ares?
Admirar dá-me chão, limite, e orientação. Eu fiquei a admirar aqueles gajos, sei lá, os gajos são bons e são gente. 
Desde ontem que só ouço Thelonius  Monk, é quase sempre assim que me despeço. Gostava que cá estivesse o Carlos Alberto Machado para eu beber um copito com ele e falar-lhe dos meus novos amigos. Mas ele também deve andar desorbitado lá pelo Pico, a ver se alguém lhe segura o pipo.
É doido o Monk, está sempre a ir para a esquerda quando o esperamos à direita.
A despropósito.  Acabei de ler o Éloge de l’ amour, de Badiou. Diz o filósofo: «O amor não é, a bem dizer, uma possibilidade, sendo antes a travessia de qualquer coisa que podia aparecer como impossível».
Como eu a nadar mariposa aos olhos dela, ou a nadar crawl aos olhos dos amigos. Eu que só nado à cão. Como nadarão as raposas?

8 comentários:

  1. As raposas também nadam à cão, António.
    Abraço

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  2. Pois, e em que estilo, sacrista? Será de bruços?

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  3. as raposas, simplesmente...se deixam levar pelas correntezas!!!

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  4. O Thelonious Monk diz-nos tudo o que é preciso em faltando outras evocações mais tangíveis. Tens o meu ressentido apoio, agora que tanta falta me fazes para comentar os pequenos descalabros da montagem lisboeta, mau grado a tutela simbólica do velho zarolho. Enfim, a superbock sempre é mais económica, o que também não é pior como cômputo geral.
    Amanhã vou gravar as músicas, para a eventualidade de a coisa prosseguir e de se proporcionar o respectivo phonograma. Serás óbviamente o primeiro destinatário. O verdadeiro honorário.
    Lisboa está quentinha, às seis da tarde um vagabundo muito velho urinava com placidez em frente à porta do hipermercado. Dei por mim a sorrir perante tamanha familiaridade.
    Maputo rules

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  5. Se tiveres vagar dá uma espreitadela
    http://avidatranquila.blogspot.com/

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  6. Estou à espera de um convite (e de umas palavrinhas no e-mail...). Saudades. Abraço

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  7. O Monk ao piano é como uma criança anciã a recriar a cacofonia das cidades. Também gosto. E curiosamente ainda hoje me chamou a atenção esse espectáculo, que vai ser apresentado no Camões, se bem me lembro. São estas coisas que me fazem pensar que está tudo ligado. Ah, e que os deuses nos livrem do vazio de não termos a quem admirar, sem dúvida. Não deixa de ser uma capacidade. Será que ainda há bilhetes para ir à dança?

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  8. sim havia bilhetes no Camões, para a sétima fila e ao centro. E lá andavam, em plácida passeata à beira Tejo, o compositor e o coreógrafo, a quem tive ocasião de contar que fios condutores ali me levaram. Cruzo-me frequentemente com o Rui no conservatório. Ambos temos lá crianças aprendizes. O que vi, ouvi e senti ficará gravado nas memórias da essência. Saí dali a transbordar de gratidão.

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