quarta-feira, 9 de novembro de 2011

REESCREVER A MEMÓRIA, CONSOANTE O VENTO

a virgem, de max ersnt
Anuncia-se nos jornais, neste caso o Escorpião:
«o Movimento Literário Kuphaluxa move um projecto que consistirá em levar a poesia ao povo. Esse projecto tem o nome de “Poesia nas Acácias” e será a partir de quinta-feira, dia 10 de Novembro até sábado dia 12 do mesmo mês em Maputo.
Constituem objectivos desta iniciativa única, incentivar o gosto pela leitura, dar a ler ao povo e descobrir novos autores da poesia moçambicana, estes que ainda estão por se descobrir» (sic).
Espantosa esta declinação da partícula, que faz com que os novos autores se descubram como uma epifania, por antecipação ou desmasme, mesmo antes dos próprios se reconhecerem poetas.
Mas prossigamos a transcrição: “«Kuphaluxa que quando traduzido para português significa disseminar…”(…)” De acordo com esta agremiação, procura-se levar a poesia às massas, estas, que são as fazedoras da poesia.»
Nenhumas massas são fazedoras de poesia. As massas são fazedoras de motins, de linchamentos, de manifestações, de ritos, num fluxo ou num élan que às vezes pode dar uma extrema sensação de gratificação, mas a poesia e as massas são coisas disjuntas, lamento. Só a muita ignorância e a muita demagogia pode levar a tal ideia descabelada. Mas meta-se a massa num passe-vite: não sairá num verso. Fuzilamentos sim, ou um novo ditador, ou até às vezes uma certa sensação de liberdade, mas versos nem um.
Continuemos:
«Vamos invadir as acácias da cidade Maputo para expor a poesia. Serão cerca de 200 poemas expostos, sendo de jovens iniciantes no mundo da escrita e de escritores profissionais.»
Esta misturada é tudo o que não se deve fazer. Colocar um balbucio ao lado de um poema de Craveirinha ou de Knopfly é obedecer à malsã lógica televisiva que tudo nivela e destrói. Ou só jovens que mostram as suas feridas e exaltações (e não há jovem candidato a poeta que, pateticamente, não julgue que a poesia seja uma choraminguisse ou uma declaração, de revolta ou de amor à amada – mas que fazer para se chegar à poesia tem de se atravessar este mar de equívocos), ou só os poetas de referência, para se oferecerem modelos. Misturar aos olhos “das massas” as duas vertentes só fará com que as “massas” não distingam o bom e o mau, um efeito que contradiz os objectivos.
Mas segue a notícia: “Queremos levar a poesia para o povo e por isso os temas abordados nos poemas são de carácter social”. 
Meus Deus, que tem a poesia a ver com os temas? Cito Michaux: “Em poesia, vale mais sentir um estremecimento a propósito de uma gota de água que cai em terra e comunicar esse estremecimento, do que expor o melhor programa de entreajuda social”.
Continuemos: «esta nossa exposição terá lugar naquele que já fora (já fora? Já fora, já!) o Jardim botânico de Maputo, um pulmão para a respiração da cidade – Jardim Tunduro. Por outro lado, esta iniciativa servirá de apelo para a salvação daquele jardim.
Entretanto, a nossa fonte refere que a iniciativa será ao mais alto nível, sendo que este tipo de iniciativa será uma surpresa para o público nacional, uma vez que é a primeira vez que isto se realiza em Moçambique».
Uma surpresa não será, e localiza-se aqui a irritação que me move contra esta iniciativa.
Em 2009, no posfácio de uma antologia de Virgílio de Lemos que eu organizei e que se encontra à venda nas livrarias de Maputo, posfácio escrito em diálogo, digo eu:
«Vou propor uma intervenção urbanística. Que o Jardim Tunduru fosse transformado no Jardim dos Poetas e ao lado das árvores houvesse tabuletas com excertos de poemas, como se fossem garrafas com mensagem, em que as pessoas meditavam enquanto passeavam. Até já escolhi alguns do Virgílio… (cito então vários excertos de poemas do Virgílio e continuo) Que tal estes canteiros? Catei-os de poemas que não estão em antologia. Já imaginaste uma geração a crescer, lendo estes versos, enquanto brinca no Jardim; estes e outros, do Craveirinha, do Knopfli, do Patraquim…», etc., etc.
Topam, donde veio a espantosa coincidência?
Claro que as boas ideias são para circular. Mas gostaria que pelo menos o Movimento Literário Kuphaluxa – que afinal só dissemina a boa ideia que eu tive – tivesse ao menos a simpatia de me convidar, nem que fosse para borrar uma acácia com um sonetilho queixoso.
E o que é alarmante é que jovens poetas não percebam que ao poeta, uma criatura que se entrega como um funâmbulo à arte do fingimento, está-lhe interdita a mentira.
Começará aqui uma boa carreira política… mas a poesia, cadê?

3 comentários:

  1. Poesia e intervenção social, boa merda, só se for para fazer carreirismo político, como bem dizes.

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  2. A quem faltam ideias o tpc é copiá-las. Sem citar o autor, que ainda por cima é pouco recomendável.... E vivá poesia política....

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  3. mas que sabe o meu caro anonimo de eu ser ou nao pouco recomendavel? cabrita

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