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Poeta italiano. Giuseppe Ungaretti nasceu no Egipto, para onde sua família se havia mudado temporariamente, pois o pai trabalhou na construção do canal de Suez. Estudou por dois anos na Sorbonne de Paris. Em 1914 alistou-se voluntariamente como soldado na Primeira Guerra Mundial. Combateu na província de Trieste, na frente do Carso, uma das mais duras durante a Guerra, e em seguida na França. Em 1916 publicou em italiano o conjunto de poemas Il porto sepolto, onde reflecte as suas experiências na guerra; em 1919 publica uma segunda obra chamada Allegria di naufragi, onde envereda por uma m’etrica nova, afastada da retórica e do barroquismo que então era dominante na Itália.
O seu primeiro emprego fixo foi no Brasil, entre 1936 e 1942, quando deu aulas de italiano na Universidade de São Paulo.
Durante a Segunda Guerra Mundial, voltou à Itália onde, em função de sua fama como poeta, foi nomeado em 1942 professor da Universidade de Roma, posto em que se manteve até 1958.
Estes poemas foram extraídos de Vita d’un Uomo, que reúne toda a sua obra. As versões são minhas.
AGONIA
Morrer como as cotovias sequiosas
na miragem
Mas não viver de lamentações
como o pintassilgo cego
Ou como a codorniz,
vencido o mar,
nas primeiras silvas
porque não guarda mais desejo
de voar
DORMIR
Santa María la Longa, 26 de Janeiro de 1917
Eu queria imitar
este país
apaziguado
na sua camisa
de neve.
ALEGRIA DOS NÁUFRAGOS
Versa, 14 de Fevereiro de 1917
E de imediato reinicia
a viagem
como
após o naufrágio
o recomposto
lobo do mar
UNIVERSO
Devetachi, 24 de Agosto de 1916
No mar
entalhei
um ataúde
de frescura
SOU UMA CRIATURA
Valloncello di Cima cuatro, 5 de Agosto de 1916
Como esta pedra
do Monte San Michele
tão fria tão dura
e seca
tão refractária
tão absolutamente
derruída.
Como esta pedra
é o meu pranto
invisível.
A morte
se expia
vivendo.
NA GALERIA
Espia-nos do tanque
um olho de estrelas
e filtra a sua gelada benção
neste aquário
do tédio sonâmbulo.
NOITE DE MAIO
Prende o céu no alto
dos minaretes
grinaldas de luzes
ERA UMA VEZ
Quota 141, 1º de Agosto de 1916
No bosque Capuccio
há um declive
de veludo verde
como uma macia
poltrona
Passar aí pelas brasas
sozinho
num café remoto
banhado por uma luz débil
como a
desta lua.
IRONIA
Ouço a primavera nos doloridos ramos negros.
Só a esta hora é possível ouvi-la, enquanto se passa
diante das casas a sós com os próprios pensamentos.
É a hora das janelas entaipadas, mas
esta tristeza dos regressos roubou-me o sono.
Uma penugem verde acordará com a manhã
e embeberá ternamente estes galhos ainda secos
quando a noite tombou.
Deus não se dá repouso.
E só a esta hora é dado, a alguns raros sonhadores,
o martírio de escrutar a criação.
Esta noite, ainda que seja de Abril, neva sobre a cidade.
Nenhuma violência supera a dos semblantes
silenciosos e frios.
VIGÍLIA
Cima cuatro, 23 de Dezembro de 1915
Recostado
a noite inteira
a um companheiro
massacrado,
a boca num esgar
dirigido à lua cheia,
enquanto
as suas mãos congestionadas
perfuravam
o meu silêncio,
escrevi
cartas plenas de amor
Nunca me senti
tão
preso à vida
ATRITO
Com a minha fome de lobo
carrego
o meu corpo de ovelha.
Sou como
a mísera barca
e o oceano luxuriante.
OTRA NOCHE
Vallone, 20 de abril de 1917
Neste breu,
com as mãos
enregeladas,
tacteio
a minha cara
vejo-me
abandonado no infinito
MALDIÇÃO
Mariano, 29 de junio de 1916
Enclausurado por coisas mortais
(E o céu estrelado também conhecerá um fim)
Porque desejo eu tanto a Deus?
GOZO
Versa, 18 de febrero de 1917
Febril, a pontada
plena
desta luz.
Recebo este dia
como o fruto
que se dulcifica.
Esta noite
nutrirei
um remorso
como um latido
perdido no
deserto.
NASCE TALVEZ
Eis a névoa que tudo apaga
Nasce talvez um rio aqui por cima
Escuto o canto das sereias
do lago onde zumbia a cidade
SAN MARTINO DE CARSO
Destas casas
só sobraram
destroços.
De tantos
que me correspondiam
nem sequer isso.
Mas no coração
não me falta uma só cruz.
É o meu coração
o país mais devastado.
NÃO GRITEIS MAIS
Cessai de matar aos mortos
não griteis mais, não griteis
se quereis porventura ouvi-los
se quereis não perdê-los.
Eles têm o sussurro imperceptível,
pois seu é o rumor
da erva que cresce feliz
onde não passe o homem.
Obrigado, António!
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