rodney smith |
Eu, que tanto snobei e denegri, e que inúmeras vezes julguei espantar a cobra com vergastadas de pau, chego aos 50 com a mola da competição absolutamente avariada.
Hoje faz-me espécie o modo como os escritores se desqualificam, obcecados por rumores inexistentes e em nome duma pureza que só dissimula uma caucionada arte de trepador. O parceiro do lado é sempre mais literato que nós, que somos a única liga genuína na pernaça da Musa.
Sempre admirei, mantive e mantenho modelos em reserva e talvez isso me tenha desincentivado o gosto pelo sangue. Eis-me vegetariano.
Ainda há um ano quando andava imerso na escrita de A Maldição de Ondina e bradava aos cinco céus que era a melhor novela da década, uma noite resolvi tirar teimas e reler O Deserto do Le Clézio, só para comparar (nos itens técnicos, rítmicos, e efabulatórios), e a manhã apanhou-me acabrunhado e com umas olheiras tremendas; e perguntou-me o Rogério Manjate, «e então?», e respondi-lhe, «o gajo deu-me 6 a 0». E com um score tão negativo só me restou voltar à reescrita do livro, aos treinos, e já meti três golos, talvez um dia chegue o empate – mas o importante é o sentimento da proporção que nos pode afastar da lisonja e da auto-satisfação, pois isso é que fermenta o bolo.
Não se entende a inveja e o ciúme entre os escritores. Que a Maria Velho da Costa tenha uma extensão lexical muito maior que a minha só me encanta porque me indica o quanto há a progredir. Sempre achei detestáveis as caturrices do Vergílio Ferreira, nos seus diários, contra outros escritores em ascensão, ou as guerras (ainda por cima exangues) por satélites entre Gastão Cruz e Joaquim Manuel Magalhães.
Mas mesmo a um nível menos doméstico há exemplos descoroçoadores: são insondáveis as reservas que o Saramago dedica nos diários ao Paz: «Almoço com Adolfo Bioy Casares (…) Em certa altura falou-se de Octavio Paz e encontramo-nos todos concordes em não gostar do sujeito.» (1 de Abril de 94), e, simetricamente, lembro-me dum círculo que frequentei alguns anos, com passarocos de peso (Herberto e companhias), em que, por influência de Bessa Luís, o Saramago era um bombo da festa.
E eu, alarve, concordava, sem lhe ter lido ainda com atenção a obra. E quando fui obrigado a isso, por questões de trabalho, achei-me diante duma obra de indeclinável qualidade e acima das opiniões que se tenham sobre ela. Tal como a obra de alguns dos seus denegridores o é; pelo que não se descortina a utilidade do dispêndio de energias.
Contudo, o ponto máximo na rivalidade entre escritores talvez esteja na maldade com que Quevedo comprou a casa de Gongora só para ter o prazer de o despejar e de lhe mandar os tarecos pela janela.
Para o mundo dos escritores o mundo é uma pedra de moer que exige uma grande crença para ser locomovida e algum sangue e esquírolas de osso por baixo. E uma idiota rivalidade mimética alimenta muito da energia dessa crença que faz de cada autor um atleta em transpiração sobre a mó, investido da única pergunta irrespondível.
Poucos poetas e escritores conheci capazes de uma generosidade que suplante esta bárbara condição.
Talvez o Al Berto e o Fernando Assis Pacheco.
E é por eles que digo: NOS RIOS GOSTO SOBRETUDO DOS DELTAS.
Estar a mola da competição avariada acaba por ser uma vitória do salutar amadurecimento! Já a mola da generosidade, fortalecida pelo mesmo amadurecimento, faz do sujeito um exímio saltador de obstáculos: ciúme, inveja, rivalidade e Cia ltda.!
ResponderEliminarÓtimas instruções de vôo!
Ler-te me faz um bem!
Beijos, muitos!