terça-feira, 6 de setembro de 2011

ALUNOS E JOGOS AFRICANOS


Pedi há 15 dias aos meus alunos de Dramaturgia que esboçassem um texto de 6/10 linhas só para empregarem o verbo «desarvorar», que desconheciam. Nenhum deles (em 16) fez o exercício e só um deles teve a curiosidade de ir ao dicionário ver o que significava.
Hoje, escrevi no quadro um verso de O’Neill: «pesou a moeda na mão do cego» e pedi-lhes que a desenvolvessem numa story-line (uma micro-narrativa que condensa em 5 - até 8 linhas – o plot duma história, e que tem que conter apresentação do conflito, desenvolvimento e desfecho). Estou curioso em ver até que ponto vão cabular. Mas todos eles, de antemão, se acham à altura de passar de ano e de ser dispensados de exame.
Algo está a diluir a inteligência, o menor sentido de responsabilidade dos humanos, e a tornar menos fiável o futuro.
Deve ser do desaparecimento gradual das abelhas, perdemos os antigos modelos na própria natureza, e com eles a crença no poder anfetamínico do trabalho na produção de mel.
Assim, se puderem furtar-se a escrever, os alunos fazem-no.
Por outro lado houve um aluno que me deu uma alegria, pela sua facilidade em detectar o problema da transmissão televisiva, sobretudo na coreografia do bailado, na cerimónia da abertura dos Jogos Africanos. 
Por um lado - por aselhice, ou falta de meios? - não havia Planos Gerais de enquadramento do desenho da coreografia que, disseminada por vários núcleos, permitisse ir entendendo a coordenação das movimentações da mole humana no relvado. Em muito momentos a coisa parecia uma justaposição de planos parciais onde tudo corria da esquerda para a direita (ou vice-versa) sem ordem, na fé que Deus desse um sentido àquilo.
Por outro - para além da saturação que nasce de que invariavelmente se repitam as narrativas da escravatura e da luta pela independência (esta gente sem querer está presa, apegada ao passado, de imaginário ainda cativo pelo colonialismo), como se não houvesse projectos, um futuro a construir, outras narrativas do presente - só quem fosse moçambicano entenderia cabalmente o que ali se representava, razão pela qual os locutores estiveram tão afadigados em querer explicar verbalmente o que as imagens não contavam a quem não tivesse as referências.
Erro de monta.
Claro que, para a generalidade dos moçambicanos, a cerimónia foi um êxito de arromba, e ninguém viu estas deficiências técnicas. Por dois motivos, desconhecimento do que seja a linguagem televisiva e relaxe.
Depois, o inegável ajuste organizativo quanto ao resto, camuflou o desacerto.
Embora não tivesse ficado bem no boneco tantas bancadas vazias, com tanto povo que adoraria ter tido uma oportunidade para participar do evento.
Mas a realização televisiva é que foi muito deficiente. O meu aluno topou. Aquele realizador chumbaria em qualquer escola técnica audiovisual com critérios de rigor. Como é que, num acontecimento àquela escala, uma coreografia daquela dimensão e a realização televisiva não se articulam e parecem desirmanadas, uma combater contra a outra?
Os “mais simples” dirão, lá está ele a denegrir. É o oposto, aposto simplesmente o que não esteve bem para que na próxima se melhore. Eu quero que as minhas filhas moçambicanas cresçam num clima onde a capacitação e o engenho andem a par e não num território de corsários aventureiros. Portanto é necessário, construtivamente, ser pedagógico, ainda por cima numa das minhas áreas profissionais.
Outra coisa, como todos, é ficarmos felicíssimos com eventuais êxitos competitivos dos moçambicanos - não é disso que se trata aqui, mas do amadorismo do resultado televisivo.
Este relaxe é o que se verifica em todas as áreas. Esta semana, uma aluna apresentou-se chorosa na aula porque o irmão mais velho, com 38 anos, morreu de repente no Hospital Central, por negligência médica. Uma história que se repete demasiadas vezes.
Em nome de uma diferença dos costumes sacrificam-se critérios de rigor no trabalho e na cognição, responsabilidade, valores. Afirmar que todas os costumes – e a suas morais – são igualmente válidas só soa bem (lembra José António Marina), quando é dito por um etnólogo feliz por estudar povos distintos e distantes, que não afectam em nada a sua vida quotidiana.    
A mim afecta-me muito que os meus alunos não apostem mais na sua formação, que o esforço que faço em transmitir-lhes conteúdos e valores tenha pouco eco numa mudança mais rápida de atitude neles. Que percam mais tempo a ver como se safam do que a ler e a estudar para se tornarem mais dotados.
Começo a duvidar dos meus próprios métodos: se começo a aula citando Umberto Eco, que dizia que «a semiótica é a disciplina que estuda tudo o que pode usar-se para mentir», e se com leveza e, traduzindo-os para o quotidiano, vou engatilhando os conceitos, tenho que ter muito cuidado para não correr o risco de eles apreenderem só a anedota, já que o esforço de sugerir que leiam – mesmo dado – o Tratado de Semiótica Geral será vão.
Mas o que é grave é ver como este relaxe, e o paternalismo global que o sustenta, continua em alta.
O Presidente Armando Guebuza foi agraciado com medalhas de mérito da FIFA por se ter empenhado na consecução da Organização dos Jogos Africanos e a abertura dos mesmos terem decorrido com eficácia. O que me surpreendeu. Que um país em vias para o desenvolvimento se proponha organizar um evento que exija algum trabalho e que cumpra a contento, não é em si a melhor gratificação? Se o México se candidata a qualquer evento e não falha na sua organização, isso não é normal?
Claro que Moçambique é um país mais pobre mas os seus índices de riqueza crescerão exactamente na proporcionalidade em que crescer a sua capacidade organizativa, a sua capacidade de mobilização de competências e quadros. E deve ser considerado normal e não excepcional, no caminho do desenvolvimento, a capacidade para fazer aquilo que nos outros países decorre do simples facto de se ser responsável. É um item natural do critério do progresso.
Há um iniludível mérito na organização dos Jogos Africanos e Moçambique (o presidente Armando Guebuza) marcou pontos com a sua execução, mas o gesto (político?) da Fifa, em última análise, embarca num mau exemplo de paternalismo.
O mesmo que admite que um mau estudante de medicina seja valorizado porque é moçambicano, ou que um mau realizador (seja quem for o responsável ou a sua nacionalidade) seja louvado porque mostra o seu trabalho na televisão moçambicana, ou que leva um aluno a pensar que pode fazer Dramaturgia sem ler e escrever o triplo do que acontece com os alunos de outras áreas, porque ser moçambicano é pertencer a um convencionado estado de condescendência e excepção.
Cada vez que me lembro que os atletas moçambicanos da canoagem receberam os seus “vasos” de competição seis dias antes da abertura dos jogos porque os mesmos foram retidos meses na alfândega dá-me vontade de beber mais “um vaso” de vinho.
Deve ser por isso que ando com gota, o que aliás me dá mais afinco para estar em casa a assistir ao esforço dos atletas moçambicanos.       
        

7 comentários:

  1. Mas que garotada preguiçosa! Com um professor como você em sala de aula...
    Que desperdício.

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  2. A mesma coisa em Portugal, exceptuando os poucos que têm um objectivo claro e aqueles que andam na Faculdade por tirarem algum prazer do que aprendem. É um problema transversal, infelizmente, e o único prazer que daí tiro é ver provado que a geração seguinte não é melhor do que a geração passada só porque se inventou um iPhone ou uma tv a 3 dimensões. O que é bom e intemporal continua a dar trabalho.

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  3. Como se chama mesmo o Senhor Presidente: Emílio ou Armando ?

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  4. 'e uma gafe das boas. corrigida. tinhas de ser tu a reparar nisso. pronto, la vou a exame. mas donde me veio o emilio? sera dp zapata? ac

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  5. Não ligues, António. É o meu olho treinado para a apanha da conquilha. O que prevalece é o teu texto, esse sim, um verdadeiro e saboroso arroz de conquilhas.

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  6. Sabes fernando o que e engracado? o nome do Senhor Presidente 'e amando emilio, afinal da para a conquilha e o canivete

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  7. Bestial,so o cabrita!mais um vasinho?

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