«Quando Proust descreve o seu empreendimento
literário como correspondente a “uma busca da Verdade”, ele não aspira
evidentemente a uma verdade simplesmente subjectiva e acidental (…) Não se
trata, no seu espírito, de um simples modo de falar», diz-nos Jacques
Bouveresse em La Connaissance de
L´Écrivain (pág. 16).
À primeira
impressão, hoje, tende-se a desvalorizar de imediato a pretensão de um
objectivo assim tão desmedido e, dir-se-ia até, tão artificial.
Mas outra
evidência aflora então por detrás desta onda relativista: é que os “cépticos”,
na verdade, não escreveram a obra de Proust, nem têm, na sua esmagadora maioria
o seu fôlego, o seu ritmo, a sua capacidade de introspecção e a sua imensa mão para a
arquitectura.
Desdenham
porque não podem se igualar.
Eu nunca
consegui ler de seguida mais de um dos tomos do La Recherce… por limite meu, porque fico
embuchado e uma vertigem me atravessa. Mas não me atrevo a duvidar que cada
homem ergue o desafio que é capaz de travar.
No caso dele
era infinito.
Daí a reserva
que mantenho sobre a seguinte asserção proustiana: «Tout ce qui peut, dit-il, aider à découvrir des lois, à projecter de la
lumière sur l’inconnu, à faire connaitre plus profondément la vie, est
également valable.» (também citado por Bouveresse, idem), que suponho ser a
fala de uma personagem, pois Proust com toda a certeza intuiu que os mistérios
se multiplicam à medida que nós multiplicamos as sondas – como se verificou no
século XX, quando, paralelamente ao homem ter inventado novos aparelhos de
medida, se foi ampliando o mundo e os seus horizontes, no micro e no
macrocosmos. E o que vale para o exterior a nós, vale para os abismos abissais
da introspecção.
Ou seja, acredito, e não é
apenas um modo de falar, que a Verdade a que Proust ousou querer chegar tem um
perímetro diferente da verdadinha que
almejo vislumbrar mas isso não me desmoraliza porque, ao invés de achar que
vivemos rodeados de simulacros, creio ser verdadeira a experiência de Proust e a sua dimensão topológica, pelo que o seu
exemplo não me faz embater em alguma aporia mas antes me galvaniza.
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