quinta-feira, 29 de março de 2012

MAPUTO’S BLUE

mucavele

- Isto costuma ser apito… só que este não toca… - Explica o vendedor à cliente, que sopra, sopra, em vão, no instrumento.
O vendedor pega então no apito e sopra-o por sua vez, confirmando que ele não produz qualquer som. E num impulso pega em vários outros do seu estendal e sopra-os. Nenhum apita. Repete, então, sem se desconcertar, aduzindo aí mais um bom motivo para a compra:
- Isto costuma ser apito…
Nenhum toca.
Mas ele “vende” apitos.
Vejo esta cena hilariante numa sequência de um documentário sobre uma banda moçambicana que, naquele momento, descrevia a ida da cantora/bailarina da banda ao mercado de artesanato, em Maputo.
A cena seguinte, passa-se noutro lado do mesmo mercado. Um vendedor da batata africana (que segundo a crença popular cura tudo) explica o procedimento:
- Esta batata cura tudo, por exemplo, gonorreia… descasca, põe em água a ferver e toma… se ainda não tiver desenvolvido cura…
Portanto, a acção é preventiva, se a crise não se tiver manifestado e não se manifestar a seguir é porque o doente está curado. Como será uma gonorreia que não se manifesta?
A cantora fez uma expressão de incredulidade, e ele reforça:
- Você, sabe como é que é. Você também faz parte…
Ah bom… crer e jurar em cima do que se crê que se crê na jura é o primeiro passo para o milagre.
Estou-me a rir com a situação e entretanto a empregada do café, do outro lado do balcão, pergunta-me o que quero.
- Peço um café… - peço.
- Não tenho.
- Mas tem uma máquina nas suas costas…
- Está avariada há mais de um mês… patrão não leva.
- Isso, é um estrago… há um mês que o seu patrão perde muito dinheiro…
Ela encolhe os ombros e aconselha:
- Olhe, quer um bom cafezinho, vá ao café novo, ali na esquina, tem só coisas boas, e os bolos não é como aqui…
E vai comigo à porta apontar o caminho para a concorrência.
Apanho um chapa até próximo de casa. São 11h45 e como só tenho elevador às 12h resolvo beber uma cervejinha na Águia Real, um espaço muito amplo mas absolutamente degradado. Bebo o que é comum, uma «média» como aqui se chama: meia litrada. 
Leio e escrevo durante meia-hora, o computador entalado entre a perna e a parede da montra. Pago e saio. Estou a entrar no prédio, duzentos metros abaixo, e dou por uma leveza inusitada no ombro. Corro aflito para a cervejaria, pensando nas centenas de páginas inéditas em diversos documentos, nas aulas dos próximos meses, nas milhentas imagens que uso nas aulas, nos milhares de livros digitalizados que irão à viola. E chego ofegante à cervejaria. Um tipo de ar simpático repimpa-se com um bitoque na mesa que foi minha. E entre a perna laroca dela e a parede, hélas, o computador.
Saio em júbilo e comentam os vendedores do costume – gravatas, sapatos e calças – que vendem em frente à Águia Real:
- Xiii, patrão, tinham guardado?
- Não, estava não-visto
- Ya, patrão… - riem eles -… agora, tem que pagar refresco… - diz o mais afoito.
- Refresco? – pergunto, intrigado.
- Para poder contar… - responde, o esperto. 
 Reclame.
Faço o manguito e desço para casa, assarapantado com a sorte e a vida e atravesso a rua fora da passadeira, coisa vulgaríssima em Maputo, mas sarnar a cabeça de um white é sempre uma tentação e ouço o apito do polícia nas costas.
Ergo a mão em deferência e desculpas. Responde-me ele, ameaçador:
- Multo-te a cabeça.
Apanho o elevador, com o computador ao ombro, entre a mona e o espelho, um sorriso estampado na triste figura, etc., etc.

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