quarta-feira, 20 de julho de 2011

À sombra de Zbigniew Herbert



Como eu gosto deste polaco, meu deus; gosto mais dele que de passas do Algarve. Zbigniew Herbert: é um nome de vento afiado nas duas faces duma navalha. As versões são minhas.



OS CARVALHOS

Na floresta, encavalitados na duna,
três carvalhos portentosos, aos pés
dos quais procuro conselho e protecção.
Emudecidos os anjos, abalados os profetas,
não resta em terra ninguém mais honorável
- eis porque, ó carvalhos, a vós dirijo
as minhas interrogações sombrias, esperando
o veredicto do destino, como outrora em Dodone.

Mas é necessário confessar que o vosso ritual
de concepção – ó ponderados! – me inquieta;
no limiar da primavera no começo do verão,  
à sombra dos vossos ramos enxameados
de folhagem recém-nascida,
uma orfandade de rebentos - em tufos
pálidos, mortiços,
mais frágeis que a erva
que desponta num oceano de areia -
luta solitária, desoladamente.

Por que não defendeis as vossas crias
a quem a primeira geada afeiçoa
os dois gumes do gládio?

Que significa – ó carvalhos – a cruzada
demente, o massacre dos inocentes e a selecção
sinistra que paira nietzscheanamente
sobre a placidez da duna, apta a consolar
os melodiosos queixumes de Keats -
aqui onde tudo incita ao beijo,
ao anelo, ao armistício?

Como devo compreender a vossa parábola
sombria, o lúgubre toc-toc do picapau,
o riso das tíbias brancas,
o tribunal da alba e a execução da noite
a vida às cegas nos fiapos da morte?
Que importa, ao estapafúrdio não o sofro mais
e fica com quem governa aqui,
o deus de olhar aquoso na face do contabilista,
demiurgo de ignóbeis quadros estatísticos
que quando lança os dados ganha em todos os tabuleiros,
convertida a necessidade em variável do acaso.
E pode o sentido ser mais que a nostalgia
dos fracos e a astúcia dos desiludidos?

          Tantas interrogações – ó carvalhos –,
tantas folhas, e sob cada folha
o desespero.



INSCRIÇÃO


Olhas as minhas mãos
frágeis – dizes tu – como as flores

olhas a minha boca
demasiado pequena para dizer: universo

         debrucemo-nos mais sobre a haste dos instantes
         o vento pede a nossa sede
         olha, os nossos olhos esfumam-se ao crepúsculo
         o mais precioso odor vem do que a morte principia
         e na forma das ruínas atenua a dor

há em mim uma labareda que cogita
a brisa para o brasido e para os véus

tenho mãos impacientes
e posso
esculpir no vento
a cabeça de um amigo
repito este verso que adoraria
transcrever em sânscrito
ou numa pirâmide:

quando a fonte das estrelas estancar
nós daremos a luz às noites

quando o vento ficar petrificado
nós deslocaremos o ar.                              


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