quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

O ALERTA AMARELO


Não é bem a descoberta de um tipo de batata nova que em duas dentadas acabasse com o herpes e me devolvesse o cabelo louro, mas quase. É uma pequena derrocada moral, a forma como aos 50 anos cedo à chantagem emocional de um felino, animais para com quem sempre mantive a equidistância de uma porta giratória.
Pertenci sempre ao Clube Amigo do Cão. O fiel amigo é aquilo em que o tornamos. Um gato é como o vapor, translucidez e desapego. O dono de um gato não passa do selo de uma carta que ainda não foi usada. Para um cão sou o seu inimigo ou o seu deus.
Admirava que olhasse para os gatos como membranas ambulatórias embrulhadas em carpete? 
Há um ano a professora da Jade deu-lhe um gatinho. Que fofo, exultou ela, esperando de mim um reforço. Sorriso amarelo, rajadas de um humor ventoso.
Assim se instalou o Sebastião cá em casa. Um pândego para as miúdas, a Luna já lhe fez uma música no violino, que o sacrista escutou com a bondade de uma múmia egípcia.
Desculpem, escrevo egícia com o «p» porque esta consoante é a cripta secreta das pirâmides.
O insólito é o que tem vindo a acontecer.
Eu vou à cozinha, levanto-me na sala ou no quarto e o bicho adivinha, ele vai à cozinha.
Imediatamente se me enleia nas pernas, parece um rio a correr entre a curva e contra-curva dos meus pés, e que, em chegando à cozinha, desagua. Mas aí é que as coisas acontecem, assim que desemboca na cozinha vira-se e num impulso escorrega de costas na tijoleira da cozinha como se fosse um jogador de hóquei do gelo a comemorar um golo.
Desliza até chegar ao frigorífico, aí instintivamente pára, adivinhando, ele vai ao frigo.
E, de pernas para o ar, oferece-me o ventre, enquanto lança a cabeça para trás e fecha os olhos, no antegozo da carícia.
É o meu pé que se entrega ao contacto, aos movimentos naquela pelúcia, o pescoço dele esticado para a carícia se alastrar numa espécie de golfo, do baixo-ventre ao queixo. Quatro cinco vezes ao dia, com a precisão de um pêndulo.
A palma do meu pé começa a estar macia. À noite, por duas outras vezes parece-me que ronrona, a palma, e ao dedo grande já o ouvi miar. As unhas encurvam-se-me numa garra.
Ainda não sei como contar à minha mulher que estou em alerta amarelo.  


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