sexta-feira, 1 de abril de 2011

DOIS VERSOS DE MONTALE SALVAM-ME A MANHÂ

matta, bouche en fleur


Dois versos de Montale: “as tuas palavras eriçavam-se como as/escamas do salmonete moribundo”, salvam-me a manhã.
Para quem como eu gosta de palavras como de peixe, esta conjugação é uma festa anunciada. Porque de sempre é mais fácil arranjar peixe fresco que palavras sem ranço, que acordem uma relação.
As palavras estão contaminadas pelo amoníaco, tornaram-se pesadas, objectos isolados em vez de pólos de relação: isto é, as palavras transcrevem, representam, mas já não exprimem.
E por isso quase tudo o que se escreve é tocado pelo veneno malsão da inactualidade, enquanto estes dois versos de Montale, a cada leitura, nos devolvem a agonia do peixe vivo - estamos a vê-lo e a adivinhar as palavras à janela, a gritar: socorro!
Estes dois versos, aparentemente tão tétricos, abrem um âmbito novo, uma tubulação entre as palavras, por onde se renova a energia e algo se reacende aí, intacto, matricial.

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