quinta-feira, 11 de agosto de 2011

O GRITO

O saque é sempre um acto indigno, mas, como explicava uma jovem inglesa numa reportagem que li, o que está em causa é menos o desvio da mercadoria (no caso dela, uma singela garrafa de uísque, que desfrutava com uma amiga) que «os ricos (metáfora da arbitrariedade dos mercados) perceberem que nós podemos agir».
Ou seja, aquela rebeldia é um aviso: vocês podem continuar a sufocar-nos, a pisar, cinicamente, a nossa dignidade, em nome da regulação dos mercados (leia-se, dos condicionamentos que mantém os desequilíbrios sociais como a primeira das prioridades), mas não esqueçam que a deliberação final é nossa.
ESTE GRITO DA DELIBERAÇÃO É UM TREMENDO ACTO DE REPULSA em relação aos caminhos que a Europa neo-liberal traça. E o saque, afinal, resulta de uma resposta simétrica ao comportamento que os mercados têm tido: é um olho por olho, dente por dentro.  
Não compreender isto é muito perigoso, embora tema que os ricos (só a estupidez é eterna) continuem incapazes de empatia e não sejam socorridos por uma visão moral que galvanize um novo estado social.
Mas se despontar um grama de compreensão, talvez depois do período de distúrbios que se sucederá certamente às tréguas impostas pela presença maciça de polícia nas ruas de Londres - ninguém aguenta muito tempo a sensação de estar entalado sem reagir -, talvez aí, como diria o Walter Benjamin, à barbárie se suceda a civilização e volte a dimensão das reciprocidades a estar na agenda da política.  
Esta é uma das últimas oportunidades.
Creio que o saque de Paris já se anuncia, a cegueira social de Sarkozi está a pedi-las:

«Sempre me quis assoar à bandeira da nação
A bandeira dos que deportaram a minha irmã, que saiu à rua para comprar nozes para o bolo de aniversário da filha,
A bandeira que desfraldam nos tatoos militares, aqueles que mandaram fechar a fábrica de cortiça para inundar o mercado de rolhas de plástico,
A bandeira dos que me crivam de impostos enquanto mister Deluxe comprou um Ferrari com eles,
A bandeira dos que sarcasticamente infernizam a vida do meu filho na escola porque ele não perde o sotaque de rouxinol albanês,
Sempre me quis assoar à bandeira da nação,
É hoje,
Vou levar a chave-inglesa para, no caminho, sacar na ourivesaria da esquina o anel de noivado que há um ano prometi à Miriam e que eles não me quiseram vender a prestações.
Ainda bem que estou tão constipado»          

2 comentários:

  1. Curioso, desaparecu um comentário meu a este "post". E digo curioso, porque era um comentário a contrapelo. O "Raposas..." tem lápis azuis ? Nahhhh!

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  2. so vejo uma solução, volta a malhar. abraço, cabrita

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