quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

CURA AS INSÓNIAS

gamada à Julieta Duarte, a autoria não consegui precisar

É impossível não olhar detidamente para esta foto e não ficar com a pele de galinha. A fotografia alastra sob a pele como um oráculo, e permite ler uma panóplia de tensões:
O momento político em que vivemos - atrevimento ou morte.
O nosso tête à tête diário com a virtual possibilidade de estrear o féretro que Deus nos deu.
Mais que a resistência, a enorme resiliência que molda o homem: veja-se a capacidade do fotógrafo para, a) se abstrair, b) se reenquadrar. Se não fosse fotógrafo seria um óptimo bombeiro.
Paradoxalmente, o estado doentio de voyeurismo a que o homem chegou, afadigado em ser espectador da sua própria morte, o que me lembra aquele estóico doido a que se refere Séneca (o doido é meu) e que aguardava na fila da morte, sereno, com grande atenção ao momento da execução dos que o precediam, pois, dizia, queria captar o momento preciso em que os cinco gramas da alma se evolavam do corpo e exactamente por que zona do corpo.
Um estado civilizacional: o fotógrafo acredita que a educação recebida pelo outro não lhe permite ainda desferir o chumbo.
Ninguém se mete numa destas só por fezada, tem que ter fé. Fé na deslocalização da morte.
Uma boa situação dramática que pode desdobrar-se numa boa pergunta a fazer aos meus alunos de dramaturgia: qual deles é do Real e qual é do Barcelona – e, sobretudo, porquê?
Apesar de tudo, o triunfo da democracia: é horizontal o desafio.
Que aquele fotógrafo, hoje, cura as insónias.
Na Grécia, a imaginação dependia das emoções recebidas pelos sentidos: ainda não saímos disso, ou seja, não demos um passo em relação às caganeiras de Diógenes.
Que a ausência (do fotógrafo baleado) pode ainda triunfar sobre a morte: e temos a realidade vista pelo prisma de Mallarmé.
Que, esteja ou não feito o clic, a tonalidade será sinistra.
Que, em ficando-lhe o corpo subitamente leve, pode aquele fotógrafo nunca ter a oportunidade de fotografar o José Rodrigues dos Santos.
Que um militar terá sempre os reflexos mais condicionados que um touro na arena e, sobretudo, nunca terá a honorabilidade deste: apontar assim a arma a uma lente indefesa.
Esta foto é mais uma tétrica escultura de Sam Jinks.
A Jade dirá: aquele senhor (o militar) é muito malcriado. Porquê, perguntarei, cofiando a barba. Porque, dirá ela, ligeiramente fanhosa (está constipada), não pediu licença ao outro para lhe salvar a alma.
Esta fotografia é a metáfora ideal para explicar que o Amor ainda só respira por uma narina.

Ops, que fazem aqueles dois entre o maestro e a banda? O mesmo pergunto eu, na foto acima, com que imprudência se colocaram tão inocentes máquinas entre dois homens?
Se fosse pai do fotógrafo dava-lhe umas boas latadas.
Se fosse mãe aninhava-o, porque o meu filho se tinha feito uma pessoa, alguém que tem medo e avança.
Esta foto lembra-me dois versos de Bernard Noël: «o vento de passado de pé/ atrás da nuca». Estão a ver a ligação, não estão?







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