dylan thomas e caitlin, sua mulher, e uma bela caneca cintilante |
No miolo
da sua cabeça reclinada, os inimigos,
encontraram o seu leito
sob a pálpebra obstruída,
lavrou Dylan Thomas
uns anos antes daquela tarde
nova-iorquina em que a mostarda
do seu rosto,
em 18 uísques duplos,
distraído batimento de remos,
fez navegar prego dentro um coração
galês.
“Um insulto cerebral”, grafou
o atónito médico
na autópsia, depois de lhe sondar
no hálito a oxidação das pontes.
Ficou o poeta totalmente da boca para fora,
como despontam begónias
e os dias,
gotejantes e cegos,
e o fogo procura o seu bombeiro.
Da boca para fora, fluido verde
que estoira cismático nas pétalas.
Ao miolo da sua cabeça reclinada
foram os inimigos
esticar os lençóis
e a cama ficou um brinco,
mas só nele, sobrevindo da boca arrefecida,
o silêncio bolsou:
como o azul
que se deixa sangrar pelo bote.
CARTA EM MESA PÉ-DE-GALO
para o José Colaço BarreirosFiquei enfim, querido Pasolini, saturado
daquele mundo antigo, das balelasde espíritos caducos como as rameiras
do Império Romano. Foi do que me salvei
dum expediente que me amolava o espírito
e o declinava em pára-raios,
repetindo sem dúvidas velhos
formalidades, predominações (sabes como
é proibitivo falar em classes) que sobrepunham
razões e deuses alheios ao meu ânimo
secreto, intempestivo. Voltei ao barro,
ao descompasso clandestino, a uma respiração
atreita aos ziguezagues de cada dia,
o que me alarga os horizontes e me não confina
em moldes. E às vezes uma força eruptiva
salta aos olhos, provinda do plinto do inesperado
onde, di-lo Heraclito, conflui a espera.
Ainda ontem tentava explicar a dois esquálidos suíços,
- this is the middle age, the middle age…-
que a vida deles sem esse testemunho
seria um mero palanque declamatório
e que o martelar nas íris das lancinantes gaiolas
da miséria, os melhoraria como seres humanos
implodindo-lhes os belos corais da letargia.
Mas arrancar suíços à previsão dos mecanismos,
à sua comedida, meridiana torpeza? Mostrei-lhe
o matutino, onde se lia: «Em Neuchatel, suíço
rapta crianças de dois anos para as devorar».
The real return of the middle age, repliquei.
Não acreditaram, e coléricos pretendiam
ter sido a notícia inventada por um jornalista de mal
escarificado na alma. Peut-être. No circo romano,
a barbaridade espirra pedras pelos olhos.
Porém, crer que o Bem é simétrico ao progresso
das nações é uma ingenuidade que decapita mitos.
E voltaram ao hotel, de olhos fixos no viés amarelo,
temendo encontrar pelo caminho uma trupe de canibais. Como explicar a espíritos tão arreigados
ao decoro, aos impostos, que há uma poética do sujo,
que a vizinha circunvalação do trágico levanta
dos escombros as magnólias, o prazer que unge
numa pequena conquista, e que o urbanismo,
o vero, é cosa mentale? Necessitariam
os filhos do conforto, escoltados
pela gadanha da História, de ter nascido nas faldas
de Friul, como tu ou de escorpiões pontapeados
por pastores, como eu, para descortinarem
que por detrás dum sobressaltado
e férreo desajuste do destino cada vida impõe
uma feraz alegria que a resgata,
aos alicates da estatística. Tinha comprado um honesto
vinhito sul-africano para partilhar com eles –
mais fica. Deixemos os juízos aos janotas,
tique-taque, tique-taque, tique-taque, e
sozinho deglutirei as lágrimas de riso de Lázaro.
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