A sorte que eu tenho: as minhas filhas ficam lindas de morrer
a dormir. Outras parecerão penedos, as minhas
excedem em muito o brilho que lhes empresta
o olhar de pai. Foi a minha lotaria.
A sua respiração branda bate-me ao ouvido, é a alga
que adere ao molhe no encalço da manhã.
Dorme, a pestinha. Eu espreito de viés
o euronews (baixei o som
para não emudecer os pássaros), e interrogo-me
se ela daqui a uns anos estará envolvida em distúrbios
porque um expert no gabinete, para não desviar
um centavo das suas aplicações na Bolsa,
lhe quer cortar a hipótese de ir
para Viena estudar musicologia.
Como resgatá-la à trivialização do mundo?
Ainda esta manhã me preveniu: «Pai,
a mamã não quer que faças a barba.
Não faças a barba senão depois não há sexi...»
Sexi, interroguei, atordoado,
«beijinhos», rematou numa alta ciência.
A minha filha dorme encavalitada no meu ouvido,
neste mundo tão avesso aos poetas obscuros.
É a economia, estúpido! - garante o outro. Mas
não é, estamos simplesmente a embargar os afectos.
Que saudades dessa casa. beijos para todos
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