sábado, 16 de abril de 2011

ARTIGOS DE PAPELARIA

sudek
BIC
É a milionésima bic que compro
desde o princípio do ano. Vermelha.
Muito rapidamente esgueirar-se-á
para lugar incerto como uma galinha
receosa de ser decapitada.
Haverá um inferno para as esferográficas
desaparecidas? Quem ou quê lhes pega,
mudando-as para o hangar das coisas invisíveis?
Verdes, azuis, pretas, vermelhas – o impulso
é o mesmo, extraviarem-se antes
que alguém lhes empreste um sentido,
a perna de um cão, a impalpável radiação
de um oximoro. Serão os «meteoritos do espírito»
de que falava o Artaud? Adestram o pulso
e depois ao menor movimento
de uma sílaba que as ameace elevar
à condição da música dão à sola.
Isto para poetas menores como eu,
para outros até o seu desaparecimento
é divino: Bic,bic,bic, bic cristal.

BORRACHA ERASER
Com uma borracha Eraser o tempo
apagou a ava gardner, a janis joplin,
a hilda hilst, com quem eu subiria
três vezes em todos os elevadores
de Manhatthan, o tempo apagou
as gencianas que havia num poema
de d.h.lawrence e os beijos-de-mulata
naquele canteiro da Malhangalene
que agora se amodorra numa tonelada de brita.
Com uma detestável borracha Eraser,
o tempo apagou o teu nome
de todos os meus cadernos e deslaçou
o meu rosto do teu sistema arterial.
Nunca mais compro esta merda. 

X-ACTO
Desenhar um baile de Catarina
da Rússia na casca de uma laranja.

RESMA
Dá-me um quilo
de anagramas
em sangue?

LÁPIS
O lápis é o champanhe da grafite
- dizem. Eu mantenho a minha
de que são os lanceolados ovos de Deus.
A Laika levou consigo na aeronave
um lápis - um utensílio anti-gravidade
ao contrário das esferográficas - e vários
blocos A4. Mas não consta
que tivesse deixado relatório e o lápis
apresentava desvairadas marcas de mordidela.

CADERNO
Na verdade, não vivo em função
da verbalização de todas as minhas experiências
– enlouqueceria rapidamente nisso.
Acho até estranho que haja pessoas
que consideram impossível não pensar.
Eu não penso, a maior parte do tempo
estou em ponto morto,
como o arquitecto a quem a luz devorou.

SALDOS
Ao lado da papelaria entra-se
para um anexo e um cartaz indica:
“vendemos cabelos brancos do Brasil”,
e: “vendemos em saldo sanitas avariadas”.



3 comentários:

  1. As esferográficas me tratam com desprezo também, Cabrita. Mas, no meu caso, por influência de más companhias: isqueiros e, principalmente, guarda-chuvas. Estes são os de pior caráter, porque só os perco e jamais consegui achar um. Esferográficas e isqueiros, de vez em quando acho um(a), embora nunca um(a) que me tenha pertencido.

    Óculos se parecem com esses três, mas é mera ilusão de ótica. Tenho sempre cerca de uma dúzia deles em casa. De repente, somem-se todos. Se acho um par, porém, ou mesmo um caolho, basta levá-lo(s) ao(s) olho(s) que logo aparecem todos os demais.

    Já com os guarda-chuvas, por exemplo, assim não acontece. Mal chego à rua em dias chuvosos, os passantes se apressam em me levar aos olhos as barbatanas de seus guarda-chuvas. E, estranhamente, isso não me faz achar sequer um dos milhões (talvez um pouco menos) de guarda-chuvas que perdi.

    Enfim, são todos eles seres de natureza complexa, doentia, frutos mimados da tecnologia moderna. Televisores, geladeiras e computadores, que são gente mais tosca, raramente os perco.

    Abraço

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  2. Será por causa dessa FACILIDADE DE PERDIÇÃO que o preço da doidivanas e vagabunda bic é R$0,50 e da Montblanc Jp Morgan Edição Limitada é R$6,600,00, UM EXEMPLAR?! Algo me intriga na saga das esferográficas! Qual será a marca daquela que foi RECOLHIDA pelo presidente checo no Chile? Bic não deve ter sido! rs

    Beijos!

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  3. Não gosto da palavra resma significando um monte de papel...
    Resma é mais forte que isto........

    tem algo que muito mais forte que papéis em branco!


    gostei!

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