A borboleta que não viu a teia vê-se em palpos de aranha
para rejeitar o açaimo do destino.
Também a teia era clandestina.
Desacordei no sentimento de que o fado vive de borlas
e o semáforo estava amarelo.
África, a quantos fantasmas já a tua cama fez a pele?
Levei tempo a perceber que o mar é uma cova que levita. Empanzinado
em xima e peixe frito constato
Deus reservou-me o banco dos suplentes,
atrás dos enfermos crónicos e dos proxenetas de Las Palmas.
África, lembras-me o ogre condenado a pintar o que pode comer.
A ideia que tenho da pátria?
Uma épica dos poros.
Nunca diria que fosse cobra para desplumar a galinha
no mesmo lance em que a hipnotiza.
Desde quando é que se deita a sombra rejeitada ao poço?
O plâncton cola-se-me aos cílios, felizmente aqui não há baleias. Canto
como se respirasse por palhinhas,
num máximo de vogais mudas.
Que grão tumulto nos descuida o futuro e confunde
com alguns maus destroços
da impenitente saliva das marés?
Uma tristeza, os polvos não serem loquazes.
Não pestanejam. Os naufragados, perturbados pelo extravio
dos dedos, também não pestanejam.
E tu, África – a que serve os danados –
quando pestanejas tu?
Os astrólogos são uns charlatões. Perdão,
era dos astronautas que eu queria falar. O ano
em que nasci tem registada uma descida na lua.
Se calhar por isso, em miúdo,
tinha a mania de que cada vez que prendia a respiração
ficava invisível.
A fome é que nunca deixava de se ver.
África, nunca é tarde! Lembra-te da consciência das pedras,
não lapidaram Maria Madalena!
Disparam, nas minhas costas e cobrem por um instante o céu
de cinza, os pombos que correm ao brilho do milho
nas mãos da criança desprevenida. Foi ideia da mãe
que não adivinhou o susto do miúdo com o ímpeto dos pombos,
braços e ombros acima.
A mãe tira então um punhado do saco
e atira-o para longe, num gesto de trancar a cancela.
Os pombos seguem o movimento e numa revoada afastam-se.
O miúdo chora porque as aves foram para longe.
A mãe dá-lhe uma mão de milho.
Os pássaros tornam e bicam-no, assustando-o.
A mãe desvia-os lançando para longe o milho.
O miúdo redobra o choro e assim sucessivamente.
Não sei, mãe África, porque deslindo, nesta cena
que vi em Durban, o teu retrato.
Só que me sinto o milho.
Atina: os abutres hoje requisitam guindastes!
Salva-nos do álcool das etnias, da obscenidade
que expulsa mártires em balsas que se viram
à vista das Canárias. Supões tu que o coração dos mortos
é a bailarina da caixa de música?
Estamos juntos!, diz-se na minha terra,
e igual no desafecto só as micaias!
Que dirão de mim na Lenine,
na esplanada do Colmeia? “Esse brada
era uma fita
que dava sono a uma estátua!”
Nostalgia ou detrito, África
vive de imagens como o leão do zoológico de Maputo,
cujos ossos já deram flor.
Sim, Victor Hugo: Deus é um farol com eclipse.
Mãe, atende aos humildes, ao mel
que se urde insondável sob céus de iniquidade.
Não deixes que no teu coração abra jazida um relâmpago!
Também a teia era clandestina.
A crueldade não amaina,
nisso é filha dos desertos.
Mãe África, são de basalto negro as tuas veias?
Nunca é tarde! Lembra-te da consciência das pedras,
não lapidaram Maria Madalena!
África venero-te, silvestre, antiquíssima
como a teia e os seus relatos, tão velha
que o vento ainda não sabia o nome das árvores.
Mas a boca da lampreia
que me suga os olhos diz-me:
chegou o tempo dos sonhos lúcidos.
para rejeitar o açaimo do destino.
Também a teia era clandestina.
Desacordei no sentimento de que o fado vive de borlas
e o semáforo estava amarelo.
África, a quantos fantasmas já a tua cama fez a pele?
Levei tempo a perceber que o mar é uma cova que levita. Empanzinado
em xima e peixe frito constato
Deus reservou-me o banco dos suplentes,
atrás dos enfermos crónicos e dos proxenetas de Las Palmas.
África, lembras-me o ogre condenado a pintar o que pode comer.
A ideia que tenho da pátria?
Uma épica dos poros.
Nunca diria que fosse cobra para desplumar a galinha
no mesmo lance em que a hipnotiza.
Desde quando é que se deita a sombra rejeitada ao poço?
O plâncton cola-se-me aos cílios, felizmente aqui não há baleias. Canto
como se respirasse por palhinhas,
num máximo de vogais mudas.
Que grão tumulto nos descuida o futuro e confunde
com alguns maus destroços
da impenitente saliva das marés?
Uma tristeza, os polvos não serem loquazes.
Não pestanejam. Os naufragados, perturbados pelo extravio
dos dedos, também não pestanejam.
E tu, África – a que serve os danados –
quando pestanejas tu?
Os astrólogos são uns charlatões. Perdão,
era dos astronautas que eu queria falar. O ano
em que nasci tem registada uma descida na lua.
Se calhar por isso, em miúdo,
tinha a mania de que cada vez que prendia a respiração
ficava invisível.
A fome é que nunca deixava de se ver.
África, nunca é tarde! Lembra-te da consciência das pedras,
não lapidaram Maria Madalena!
Disparam, nas minhas costas e cobrem por um instante o céu
de cinza, os pombos que correm ao brilho do milho
nas mãos da criança desprevenida. Foi ideia da mãe
que não adivinhou o susto do miúdo com o ímpeto dos pombos,
braços e ombros acima.
A mãe tira então um punhado do saco
e atira-o para longe, num gesto de trancar a cancela.
Os pombos seguem o movimento e numa revoada afastam-se.
O miúdo chora porque as aves foram para longe.
A mãe dá-lhe uma mão de milho.
Os pássaros tornam e bicam-no, assustando-o.
A mãe desvia-os lançando para longe o milho.
O miúdo redobra o choro e assim sucessivamente.
Não sei, mãe África, porque deslindo, nesta cena
que vi em Durban, o teu retrato.
Só que me sinto o milho.
Atina: os abutres hoje requisitam guindastes!
Salva-nos do álcool das etnias, da obscenidade
que expulsa mártires em balsas que se viram
à vista das Canárias. Supões tu que o coração dos mortos
é a bailarina da caixa de música?
Estamos juntos!, diz-se na minha terra,
e igual no desafecto só as micaias!
Que dirão de mim na Lenine,
na esplanada do Colmeia? “Esse brada
era uma fita
que dava sono a uma estátua!”
Nostalgia ou detrito, África
vive de imagens como o leão do zoológico de Maputo,
cujos ossos já deram flor.
Sim, Victor Hugo: Deus é um farol com eclipse.
Mãe, atende aos humildes, ao mel
que se urde insondável sob céus de iniquidade.
Não deixes que no teu coração abra jazida um relâmpago!
Também a teia era clandestina.
A crueldade não amaina,
nisso é filha dos desertos.
Mãe África, são de basalto negro as tuas veias?
Nunca é tarde! Lembra-te da consciência das pedras,
não lapidaram Maria Madalena!
África venero-te, silvestre, antiquíssima
como a teia e os seus relatos, tão velha
que o vento ainda não sabia o nome das árvores.
Mas a boca da lampreia
que me suga os olhos diz-me:
chegou o tempo dos sonhos lúcidos.
Também gostava de escrever assim...
ResponderEliminarA susbtância do poema é a substância da ideia, é assim, magnífico, que o poeta pedala, envergando a camisaloa amarela, não por não chegar em último, mas em derradeiro.
ResponderEliminarAbraço
Amadeu
ps - responde ao mails...