matta |
Como hoje estou numa de barba & cabelo ocorre-me uma cena extraordinária de O Barbeiro dos Cohen e que se resume nisto: Ed Crane (Billy Bob Thorton) mata o seu laconismo indo ao fim do dia a casa do seu patrão ouvir a filha deste a tocar piano. Um dia lê o anúncio de uma audição para a formação de uma orquestra e decide armar-se em agente e levar a filha do patrão aos testes. São recebidos pelo maestro e a candidata encaminhada para a sala da audiência. Ed fica cá fora, ouvindo as escalas no piano, as frases musicais, as harmonias e cadencias que sempre lhe pareceram tão magnificamente executadas. Ao fim de meia-hora a porta abre-se e o maestro vem acompanhar a rapariga e despedir-se. ‘E simpático mas não diz uma palavra sobre a interpretação dela, e vira-lhes as costas. Ed, ansioso, vai atrás dele, e insiste, “então, mas ela não esteve bem, houve algum erro?”. Responde o maestro: “Erro? Não, ela tocou tudo certinho, onde estava um ré na pauta premiu o ré, onde havia um fá ouviu-se um fá, foi perfeito…”, “e então?”, repetiu Ed; resposta do maestro: “Então, será uma óptima dactilógrafa!”.
‘E esta a sensação que tenho diante de 95% do que se escreve e publica hoje maioritariamente, são belos exercícios de dactilografia, textos virtuosos mas sem carácter, textos que comunicam mas nada exprimem, inanes imitações sem voz. Aqui encontro uma voz.
Claro que a um tímido assim sempre será difícil encontrar uma editora capaz que o projecte e ajude a mostrar a sua diferença. Por mim, esta aposta ‘e segura. Aqui deixo alguns poemas do Fernando:
aguardo a grande ficção
aguardo a grande ficção do mundo
(os rostos envelhecendo
o meu o teu se houver
tal coisa como o amor)
que valerá a luta
o escasso tempo
a morte a mais
(não olhes para trás
vão se aluindo
as casas a história
não haverá recomeço)
meu amor o homem
tamanha tristeza.
a gravilha range
e na garganta um rumor
rebate em soluço
(na passada a infância vai
cingindo-te um nervoso nó
sussurras e os dentes
gravilhando tens
tempo tens tempo)
os cheiros dizem-te uma vida
trocada aos poucos
(e sobe aos lábios
a melopeia de terras
morenas e azinheiras)
fosses pequeno e a mão
na mão materna. agora
és tu levando um filho deixando
solta outra para amparar a sua
chegada de granizo nos olhos
eclipse
é imperativo uma noite para a infância
(escura e selvagem diria
o fundo feminil
de teus olhos)
onde um pirilampo
(anjo de duplo traço a néon)
regressa (da ulissíada
da memória) à morada
e o dedo fluorescendo.
uma noite e a lua num banho
a ouro que sombreia o tranquilo
argênteo mar
(a pele rubra e vibra
quando tua mão
mistura sal e água de
espuma caxemira)
veloz se esconde e aparece
(tu)
onda abrasiva rolando na cama
feita pérola menstruada.
de Poemas possíveis do cabo sardão
i
este silêncio do cabo
sardão. ribeira fresca
odor morno de um canavial
mar solto ao fundo
da caminhada o estalar seco
e verde de chorões cobrindo a areia
a terra quente viva de carochas
cigarras. as palavras trocadas
pela minúcia gramatical
dos corpos os nossos o outro
silêncio ao cabo do sexo
dentro de tudo que habitamos
lá fora um eco mais
escuta
Talentosíssimo!!
ResponderEliminarDiga a ele que faça, no mínimo, um blog!
beijos
BF
o blog é este:
ResponderEliminardonnemoimachance.blogspot.com
um abraço e obrigado
Querido António, querido Fernando: fico feliz (assim mesmo) por se ter dado este encontro; não me alongo, o Fernando sabe o que penso do seu trabalho, de há anos... Se a Companhia das Ilhas arranjar fôlego financeiro ele será um dos primeiros. Seja como for, o direito à voz ninguém lho poderá sonegar.
ResponderEliminarE tu meu sacaninha, não te esqueças deste lado do mundo.
Abraços fortes aos dois.
carlos e antónio, obrigado aos dois.
ResponderEliminarsim senhor!
ResponderEliminarOlá António! Desculpa chatear-te com um assunto que não tem nada que ver com o post mas a Pastelaria aparece, qd se busca no google, como um site perigoso que "pode danificar o seu computador", dizem eles. Numa troca de informações no facebook, apareceu um comentário do Nuno Dempster dizendo que qd se clicava no link da pastelaria no teu blog se ia parar a um post de 2011. Vim ver, como o outro. O que acontece é que se vai parar a uma pastelaria, mas não a minha. Mudaste os links do meu tasco ou o google enlouqueceu de vez? Beijinhos
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