sexta-feira, 29 de julho de 2011

MILTON LOVES HILLARY CLINTON



Urge conseguir uma boa edição do Milton.
Neste momento o Milton cochila num banquinho,
ao lado do armário das toalhas na casa de banho,
há um mês que ninguém o tira de lá.
Um tijolinho encadernado à antiga.
Ali permanece, supostamente, para matar o tédio
das horas mortas. Mas apesar da boa-vontade
que nos acode nesse recanto de ensimesmamento
desfraldado não consigo avançar uma página
inteira por dia, é pedregoso demais,
parece-me mais solene que um lutador de sumô
a pôr os lábios em bico para declamar um haiku.  
A única edição que tenho é a esforçada tradução
do António Leitão de, 38, e se o Milton
é isto, oh my god, o melhor é esquecê-lo:

«Exasperar nos cumpre um deus ovante
Que dos furores seus largando as rédeas,
Nossa existência rápida termine,
Para nós sendo a morte o único anélo.
Que triste anélo! Quem, mesmo pungido
De cruas aflições pelo árduo acúleo
A vida intelectual perder deseja
E os pensamentos que sublimes voam
Por toda a vastidão da eternidade», pág. 83

Que triste anelo, um verdadeiro cachucho,
ó Leitão! Nunca me calhou comprar o livro
numa edição inglesa ou em spanish
ou franciu e agora, em Maputo,
depois desta lixa para ferro nas retinas,
falta-me a gana para encomendar
o livro numa livraria sul-africana.
Apesar das inesquecíveis páginas de Borges
sobre Milton, dos cantos directos à baliza
marcados por Pessoa (a bola levava efeito)
enquanto magicava no Paraíso Perdido,
sinto-me como o distraído
a quem o pescador passou agulhas, um novelo
de fio de nylon, e a quem sobressalta
a pergunta: remendo qual dos buracos?
Ó Leitão, acho que vou entregar esta edição
à embaixada americana em Maputo,
com uma dedicatória para Hillary Clinton.
Se não percebes a intenção, topas a rima?




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