quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

OS GALGOS DA MENTE

gordon matta-clark, portrait
A escrever um inocente comentário no facebook
dou conta de que cria (filho) é um anagrama
de cariado. Susto. Talvez
por isso os tibetanos retenham a ejaculação…
não a soltam. Ao fim de dez orgasmos
retidos a mente é um galgo afegão em corrida.
Não sei se tenho energia para tanta corrida.
Um corpo não é também a alegria dos seus cansaços?


Começo a acumular os cadernos em branco.
Nunca fui magano para me pôr a contar
as linhas dos cadernos – até hoje.


Amo a minha mulher.
Cada casa tem o inverno que pode.


Eu também não gosto dela.
 Ao ser lida, porém, com um total desprezo, descobre-se
apesar de tudo que o genuíno aí tem o seu lugar:
escreveu Marianne Moore, num poema intitulado POESIA.
Esta declaração de guerra é um verdadeiro divisor de água.
Eu também detesto a poesia, posso lá eu relacionar-me
com algo que me trata como um cão de cego?
Gosto é de espreitar à socapa no espelho
e de lá ver alguém que não sou eu,
objectos e posturas que me não pertencem.
São raros vislumbres.
À socapa, se ela sabe (a poesia) faz-me o escalpe.


Rastejando constrangida na filigrana florida
A Inveja, montada no seu cão, olha para o elefante.
Resumo outro poema da Moore, que era uma velha danada.
e a montagem ilustra bem a minha inveja de não estar em Lisboa
neste momento de dissabor, a dar berlaitadas na tromba da crise,
com as minhas unhas florescidas pelo cacimbo.
Sempre que vejo um jardim muito arrumado dá-me vontade de urinar.
É uma coisa de miúdo.
Mas em Maputo estou farto do cheiro a urina.

Avidez e ciúme: duas leguminosas
que à varanda urdem tapetes.


O olhar que só vê as estrias
volve rapidamente axiomático.
É preciso que o liso contrarie.
Por isso às vezes vou à Baixa,
à Casa Elefante, ver as mulheres
a apalpar a suavidade dos tecidos,
para me entronizar no viso delas.


Que será feito da Fátima (a Maria Velho da Costa)?
Tanto que bebíamos.
Uma mulher que usa a língua com a largueza de um cartógrafo.
Enquanto eu bebia com a Velho da Costa, colegas
contavam anedotas ao director do jornal.
Oh lá lá, como subiram na vida.


Daqui a 3 dias faço 53 anos. É obra do diabo:
dividir para reinar. Encosto o búzio da minha filha
à orelha e bebo um cafezinho.
Não é Racine mas entretém.


O Carlos (Alberto Machado) faz-me um rasgado elogio
no seu blogue. Gosto e não gosto. Gosto
porque o respeito como escritor e entre o que diz e o que faz
há um rosto, não gosto porque se elogia demais,
desconfio que o país está assim por nos acharmos a todos geniais,
mera estratégia para nunca nos comprometermos a nada,
ao menor esforço. Desculpa Carlos, mas trocava o teu elogio
por um país onde O Respiro (foi de oitenta)  tivesse uma edição de mil
exemplares e fosse lido e discutido e tu fosses publicado
e lido e discutido. Preferia que me deitassem
abaixo do cavalo, a ter esta sensação  de ser só para alguns.
Conforta, mas é uma alunagem
e na lua as sílabas têm a gravidade do facebook.
Merecíamos era podermos estar juntos a libertar o sedimento,
mas nunca contámos anedotas ao director.
Lodo mágico: somos parentes.


Sempre tive a sensação de que pensar
era um cão à procura de um lugar para dormir.
É preciso achar o reverso da coisa:
que o cão desperte num lobo.


Hoje não há futebol para magoar
este tédio com um pouco de cretinice.


Nada disto é um poema.
Quem assim pensa que se dane.
São os galgos da mente, engalfinhados.
Nada perdura assim.









1 comentário: