O COELHO E OS ELEFANTES
Como eram amigos, o Coe1ho e o Senhor Elefante!
E o Coelho, que era diligente e trabalhador, tinha produzido milhares de abóboras.
Um dia, apareceu na floresta uma manada de familiares do Senhor Elefante, um bando de traquinas e mandriões, e foi ficando. A dado momento o Senhor Elefante já não tinha mais nada para lhes dar e convocou uma reunião de família. Assim que os viu reunidos, inquiriu o Senhor E1efante:
- Como vamos resolver esta falta de mantimentos?
- É simples, roubemos a machamba do Coelho… - adiantou um primo, palitando os dentes.
O E1efante contrapôs:
- Calma, o Coelho é nosso amigo, basta pedir-lhe… ele há-de oferecer-nos algumas abóboras para comermos.
Mas toda a manada, de tromba alçada, se empertigou:
- Era o faltava ir pedir batatinhas ao Coelho, quando temos as abóboras à mão! – diziam em coro.
E o Senhor Elefante viu-se obrigado a apoiar os familiares.
Avançaram, pela calada da noite, e saciaram-se.
Porém, o furto passou a ser diário.
Um dia, o Coelho ficou em casa e mandou os filhotes irem colher as abóboras. Os filhos foram lá e surpreenderam os elefantes a surripiar as abóboras.
Os filhos voltaram assustados e contaram ao pai. O Coelho não acreditou nos filhos, afiançou:
- Tenho ir, se não vir não acredito!
E foi. Logo ao chegar, encontrou uma parte da horta toda rapada. O Coelho voltou para casa e comentou:
- Hoje vou à machamba matar os elefantes… - e advertiu os filhotes - vocês não devem vir porque ainda são pequenos e a coisa pode confundir-vos.
Mal chegou à machamba abriu uma abóbora e meteu-se lá dentro.
Os elefantes vieram e começaram a engolir as abóboras e o Senhor Elefante engoliu a abóbora onde o Coelho estava escondido.
O Coelho sabendo que estava dentro do Senhor Elefante começou a pular dum 1ado para o outro. Os companheiros ao verem aquele bojo a pulsar e os urros enlouquecidos do Senhor Elefante desataram a fugir, mas o Senhor Elefante, com o Coelho dentro da barriga, não os perdia de vista. E o Senhor Elefante tinha o ar dum comboio furibundo a tocar tambor.
Extenuado de tanto correr e de não conseguir parar, o Senhor Elefante resolveu matar-se.
Os outros elefantes abriram a barriga do seu familiar e apanharam o Coelho. Agarraram-no e riram a bom rir, de alívio. E a rir sentenciaram:
- Foste então tu que mataste o Senhor Elefante? Agora, vais ter de comer-lhe a carne até às unhas.
- E se não a acabares somos nós quem te matamos e comemos … - vaticinou o que gostava de palitar os dentes, já a pensar na bruta refeição de Coelho condimentado com elefante maduro.
O Coelho espertalhão começou a comer, e comeu, comeu, comeu… sempre que se sentia embatucado o Coelho pensava numa das abóboras que lhe haviam roubado, uma a uma, e vão mil, e vão duas mil quinhentas e vão duas mil e treze e assim as ia contando ao mesmo tempo que mastigava e mastigou e mastigou até à última orelha do elefante...
A manada estava espantada e o elefante do palito dava voltas à cabeça enquanto lhe subia a mostarda ao nariz e a fome lhe dava um cenho carregado de carnívoro.
O Coelho espertalhão lambuzava os dedos e, aproveitando a trégua que lhe deu aquele momento de pasmo da manada, fez um buraco na cabeça do seu mindinho e por aí chupou toda a sua carne, engolindo-se a si mesmo.
Depois caiu para o lado, morto, só pele e osso - deixando os elefantes à fome.
É o que dá não trabalharem, murmurou, para outra, uma formiga que viu a alma do Coelho subir ao céu.
O CÃO E O OSSO
Andava um Cão aos ziguezagues pelo campo,
À cata de comida. O esganado parecia um pirilampo
Ébrio. A certa altura, viu a carcaça
De uma cobra, vítima de arruaça.
As aves de mapira já quase tinham devorado
A bicha mas ainda sobrava da perna um naco.
O imprevidente Cão afincou-lhe os dentes
E saudou a sua sorte: Uau, que osso tão decente!
E se ainda tem carne! Vou levá-lo
Para casa, para o roer a meu regalo.
A caminho de casa, tinha o cão
Que atravessar um ribeiro brigão.
Sobre um certo cotovelo do curso,
Os homens tinham derrubado, de recurso,
Um velho canhoeiro. ‘É seguro’,
Pensou, ‘e por aqui m’ aventuro!’
Dito e feito. A meio do tronco foi atraído
Por uma sombra na corrente, e, abstraído,
Viu a sua imagem reflectida na água:
‘Quem é aquele madraço, que anda à arrecuas?’.
E reparando então que abocanhava o outro
Um belo naco de carne viu ali agouro
E desatou a salivar. ‘Já sei o que fazer…’
Matutou, ‘Vou rosnar-lhe até ele ceder
E pisgar-se e fico com dois ossos para mim.
E atirou-se para a água, ladrando como o jasmim
Se encontra luar. Só que para no outro escancarar
O medo abriu demais a boca e a perna ficou a boiar
À tona de água, antes de se afogar no escuro.
E, tremelicado de frio, até à margem nadou, inseguro
O nosso cão, sem nenhum osso para matar a fome
E com uma barriga mais lisa que a pedra-pome.
A RAPARIGA E O DRAGÃO
Em tempos que já lá vão, falava-se de uma rapariga que não queria casar com homens vulgares.
No limite sul da povoação da rapariga, havia uma lagoa onde o céu costumava estender as nuvens para secar. Um dia ela foi passear para a sua margem e encontrou um homem-de-água.
Ele gostou dela e ela sentiu que o coração lhe pulsava mais forte. Combinaram casar.
O homem-de-água, para assinalar aquele momento, deu um pente à rapariga. E disse-lhe:
- A minha vida está ligada à água. Tens que vir cá todos os dias, para conversarmos… Mas antes de chegares tens de pedir licença. Isto é uma regra que não podes quebrar.
A rapariga voltou para casa, numa grande felicidade. No dia seguinte preparou um farnel e levou-o consigo para a lagoa.
- Dá licença, dá licença.
- Vem, passa!
O homem saiu da água, sentaram-se à sombra e ele foi comendo, deliciado. Assim se repetiram os acontecimentos por muitos e muitos dias, até que ela um dia, cansada de pedir licença, se descuidou, chegando de surpresa.
Oh, lá lá! O susto que ela apanhou quando em lugar do homem-de-água encontrou uma enorme serpente “dragão”, com várias cabeças flutuantes sobre as águas, deixou-a muda.
Não se atreveu sequer a aproximar, e recuou em passo apressado.
Quando chegou à casa, contou à família o que viu na lagoa e enfiou-se na cama toda a tremer.
O dragão, desesperado e aborrecido, seguiu com todas as águas para a casa da rapariga. Foi andando, foi andando, deixando charcos e rãs atrás de si. O tempo estava mau, fazia uma ventania danada. Chegando à casa da rapariga, a água subiu, subiu, entrou pelas frinchas e janelas, até ocupar toda a casa e o dragão entrou nela e as suas cabeças assomaram no tecto da casa.
A rapariga chorava baba e ranho, maldizendo a sua imprudência, ainda por cima avisada.
Ia sendo engolida e metade dela já estava nas entranhas do monstro. Mas os irmãos não regatearam acudi-la e pegaram em flechas, zagaias, catanas e machados, inclusive do lume se serviram. E golpearam sem descanso a serpente-dragão, até que a conseguiram matar e salvar a rapariga da larga bocarra.
Desde aquele momento, nunca mais a rapariga ambiciosa quis casar com homem desconhecido.
HISTÓRIA DOS HOMENS
Passeava o intrujas da aldeia, pé-leve, abstraído, no mato
e tropeçou numa cabeça de pessoa separada de corpo.
O intrujas nem se atrapalhou e perguntou-lhe no acto:
‘Que fazes sozinha? Julgas que isto é de almas um horto?
E – aproveitador - que sabes tu da assembleia que foi marcada
na aldeia comunal? Respondeu-lhe, cambada, a cabeça:
“Malfadado, eis-me morto por causa da minha boca e também
vossa excelência pela boca morrerá, e que disto se não esqueça!”
O intrujas, alvoroçado, correu para o largo da aldeia
onde decorria a assembleia, e gritou: ‘esquecei-a,
à ordem de trabalhos, e vinde ver a cabeça que fala!’.
Que quer agora este mono, este lastimável gala-gala,
interrogava-se a turba, mas ele não se calou.
As pessoas da aldeia contrapunham que ele mentia.
O intrujas jurou e sugeriu que fossem em sua companhia
ouvir a cabeça que falava, e mais adiantou:
que o régulo levasse catana e que, caso mentisse, o matasse.
Vendo-o tão convicto, lá o seguiram. E interrogaram a cabeça
mas a sua boca não se descoseu. Mil vezes repetiram mas o impasse
só se giganteu. Então o régulo, ‘Antes que ele se esqueça!’,
cumpriu o prometido. E deixando em cada bandeja
o mar e o seixo, abalaram. Aí, levantando o queixo
voltou a outra cabeça a falar: ‘Então, Excelência, deposita-me
aqui um beijo, se não morreste por onde morre o peixe!
Oi, Antônio, boa noite.
ResponderEliminarSobre o Alexei, que você perguntou lá no blog, trata-se da Poesia Reunida (de As escadas da torre a Os resistentes, 10 livros no total). Me parece que depois disso ele não publicou mais nada de próprio. O livro é imperdível.
O Alexei foi uma descoberta muito boa que fiz na poesia contemporânea brasileira (da qual, preciso admitir, conheço pouco). Um pequeno poema do Livro de haicais:
Paisagem deserta.
Mas não, lá bem longe, um homem,
E então tudo existe!
BUENO, Alexei. Livro de haicais. Poesia reunida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003, p.220.
Que coisa curiosa, é a segunda vez que o Alexei atravessa o Atlântico pelas minhas mãos.
Muito obrigada pelo comentário cheio de gentileza deixado lá no blog. A imagem da centopeia é muito graciosa. Mas, no fundo, o que quero dizer é que não perco a oportunidade de aprender com pessoas como você, de uma humanidade transbordante e rara.
Volta e meia passo por aqui, mas quase sempre em silêncio. Outro beijinho.