quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

O ANEL E O APERTO: A RENDIÇÃO DO ESTRÓINA


Não vale a pena assobiar para o lado, fazendo de conta que não aconteceu nada.
Casei-me.
Houve dois momentos embaraçosos, antes e durante:
o tête à tête com o meu corpo quando me despi no gabinete de provas da boutique
 onde comprei o fato e, num espelho alheio e menos macio e ameno, tive de contemplar a massa profusa e decaída de um corpinho que enfim já teve o seu esplendor grego e agora lembra o de um debochado bizantino – um momento de desânimo, talvez a noiva merecesse couve mais tenra;
a outra situação embaraçosa foi quando, pestanejando muito, me saiu o why not, antes de emendar, estava a brincar e de ter assinado o sim.
Se algum dos amigos me quiser dedicar uma musiqueta, que seja The touch of your lips, de Chet Baker, que não partilho já aqui pela total falta de tempo que esconde uma feroz inépcia técnica.
Este meu casamento foi também um casamento político: o do amor contra a rataria.
Foi provavelmente um dos últimos casamentos de amor num tempo em que os Presidentes da República convidam à venalidade.
Quando Cavaco Silva, num enlevo hipócrita, se lastima da sua reforma sem simultaneamente se demitir por até aí não ter dado conta de como fizera tão pouco pelo bem-estar dos cidadãos do seu país (- eis a perícia gaiteira de um ratice deslumbrada por ter subido da terra dos figos à dos melões), o mundo fica mais transparente, dado que a mensagem é:
“… não vale a pena trabalharem, esforçarem-se, o mérito nunca recompensará, vejam o meu caso, cheguei a Presidente e não me chega, só há uma possibilidade: Fodam a filha do Rei!
Exorto-vos a fazer render o corpinho (daí a minha angústia no gabinete da prova, já não reúno condições para essa provação), mintam, manipulem as emoções, realizem casamentos de conveniência, é o único modo de safarem a pele!”
Enquanto eu, neste país à beira do caos, violento e duma aspereza social metafísica, posso ainda casar-me por amor: caso-me apesar de não termos reforma, ó desavergonhado magistrado! Não há casamento de maior inconveniência.
Caso-me, arriscando mais uma vez o Pacto, apostando na Pessoa e não no Contribuinte – compreende a diferença, ó magna figura?
Mas dizia que a festarola promete correr bem, só tenho pena que o Carlos Vaz Marques não venha fazer a reportagem – sempre foi um dos meus grandes sonhos: ver um casamento meu na rádio – mas o Carlos já me prometeu que estará nas bodas de prata.
E segue o discurso que botarei esta noite contra a insistência dos convidados e que, homem prevenido, “improvisei” de véspera. E dirá o noivo:    

Maravilhoso povo maputense
gente que veio por bem e gente que veio ao engano, bem hajam.
Desde que montei o meu primeiro triciclo, aos meus dois anos, que não me ocorria dar um passo tão grave.
Conduzir o triciclo por veredas íngremes e rotundas salpicadas de sapatos, sem chocar com o Dick, o coolie que havia lá em casa, constituiu o meu primeiro encontro com o perigo.
Porque fomos feitos para andar sobre duas pernas e não sobre três rodas.
Para andar sobre três pernas existem precisamente os triciclos, de quem nós fomos as damas de companhia.
Mas o nosso natural são as duas, ambas as pernas, com que tropeçamos diariamente no olhar das raparigas matreiras…
Perdão, este era o meu discurso de despedida de solteiro…
Um momento. Enganei-me no bolso. Ah, cá esta…
Recomeço.
Prezados e condignos filhos de Delagoa Bay, aos que vieram por bem e aos que vieram ao engano, bem hajam…
desde a primeira vez em que me recusei montar a cavalo
que não me ocorria dar um passo tão grave,
ocorrendo-me agora que o berreiro que fiz nesse dia no hipódromo
significaria o pânico de não chegar inteiro a este dia
sem lesões centrais e periféricas que esfacelassem a minha capacidade para cumprir os deveres da conjugalidade
e outros de pendor mais abstracto
mas mantenho que a minha vida se decidiu nesse primeiro não
diante de um alazão a quem o tratador tratava por Raimundo,
e esse não só hoje ganhou sentido no rotundo sim que dei esta manhã
num cartório revestido a capulanas e sob o olhar pátrio e benevolente
do presidente deste povo maravilhoso
que lá fora se esmifra e acotela no chapa, ordeiro,
e diria que o sim até ribombou aos tímpanos do conservador que exultou
ao ponto de lhe terem caído as calças ao som da sílaba
facto pelo qual se desculpou com o insólito sumiço do cinto
fanado por um vizinho com manápulas de larápio
e ribomba ainda nos meus tímpanos amaciados pelo sim
ouvido a esta dama antes do deslassar da cintura do escolápio.
A esta dama Teresa de Cordato, e Noronha como minha mãe,
prometi eu no primeiro dia na feira popular do nosso primeiro almoço
prometi eu, dizia, três meninas com quem andarmos na montanha russa, faltando-nos neste momento adquirir apenas
os últimos dez metros de carril para nos mudarmos para Durban
onde montaremos a maior montanha russa da África Austral,
plano que desde hoje e daqui deixa de ser secreto.
Mas mais vos conto ilustres e embevecidos convidados,
que na verdade nunca saímos da Feira Popular
porquanto nas primeiras férias em que nos fatigámos mutuamente foi mamã Teresa tomada por uma labirintite que a manteve deitada quinze dias com vertigens que desenharam naquele leito a cordilheira dos Alpes
o que nos enleou para sempre em cordas e picaretas,
e por isso, agora, só para distinguir um bocadinho só que seja
este nó cego a doer em paixão tisnada
como li em poeta lírico desses que até no buço da amada descortinam os lírios do rio vos confesso que de amor amado já não estranho
desde o sim ao retrovisor que nos atou
e anuncio que, apesar de a partir de hoje
suspeitar que alguém se fará rogado sempre que lhe pedir irrigas-me
o púcaro com martini, une bonne voyage ç’est comme ça,
e mesmo até para os que afinal contra todos os avisos
não trouxeram xaile, anuncio
que considero aberto o baile.



4 comentários:

  1. Ao casamento já chego atrasado!
    Mas a primeira voltinha na montanha russa é para mim!
    Parabéns por aí em diante!

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  2. Esqueceste-te da trotineta, do carrinho de esferas, dos patins, da bicicleta, do monociclo... mas não te esqueceste que és um gajo das arábias, sábio operário da língua e das mãos que a ela se ligam, e ao cérebro, ou é ao contrário e eu até parece que já estou na festa do teu casamento com a Teresa, inebriado com tanto xaile e capulanas que escondem as célebres "glândulas mamárias", eh pá, manda-me daí umas 3M, ou Laurentinas, bem, fresquinhas, “curte maningue, numa nyce”!
    Beijos, meu malandro, e não te digo para beijares por mim a recém-esposada porque tu tens a mão pesada (e ela poderia não querer, é sempre uma hipótese…), mas se aí estivesse fazia um esforço para me chegar à “dona”, lá isso fazia!
    Carlos

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  3. Óohh... espero chegar a tempo ao baile que irá durar durar durar até ao dia em que aí eu arribar! escreves enquanto danças, seu parabenzoado! e outros parabéns pela prosinha (maningue nice!)que nos ofereces...Beijos. Amélia

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  4. Estou com um sorriso estúpido e parado, daqueles depois duma ganza
    :}

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