quarta-feira, 7 de março de 2012

OITO PIQUENOS RETRATOS DESENHADOS POR WOODY ALLEN...

para o Paulo José Miranda, um amigo que reencontrei, à memória dos nossos almoços no Palmeira

OITO PIQUENOS RETRATOS DESENHADOS POR WOODY ALLEN NA TOALHA DO CAFÉ ROYAL
1
Desalmadamente redonda, estrábica melancia.
Acena para a empregada e tenta varrer com a língua
o creme da bola de Berlim que lhe esborrata o canto
da boca, antes de se fazer notar, e mimar
em silêncio: traazzz-me o miil-folhas! Depois
volta deliciada a passar com os pomos
dos dedos pelos membros em falta
numa reprodução da Vénus de Milo.
2
A mosca ronda-lhe, erradia, o apêndice
nasal, onde em vão procura rima.
Ali só vespa. Quiçá uma pena de avestruz
com duas bombas-relógios no cálamo,
uma por cada narina. Aspira e a memória
de todo o rapé do mundo treme, temendo
que lhe caiam dos olhos untuosos as meninas.
3
África inteira se admira do tamanho
da cachimónia que sustenta, num esfiapado
equilíbrio, no alto do cocuruto,
o pequeno cofió. Brandos suores.
É um café duplo, pede, a boca em ó,
enquanto a testa se lhe franze
em deliciosos vermes brancos.
4
Bolinhos com sementes de papoula,
cogumelos em salmoura…
o que eu não dava para amortecer
o frenesim da bela trintona
que tem um escorpião tatuado
no ombro, o qual pulsa quando ela ri.
5
Seguiu-lhe com o nariz telescópico
o corpo extensamente perfumado
como se em vagares de tarântula
abrisse todas as gavetas de uma escrevaninha.
 
6
Empina as bochechas no interior da boca
com a língua (lavorare stanca):
o caso é bicudo,
o Arsenal marcou um golo.
7
E quando levamos o telefone à orelha
para verificar que era o alarme a tocar?
Comigo é mato, recosto-me a ler
e disposto a uma sesta marco a hora
da espertina mas sou cavalgado
pelo entusiasmo e esqueço-me de Morfeu.
Quando o animal toca, atendo, ‘ alô!’
Mas no Royal conheço quem o faça
por método. Liga o alarme e a meio da bica
ele toca. Três, quatro vezes, atende, ‘alô!’.
Depois sorri para o desconhecido do lado
e comenta, ‘é engano!’. Fá-lo todos os dias
à mesma hora. Pitágoras tinha uma coxinha
de ouro que acordava um sururu
nos anfiteatros, este tem uma beiça de prata
que refulge um pouco antes de proferir
´é engano!’ e lhe ficar pendida no peso
da última sílaba a laje da solidão. 
8
É uma mesa lauta de anedotas picantes.
Elas fingem que bocejam.
Uma delas travejou nos soluços.
Uma miúda ao fundo da mesa,
nitidamente deslocada, d’olhos
esbugalhados, estica o pescoço de garça
para elevar as orelhas ao céu
mas de vez em quanto ondeia-lhe
uma ervilha na garganta, como se engolido
tivesse a piquena cabeça de um leão.

1 comentário:

  1. muito obrigado, amigo!
    muito honrado com tão belo(s) poema(s)...
    saudades
    abraço forte

    e não é Palmeiras (que isso é time de futebol duvidoso)
    é Palmeira

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