sábado, 2 de abril de 2011

COMUNICADO À NAÇÃO

saudek: as minhas filhas rejubilam com a boa nova
para a estela e o fernando
As máquinas de impressão da Minerva Central foram afinadas para cuspirem, no mais retinto verde alface sobre papel amarelo, vinte mil prospectos a anunciarem que a internet voltou ao lar donde emana o hálito fresco das raposas a sul.
Há dois dias que não dormem seis jornalistas das rádios locais (duas bem jeitosas, mais uma estafermo, e, entre os rapazes, feiosos todos, o mais dúctil de espírito há dois anos que tenta assinar o seu próprio nome sem um erro ortográfico), destacados para cobrir o acontecimento.  
Há uma carrinha Ford, no parque de estacionamento prédio, atrás da qual de vez em quando assoma o focinho impaciente duma câmara de tv.
O sagui do meu vizinho do sexto julga que é para ele e há dois dias que se senta no parapeito da varanda e se masturba à vista de todos.
Há vinte e quatro horas que três majoretes descem de pára-quedas para abrilhantar o acontecimento, e já mostram olheiras fundas sob a maquilhagem (aqui nem a distância entre a terra e o céu é normal).
Nesta espera, os paparazzi já engravidaram a empregada do quarto esquerdo e a do nono frente.
O Mia Couto assegurou-me que marcaria presença. Garantiu-me que nem os sete andares sem elevador o demoverão a vir manifestar a sua solidariedade, palestrando da minha varanda.
O ministro da cultura aproveitou a ocasião para lançar uns Jogos Florais, a que chamou “Rosa com o fôlego dum dedal à chuva” e prepara um discurso em hexâmetros.
O PCA (director-geral) da TDM, preocupado por não saber que cabeça rolará por este mês e meio de desnorte total, anda a xanax, e há uma semana que sonha com a Rainha de Espadas do País das Maravilhas. Para mais, disseram-lhe que o seu cargo já foi oferecido a Kadhafi.
O administrador do prédio, apreensivo quanto à possibilidade dos técnicos da TDM terem vindo ao prédio e desistido por causa da avaria do elevador, já me pediu desculpas em ronga, bitonga, shangana, inglês… e promete-me para amanhã excusas em latim.
O antigo presidente Chissano prometeu-me cinco cabeças de gado para me compensar dos prejuízos, e o rei da Suazi mandou-me o catálogo das suas esposas para eu escolher duas.
Está tudo a postos. Só falta a brigada técnica que me reinstalará telefone fixo e net em casa. O diagnóstico está feito.
Na quinta-feira passada, após duzentas chamadas para os serviços técnicos da TDM, desloquei-me lá pela quinta vez em duas semanas e desta vez entrei aos gritos, ameaçando-os de artigos no interior e no exterior do país e de acções punitivas, entre elas as que cabem ao meu 4º dan de karaté. Receberam o meu ânimo num silêncio culposo e o chefe dos operacionais prontificou-se a acompanhar-me imediatamente para realizar o diagnóstico técnico da situação.
Pelo caminho, contou-me que fazia o mestrado em Ciências Sociais, com o tema “Co-habitação e Desenvolvimento”, o que me pareceu promíscuo.
Lá subiu abnegadamente as escadas e depois de muita apalpação de fios, caixas, terminais, entradas e saídas do computador, concluiu: “a linha do telefone está avariada e por isso não lhe chega o sinal”, num remate de bacharel e não de mestre. Prometeu contudo “mover diligências” para uma brigada me vir reinstalar a coisa em casa na sexta.
Faltaram.
Porém, hoje de manhã, sábado, recebi um inusitado telefonema do técnico que estava indicado há várias semanas para vir observar o problema e que se justifica dizendo que me tentara telefonar cem mil vezes sem ter conseguido ligação, perguntando-lhe eu então pela origem do motivo sombrio que me levara naquele mesmo instante a atender-lhe o telefonema :“diga-me, meu amigo, a que curandeiro foi?”. É um excelente sinal, para a prática bantu em que nada se fala directamente sendo tudo convertível em condutas, sendo uma forma de pedir: “brada, estou à rasca, não aperte mais o chefe…”. É um excelente sinal
A minha net está voltar! Pode levar uma semana, quinze dias, mas algo se move.
A gente sente-o em casa, e até a imprudente da minha empregada já mandou distribuir garrafas de champanhe pelos profissionais da comunicação social que aguardam lá fora o grande acontecimento. Rezemos para que não esteja tudo bêbado quando chegar a hora. Ainda por cima lá fora o calor puxa à pinga.        

2 comentários:

  1. ehpá, num dia sintrense chuvoso e meio triste tu arrancaste de mim umas quantas gargalhadas... mas olha que por cá, tirando algumas nuances as o mesmo podia acontecer (e ao invés do mia couto talvez viesse o josé peixoto...). estas crónicas dão do melhor!

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  2. blimunda, bem vinda aos calores do sul.
    não sei se o peixoto subiria 7 andares por causa do peso dos pianos. bj. cabrita

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