terça-feira, 29 de novembro de 2011

VENTO SOBRE OS BONSAIS/ 1

hokusai
                                                                   Este texto 'e para o Virgilio de Lemos, que hoje faz 82 anos

Sempre me atraíram os haikus, mas raras vezes fui capaz de os cometer, acho que por falta de humildade. Escrevo um haiku e não deixo que a redoma do silêncio poise sobre ele, penso de imediato que lhe falta algo, que lhe posso acrescentar x. Em dias de menor orgulho paro num soneto, mais vulgar é estragar um bom haiku (enfim!) com uma baba desmedida.
Angustia-me que me tomem por Satie, que não me acreditem como Rachmaninoff. Uma das lições mais difíceis da vida é a que se estampa no haiku de Buson:

Para cantar
o rouxinol
só entreabre o bico.

Talvez aos oitenta consiga dizer com o Hokusai, mais dez anos e conseguirei desenhar com vida o voo de um moscardo.
Até aí, cagança e manha.
Bom, a traduzi-los não acrescento, só lhes tento infiltrar um nico de aragem. A técnica é só uma: não hesitar, fazê-los de um traço depois de observarmos a linha do cerne. O tsunami não hesita e o voo do moscardo entre duas toranjas também não. O mais garantido para transmitirmos alguma vida ao haiku, a vibração que ele intenta captar, é seguirmos o impulso e fazê-lo brotar de uma vez só, com cada palavra absolutamente encaixada no seu lugar na relação. A mudar uma palavra depois, que seja por questões de textura ou cromatismo, apenas.
Imediatamente a seguir à tradução dos haikus, que me ocuparam, esta manhã, das 10h15 às 11h30, saiu-me este num só talhe:

Tempestade,
encavalitam-se as cerejas
nas orelhas do vento!

O segredo, pois, é não tentear, meditar no que lemos e depois atacarmos de uma vez só, como o funâmbulo o arame. In my opinion.
Bom, e é preciso não sermos choninhas, pelo menos não mais do que eu.
Os primeiros doze haikus são do Basho e os restantes de Yosa Buson.


Vão morrer não tardam
as cigarras; não tiramos daí a ideia
assim que as escutamos.


Um relâmpago:
na obscuridade brilha
o grito da garça-real.


A água é tão fria
que nela não consegue adormecer
a gaivota.


Sobre o toco morto
tamborila o corvo:
entardecer de Outono.


Cabana de pescadores:
misturados aos camarões
luzem grilos.


Que frescor;
os pés no muro
impelem a sesta!


De hábito detestado,
como é belo o corvo
na alba nevada.


Do coração da peónia
sai a abelha,
prenhe de desgosto!


À beira do caminho
florescia uma malva
que o sonso cavalo atraiu.


Um comilão de serpentes,
dizem-me do faisão. Terrível
me parece agora o seu grito.


Se até os javalis
são arrebatados na borrasca
pelas enxurradas de Outono!


Vergado pelas febres, na viagem,
erram os meus sonhos
numa extensa e nua planície.    


Na pele do sino
poisou uma borboleta
que dorme tranquila.


Que alegria
atravessar a vau o ribeiro no Outono,
as sandálias na mão.


Pelos aguaceiros de Abril
vão, cavaqueando,
o chapéu de palha e a sombrinha.


Primavera: ao longo
de todo um dia
a onda cavalga o mar.


Aqui e lá
o fragor das cascatas
torna fresco o rumor da folhagem.


Como é divertido
soltar os pirilampos
debaixo do mosquiteiro.


Para cantar
o rouxinol
só entreabre o bico.


Na brisa da tarde
malha e malha a água
nas patas da garça encarquilhada.



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