segunda-feira, 18 de abril de 2011

A PALAVRA QUE LAVRA RÁ

miró
A palavra crivada de caroços
a palavra quarto-minguante
a palavra que delonga o cheiro
a palavra que desincha o nevoeiro
a palavra que adoça os citrinos
e afunda a algazarra
a palavra que nunca se confessa
a palavra de inúmeros pedúnculos
a extensa palavra… perdão!
a que o meu pai não disse antes de morrer
a palavra que só nas aspas desaperta o colarinho
a que vive no sobrolho da raposa
a palavra que não se enxerga, nem miando
a palavra presa num átimo
que sorveu um lago na Suíça
a palavra abobadada num ovo
a palavra que ilumina por dentro o mel
a palavra que suicida os cemitérios
a palavra chuva, que azula as nuvens
a palavra nítido nulo
a palavra martelada por presságios
a palavra lesionada: dez contra os onze do atrito
a palavra que surripia o arrepio
a palavra que deseduca os figos, fazendo-os cair
a palavra roedora até ao sabugo
palavra que croma o vento
e se aposenta em bolinhas de cânfora
a palavra que assobiam dois incisivos tão separados
a palavra que desopina de modo promissor
a palavra cunhada e amante do cunhado
a palavra que ventila a narina do ácaro
a palavra de hulha que tossiu o mês inteiro
e a que desafinou junto à campa de minha mãe
a palavra que pesquei em Esmirna, na Turquia,
com quatro quilos e meio
a palavra que desorbita a pacatez dos legumes
a palavra que abre a china ao meio
como os polegares a laranja
a palavra desaustinadamente terna
a palavra com duas gemas por pão
a palavra que amo e por decoro nunca pronunciei
a palavra convertida em confetti
e a palavra que lavra Rá

seguem de perto o meu silêncio.

18/04/2011

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