la culture, esperando pelo líder que chega de helicóptero |
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Existe uma espécie de zona tampão, de impensado, que permeia a política africana em geral e que torna o futuro um barco à deriva.
De há três semanas para cá que o líder da oposição moçambicana, Afonso Dakhlama, se entretém a atear fogos. E, como forma eventual de forçar a Frelimo e o seu líder Guebuza, a renegociações, AD promete reerguer quartéis e equipá-los com as metralhadoras, granadas e canhões que diz ter escondido. O primeiro quartel vai ser em Manica, diz.
Promete ainda a divisão do país, caso não lhe façam a vontade, e acena com a bandeira das etnias – que nunca fora desfraldada desta maneira.
É extraordinário que em 2011 haja chefes políticos da oposição a terem um discurso deste jaez. É extraordinário o silêncio dos países doadores (responsáveis por mais de metade do Orçamento do Estado) em relação à loucura do auto-proclamado “pai da democracia” moçambicana.
Não chega dizer que nele se percebe o desespero de AD dar conta que, vinte anos depois de ter estado à beira de ganhar a guerra, a Frelimo incorporou quase todo o programa político da Renamo enquanto esta se vê reduzida a uma expressão mínima, ainda por cima por incompetência própria.
Quando AD volta a um discurso de guerra, para afirmar depois que se a Frelimo (que ganhou com 70% dos votos nas últimas eleições) aceitar retirar-se pacificamente, então ele recuará na direcção da legalidade e se encarregará de organizar eleições livres, não se acredita um mínimo.
É esta a tragédia da política moçambicana – a oposição é comandada por um homem irado, refém de si mesmo, destituído de um pingo de formação e de oportunidade política e que, por nunca agir na hora precisa, desata sazonalmente a dar bombardas como a galinhola que quer assustar o leão.
Desta vez são manifestas declarações de guerra. É mais que insinuações.
AD ficou nitidamente entusiasmado com o que se passa no norte de África e resolveu jogar todas as cartadas para uma sublevação popular.
A Frelimo, para além de alguns comentários avulsos, tem sido olimpicamente serena face a tais provocações e à impropriedade dos discursos de AD, que numa democracia ocidental já estaria a responder na justiça pelas barbaridades que profere e o ódio que tem incutido. Confiada que AD faz, como ninguém, o trabalho de seu próprio coveiro. E é exacto, isto.
E, contudo, arrepia perceber-se que o desnorte, os excessos de AD, servem de álibi para não se querer pensar o essencial: um vento de descontentamento varre de facto o norte e há uma geração nova que já não se deixa iludir. Basta andar de chapa e ouvi-los.
Que num país de fome e pobreza extrema a fatia mais generosa do último Orçamento de Estado – segundo o que minuciosamente foi relatado nos jornais, sem um qualquer desmentido oficial - tenha contemplado o crescimento da rede da polícia política, deixando para a agricultura uma magra parcela, dispensa palavras.
O galo de África é os governos formados por gente habilitada para tratar da sua horta mas sem formação para outra escala, outros planos, outras exigências técnicas e intelectuais. E quando a gente não sabe e não se habitua a perguntar rodeamo-nos de oportunistas e bajuladores. A incompetência anda sempre a par com a carência de carácter, apoiam-se mutuamente. E o bem, comum que se lixe. Interessa é como manter o poder.
Entretanto, assusta ver o olhar daquela mole humana que assiste aos comícios de AD: gente com o olhar crispado de quem já não suporta mais a miséria e está disposta a aderir a qualquer rasto de dinamite. Antes ser carne para canhão que nada.
Com tantos analfabetos no país, a manipulação é sempre fácil, para qualquer lado. Eu é que não sei se gosto disto para as minhas filhas e começo a ficar realmente inquieto.
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A visita de Paulo Portas a Moçambique não deu em nada. Isto é, o Ministro dos Negócios Estrangeiros veio afinal pedir contas (sobre Cahora Bassa) e anunciar que, em contrapartida, Portugal já não contribuirá para a ponte planeada em Tete.
Duplamente um desastre. Não perceber que, fosse qual fosse a extensão da crise, havia que convencer a “troika”internacional de que era prioritário e vital para Portugal e o seu futuro nestas paragens não falhar com este investimento em Tete, dá a medida estreita da visão diplomática portuguesa. Pensa-se sempre para safar o amanhã, nunca com alcance.
O dinheiro que se gastaria na ponte voltaria a entrar nos cofres portugueses, ora duma forma directa, através dos ordenados das centenas de técnicos e operários especializados que viriam de Portugal para o projecto, ora duma forma indirecta, mediante as oportunidades de negócios que se abririam, num efeito dominó.
Os dados antes de serem lançados ficaram carbonizados.
Enquanto Portugal, paulatinamente, se deixa comprar pelos angolanos, os brasileiros avançam
por aqui. E fazem muito bem, ou antes, fazem o que lhes compete. Portugal é que se demitiu de ser um parceiro de crédito.
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