A sala onde pela primeira vez ouvi o joao lucas |
JOAO LUCAS, the big one, Don Lucas é um compositão, um músico com poeira cómica nos bolsos – altivo e desarvorado, como todos os que confiam que o dom é também generosidade. Mas o melhor é ouvirem. Aqui. Leiam, ouçam e rendam-se, meus caros.
Eu cá fiz-lhe este poema.
À luz de um coto de vela, embute-se a alba
na brisa nascente; a noite, adivinhando
fissuras na casca do seu ovo, retira-se,
furtiva, cingida ao voo da garça. Já lhe fui
mais apegado, mergulhador em recifes
invisíveis, guarda de bengaleiro
nos bares de atribulação lunar.
Um copo era um farol nocturno!
E não via que a noite é um anfitrião
enlouquecido pela paixão de dissentir,
rato que fosforesce assim que vê águia.
Prefiro agora discernir entre uma esquina
e uma curva, e surpreender o vento
a dar o litro no estofo da floresta. Não
é uma mera questão de estar lúcido,
de estar apto para lhe tactear o recorte, mas
o reconhecimento: a luz é o maior mistério,
um palimpsesto onde se sucedem graus, tons,
rasgaduras e sedas, e sondá-la é um perpétuo
inacabamento. No fundo, não enxergávamos
que a noite é-nos intrínseca, como o bigode
que amiúde aparamos, e que só a luz
nos é dada, decerto para capotarmos
no grau de inadaptabilidade que nos distingue
e supera, até valorizarmos o que por nós
espera para ser crepitação e confluência.
A noite é o Urano que devora os filhos
– imagine-se – à procura de dentes de ouro.
Aspirado pelo peso do seu próprio impasse.
Quem se especializa na noite, no seu íntimo
não descola do plinto da memória,
gargalo que só admite o ensimesmar-se.
Prensa de nuvens, a luz ressalta no clamor
dos meios tons, moldada em chuva,
em áleas de jacarandás, em verniz e fuligem.
A tudo abraça, inclusive o lixo, e na sua extensão
aprendes a venerar o que desconheces.
Não há nisto nada de exclusivamente solar,
de aplausos sem fim, ou de isenção de melindres,
simplesmente a luz abraça o vário, e dança
no meio da turba, ao contrário da noite
que se oculta atrás de uma matilha de sombras.
O que me sussurram, noite dentro, vezes sem conta,
o timbre, os dedos nítidos de João Lucas ao piano.
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