Porque é que eu aqui só vejo rostos? |
Recebi por mail este estranho convite:
«Prezados Senhores,
O Conselho da Juventude da Cidade de Maputo (CJCM) tem a honra de convidar V. Excia para participar na "Marcha Sem Rosto"a a ter lugar no dia 29 de Julho, Sexta-feira, a partir da 8:30h, com o ponto de partida na Praça da Paz, perto do Shoprite e término na Embaixada da Líbia.
O objectivo da marcha é apelar para paz na Líbia, focalizando o povo líbio.
O objectivo da marcha é apelar para paz na Líbia, focalizando o povo líbio.
Cordialmente, »
E reflicto: uma «Marcha Sem Rosto» designa o quê?
Uma manifestação não é uma coisa assertativa, em que precisamente por causa de uma causa se empresta o rosto, o nosso, a voz, a nossa?
É em nome do quê que se efectua esta marcha? O «povo líbio» é demasiado lato, uma entidade absolutamente abstracta.
Se nos ativermos à tradição autocrática da Líbia, até o Kadhafi é uma emanação do povo.
Realiza-se a marcha contra o homem que declara que se os rebeldes entrarem na capital ele «suicida» a cidade? Ou é uma manifestação de apoio ao homem que, em nome da sua tradição autoritária, acha preferível arrasar a cidade (com o tal povo incluído) a retirar-se? (Ainda que ele tivesse razão, como se arroga ao direito, em vez de nobremente se retirar capitalizando politicamente o efeito do acolhimento internacional do seu gesto?)
Não se percebe ao que somos convocados, o objecto da marcha, no prolongamento coerente aliás do anonimato que a convocatória reclama.
O que nos coloca diante de outra contradição: se a marcha está manchada pelo anonimato serve a quem, na causa que pretenda a servir? É igualmente uma causa sem rosto?
Se for uma marcha de apoio ao actual regime líbio fica a mesma marcada pela insubstância, pois como pode apoiar firmemente o que não dá a cara? Se pelo contrário se trata duma manifestação de repúdio ao actual regime líbio e se pretende com tal designação assegurar que as pessoas não venham a sofrer represálias por causa da sua opinião política, padece a mesma de irrelevância, sendo sabido que a) o anonimato é hoje uma lotaria `as mãos dos fotógrafos, b) as massas não pensam, só os indivíduos.
Qualquer que seja o prisma que se tome, num momento em que o supracitado povo líbio já deve ter todo abandonado qualquer réstia de neutralidade no conflito, não compreendemos que pode manifestar-se nesta manifestação?
Será uma coisa só de Maputo ou será um evento concertado com outros países africanos, num posicionamento comum? E a ser assim, que definição de princípios pode trazer uma marcha sem rosto? Neste caso porque não convocar os Espíritos, deixando as pessoas em paz? Nunca compreenderei certos meandros da política e os seus simulacros.
Resolvo ir espreitar na net, a ver se arranjo mais informação. E então descubro isto:
«O Conselho Nacional da Juventude (CNJ) a nível da cidade de Maputo promove, próximo dia 29 do mês em curso, uma marcha de solidariedade para com o povo líbio, em virtude dos ataques da NATO de que tem sido alvo. O acto vai decorrer sob o lema “Marcha sem rosto: juventude moçambicana pela paz na Líbia”.
Segundo uma nota de imprensa do Conselho da Juventude da Cidade de Maputo (CJCM), o drama vivido pela população líbia não deixa ninguém indiferente, daí ser neste âmbito que o CJCM decidiu manifestar em público a sua solidariedade para com os milhares de inocentes que estão a ser vítimas do flagelo da guerra.»
O que sublinhei esclarece o que ficou omitido. Afinal a Marcha sem Rosto, tem um Rosto: a oficial, do governo. O que foi singelamente omitido do convite.
E convidam-se as pessoas para que de boa vontade elas possam integrar-se numa manifestação onde perderão, de facto, a face, pois a meio do acontecimento descobrem que na verdade foram manipuladas e estão a apoiar o coronel Kafhafi.
E afinal o povo é só aquele que não deseja o afastamento do ditador – ainda que não sejam muitos, a minoria, ao que parece. Já quem está contra o poder já não é povo. Pelo menos em África.
Que triste papel o destes jovens demagogos com procedimento de velhos: focalizando o povo líbio, desagradeço! São estes jovens que se tornam Malemas corruptos!
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