eu, preparado para a próxima visita a uma casa de câmbios |
Na sexta-feira à tarde, véspera de Natal, percorri Maputo, de loja de câmbio em loja de câmbio para conseguir comprar 800 dólares que hoje teria de depositar na conta do meu senhorio.
Depois de calcorrear inúmeras avenidas, de baixo para cima e vice-versa, lá encontrei uma agência aberta com um maduro paquistanês, barbudo e de ar desportivo (camisola de alças), ao balcão. Quando cheguei vi que ele trocara dinheiro com alguém e não pedira documentos, como seria obrigatório por lei. Mas como eu queria era safar aquela maçada rapidamente não quis eu fazer questão disso, de o obrigar a dar-me um recibo e um carimbo, contra a inclusão da minha identificação no impresso. Ele não pediu e eu colaborei.
Achei estranho que o senhor, antes da transacção, depois de lhe ter passado os meticais para a mão, e estando nós sozinhos na loja, me tenha pedido cinco minutos e saído para a rua, deixando-me ao balcão, sete, oito minutos, em que tudo, mas tudo me passou pela cabeça. Lá veio então, deu-me cinco notas de cem novas e três mais antigas, e eu com a ansiedade nem as examinei a detalhe. Aliás, saí tão aliviado por me de livrado da incumbência que até me esqueci de lhe pedir o troco, trezentos e vinte meticais; relaxe pelo qual só dei três horas depois. Enfim, o tanso.
Hoje fui ao banco depositar a renda na conta do senhorio. E diz-me a funcionária depois de ter observado as notas com um ar enfadado, «… estas três estão fora de prazo, esta aqui já há muitos anos que não está em circulação».
Lá vou eu voltar ao vigas, sem uma prova documental, a minha palavra contra a dele e tendo como única arma dissuadora o facto de poder espetar com uma crónica de denúncia em dois jornais da terra que lhe minarão a respeitabilidade da casa, questão que para ele deve ser absolutamente irrelevante a partir do instante em que voluntariamente, com a silente estridência com que olha para o patego, passa aos clientes notas de cem dólares que já não circulam há vários anos - facto que ele, como profissional dos câmbios não pode ignorar.
Quando horas depois (passada a hora de expediente) dei conta de que ele não tivera a educação de compensar a minha indesculpável distracção com um pingo de honestidade, chamando-me de imediato para me devolver o troco, fiquei bravo comigo, e comigo… e com ele, e prometi só voltar lá para lhe ir urinar na montra. Mas agora impõe-se lá voltar e discutir, muito provavelmente com outros sócios e empregados, os efeitos duma transacção ilegal e duma sodomia não consentida.
É esta a inescapabilidade do tanso – numa cidade onde os esquemas são diários e a vidinha tem de ser um estar a pau.
Portanto, meu querido candidato a emigras, antes de vir, meça primeiro o seu grau de “intangibilidade”, o ângulo da sua capacidade para de antemão não desconfiar das pessoas. Se for igual ao meu é inútil o passeio, eles devoram quatro tansos por segundo, oito patos, doze artolas. A todos depenam com caridosos murmúrios.
Tudo enquanto um paquistanês esfrega um olho e, na verdade, pensa em Meca, a devotada.
António, logo à primeira linha adivinhei a trama. E pergunto-me: como é possível um "filho das Torcatas" ser empalado desta maneira ?
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