terça-feira, 20 de março de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA: UMA BÚSSOLA PARA A DESORIENTAÇÃO GERAL

MÁRIO VIEGAS, um vero amante da poesia

Acordei com uma avidez incrível por um prato de sopa de letras, como quando tudo era ainda um caldo fervente e as sombras e os dias não tinham recortes nem insónias. E então um anjo bom lembrou-me uma parábola que explicam nos mosteiros budistas aos seus neófitos.
Era uma vez um monge tão santo e tão sábio – dizem – que depois de toda uma vida de estudo e meditação não havia dito nunca nem uma só palavra. Todos os noviços do mosteiro respeitavam e veneravam a sua sabedoria, mas ao cumprir os oitenta e cinco anos, estando periclitante a sua saúde, decidiram rogar-lhe que falasse, por fim.

- Explique-nos, antes de morrer, o que em todos estes anos aprendeu e contemplou. Pedimos-lhe que não definhe sem nos deixar algo… como uma pista que nos ajude no nosso estudo e nos oriente na contemplação.
O ancião respondeu-lhes com um sorriso, mas continuou calado. À medida que a sua saúde se debilitava, a impaciência espicaçava os noviços. E cresceu ao ponto de, já no seu leito de morte, começarem a gritar-lhe, a ameaçá-lo inclusive, para que soltasse nem que fosse uma breve chispa do seu tesouro espiritual.
- Para quê ser egoísta e cruel? – zurziam – Para quê levar consigo tudo aquilo que acumulou e que pode servir-nos como luz e guia?

Mas o ancião continuava mudo, imperturbável, entre os jovens que desataram a maltratá-lo. E foi só no momento de exalar o último suspiro que soltou uma palavra, a sua única palavra:
- Fogo!
E o mosteiro começou a arder.

É esta a eficácia que teria a palavra, qualquer palavra, em que puséssemos toda a energia que durante toda a vida delapidámos em mil e umas tontices que dizemos e repetimos sem parar, sem pensar. Dizer «frio» e congelar o mundo inteiro. Abrir a torneira, ordenar “corre”, e ver nascer o Nilo. Ouvir alguém pronunciar “Poesia” e mijarem-se, para sempre, de vergonha, os Ministros da Cóltura deste mundo. Isto sim, seria um dia em grande.
Mas como entretanto, nada disto se passa, temo, como dizia Joubert, que «as palavras sejam como cristais que obscurecem tudo o que não ajudam a ver melhor», e, «um sacramento de muito delicada administração».

Hoje a Poesia devia assaltar todas as filiais do Banco onde o querido Gaspar tem depositadas as sua poupanças. E deixar no lugar dos euros, fotocópias com o poema do Grilo do O´Neill.
Receio que nos iremos ficar pelos brandos costumes. E, como inevitavelmente, vai ser assim, e só ouviremos os carrilhões do Clube dos Poetas Mortos, conseguirá alguém desencantar o registo do Mário Viegas a recitar a lengalenga do “tranglomano”? Talvez isso nos ajude a resgatar a algazarra deste dia…

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